Attac/França: Ao lado dos agricultores, por uma agricultura camponesa
Ao lado dos agricultores que se mobilizam, a Attac-França apela ao apoio às reivindicações de “um rendimento digno para todos os agricultores” e à ruptura com os acordos de livre comércio
Via Esquerda.Net
A atual mobilização dos agricultores é a consequência de um modelo agrícola produtivista que levou ao desaparecimento de milhares de explorações e ao empobrecimento de muitos camponeses (de 1,6 milhões em 1982 para 400.000 em 2019, 100.000 explorações desapareceram desde 2010, 18% dos agricultores estão abaixo do limiar de pobreza). Os responsáveis por este sistema são as políticas francesas e europeias, a globalização do comércio e, em particular, os acordos de liberalização do comércio, bem como os representantes maioritários dos agricultores, cujos líderes contribuíram para transformar a agricultura num agronegócio em benefício de alguns, e souberam utilizar muito bem as regras da Política Agrícola Comum (PAC) em seu benefício.
Mas enquanto alguns na agroindústria enriquecem, a maioria dos agricultores empobrece, endivida-se e, muitas vezes, vive em condições de trabalho difíceis. A sua mobilização é, pois, perfeitamente legítima, porque, ao colocar a questão do rendimento dos agricultores, é apontado o beco sem saída de um modelo produtivista, o de uma agricultura incapaz de fornecer produtos sãos e de qualidade, incapaz de assegurar a soberania alimentar, incapaz de permitir aos agricultores viverem do seu trabalho, incapaz de respeitar a biodiversidade.
Exigências desvirtuadas em benefício da agroindústria
A questão das normas ambientais apresentada pela Federação Nacional dos Sindicatos Agrícolas (FNSEA) é uma forma de desviar as atenções. É certo que existem normas que colocam um certo número de problemas aos agricultores ( etiquetagem obrigatória dos animais, por exemplo), mas o que a organização maioritária denuncia é sobretudo a vontade de reduzir a poluição causada pela agroindústria. É também esta a orientação do governo, que prevê, por exemplo, a supressão das licenças ambientais para facilitar a construção de grandes instalações industriais pecuárias. Do mesmo modo, as políticas europeias continuam a ser muito modestas no que respeita às restrições ambientais: a lei sobre a recuperação da natureza foi esvaziada, a autorização do glifosato foi renovada, o Parlamento Europeu rejeitou o projeto de redução da utilização de pesticidas, há projetos de autorização de novos OGM, etc.
O Rassemblement National [RN, partido de Marine Le Pen] também não é amigo dos pequenos agricultores. O RN votou a uma só voz, juntamente com o En Marche [Renascimento, partido do Presidente Macron] e os Republicanos [direita conservadora], a favor de uma nova versão da Política Agrícola Comum (PAC) para 2023-2027, que vira as costas à emergência climática e favorece a agroindústria em detrimento de milhares de agricultores que, todos os anos, têm de abandonar a sua profissão e sustentar as suas explorações agrícolas à escala humana.
O Governo nada propõe para os rendimentos dos agricultores
Os anúncios governamentais não vão resolver nada, muito pelo contrário. A ideologia produtivista e neoliberal deste governo, que partilha com os sindicatos agrícolas maioritários, está à vista de todos. Não há propostas que permitam aos agricultores viver decentemente do seu trabalho, mas sim um descalabro legislativo ecocida que conduz à aceleração de projetos de todo o tipo: Entre eles, facilitar a construção de barragens de encosta e de mega-bacias, colocar o Gabinete Francês para a Biodiversidade (OFB) sob a tutela dos representantes do Estado nas regiões, reduzir as ambições em matéria de preservação das zonas húmidas, manter o benefício fiscal para suprimir o imposto sobre o gasóleo agrícola, etc. Se não há medidas para melhorar os rendimentos dos agricultores ou o acesso às terras agrícolas, como podemos ficar satisfeitos com as propostas irrisórias que restam: uma ajuda de emergência de 50 milhões de euros para a agricultura biológica, a oposição ao acordo de comércio livre UE-MERCOSUL, mas não aos outros acordos, e três sanções ditas “pesadas” contra as empresas que não respeitem a lei Egalim.
Os anúncios governamentais não vão resolver nada, muito pelo contrário. A ideologia produtivista e neoliberal deste governo, que partilha com os sindicatos agrícolas maioritários, está à vista de todos. Não há propostas que permitam aos agricultores viver decentemente do seu trabalho, mas sim um descalabro legislativo ecocida que conduz à aceleração de projetos de todo o tipo: Entre eles, facilitar a construção de barragens de encosta e de mega-bacias, colocar o Gabinete Francês para a Biodiversidade (OFB) sob a tutela dos representantes do Estado nas regiões, reduzir as ambições em matéria de preservação das zonas húmidas, manter o benefício fiscal para suprimir o imposto sobre o gasóleo agrícola, etc. Se não há medidas para melhorar os rendimentos dos agricultores ou o acesso às terras agrícolas, como podemos ficar satisfeitos com as propostas irrisórias que restam: uma ajuda de emergência de 50 milhões de euros para a agricultura biológica, a oposição ao acordo de comércio livre UE-MERCOSUL, mas não aos outros acordos, e três sanções ditas “pesadas” contra as empresas que não respeitem a lei Egalim [que resultou dos Estados Gerais da Alimentação de 2017 e anunciava ter por objetivo assegurar rendimento digno aos agricultores, introduzindo justiça na repartição do rendimento ao longo da cadeia dos produtos alimentares].
Travar a corrida desenfreada da agroindústria para a liberalização
Os acordos de comércio livre são um exemplo paradigmático dos danos a que estão expostos os agricultores e os consumidores. Os acordos recentemente negociados ou em vias de finalização (UE-Nova Zelândia, ratificado em dezembro de 2023, UE-Chile em vias de ratificação, UE-Mercosul, em vias de finalização) conduzirão à importação de dezenas de milhares de toneladas de carne, queijo, leite e etanol…. Ao colocar todos os agricultores em concorrência entre si num sistema de globalização neoliberal, as suas condições de vida e de trabalho estão a ser niveladas por baixo, ameaçando eliminar os pequenos agricultores em benefício das multinacionais do agronegócio. Estes acordos incentivam a agricultura intensiva, que é um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa. No entanto, 80% dos deputados europeus aprovaram o acordo UE-Chile na passada quarta-feira, nomeadamente os liberais (incluindo o Renascimento), o Partido Popular Europeu aliado dos Republicanos, a extrema-direita (com a ausência do Rassemblement National) e os sociais-democratas.
Pelos direitos dos agricultores e para salvar o clima, é indispensável pôr termo a estes acordos: paragem definitiva das negociações do acordo de comércio livre UE-Mercosul, moratória de todos os outros acordos comerciais em negociação e revisão de todos os acordos existentes.
Mas isto não é suficiente para garantir um rendimento decente aos agricultores, e precisamos, como a Confédération Paysanne está a exigir, de uma lei que proíba a compra dos nossos produtos agrícolas abaixo do seu preço de custo. Para isso, é urgente agir sobre a cadeia de transformação e de distribuição, uma vez que as cadeias multinacionais do sector agroalimentar e dos supermercados obtêm enormes lucros.
Para além desta emergência económica para os agricultores, o atual modelo agrícola e alimentar deve ser radicalmente transformado: garantia de preços compensadores, fim da artificialização das terras, defesa das terras agrícolas que devem ser utilizadas para a produção de alimentos, redistribuição dos subsídios para fazer face ao agronegócio, criação e apoio aos circuitos curtos e às micro-fileiras (que são soluções perfeitamente viáveis e que respondem às necessidades dos produtores e dos consumidores), viragem agroecológica para dar prioridade à instalação de novos agricultores…
A questão agrícola diz-nos respeito a todos. O que é produzido é o que comemos todos os dias. Uma remuneração justa para os agricultores significa também repensar os métodos de distribuição de alimentos e a forma como acedemos a alimentos biológicos e de qualidade produzidos o mais próximo possível do consumidor. A curto prazo, isto significa aumentar os salários para nos podermos alimentar adequadamente e, para além disso, considerar modelos alternativos de consumo.
Ao lado da Confédération Paysanne e, mais em geral, dos agricultores que se mobilizam, a Attac apela ao apoio às reivindicações de “um rendimento digno para todos os agricultores” e à rutura com os acordos de comércio livre, e à participação nas ações de defesa destas reivindicações.
Comunicado da associação Attac-França, 27 de janeiro de 2024, publicado em Europe Solidaire. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net