Nota sobre a elucidação do caso Marielle Franco
A prisão dos mandantes da morte de Marielle é um passo essencial na luta por justiça no caso
A prisão dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa, na manhã deste domingo (24/3), desfecha a parte mais importante da jornada de seis anos de luta por justiça por Marielle. Um longo período em que os mandantes do assassinato atuaram livremente, e com a cooperação de quem deveria investigar o crime, para que ele nunca fosse elucidado.
Cooperação que, entretanto, era esperada e não nos surpreende, como atesta o seguinte fragmento de Pequeno inventário dos dias que se seguiram à execução de Marielle*, texto de nosso dirigente que acompanhou o caso mais de perto, Honório Oliveira, publicado pela Movimento Revista em março de 2023:
O maior erro que poderia ser cometido naquele momento era confiar a investigação do caso à Polícia Civil do Rio de Janeiro – e foi exatamente esse o caminho escolhido. Nos meses seguintes, todo tipo de distracionismo e boicote à investigação foi realizado: falsos depoimentos, falsos suspeitos, além de delegados e chefe de polícia afastados.
Lembro-me do dia em que a bancada do PSOL na Câmara de Vereadores reuniu-se com o então chefe da PCERJ, Rivaldo Barbosa, e eu já estava absolutamente convencido do erro que havia sido cometido ao não se federalizar o caso. David Miranda, que era parte da bancada, avesso a liturgias e protocolos, perguntou diretamente a Barbosa sobre a possibilidade de a Polícia Civil apontar falsos mandantes e executores no caso – questionamento que provocou, evidentemente, um enorme mal-estar. Considerei o constrangimento necessário, apesar de não combinado. Barbosa fez um discurso demagógico, em tom de indignação, como se sua honra tivesse sido atacada. Tempos depois, foi afastado do cargo sob suspeição.
Assim, ao mesmo tempo em que as prisões dos mandantes e do delegado corrupto concluem a parte mais importante do caso, expõem as vísceras da política e das instituições cariocas e fluminenses. A cidade do Rio de Janeiro tem metade do seu território controlado por milícias, o que só foi possível com a ativa partipação de políticos e autoridades policiais. Para que os mandantes da execução de Marielle ficassem impunes durante todos esses anos, houve forte cooperação desses atores sociais, sobretudo durante o governo Bolsonaro, cuja ligação com as milícias inviabilizou o avanço das investigações.
Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, as investigações não teriam avançado, o caso seguiria sem solução e não haveria justiça. Não teríamos as respostas que esperamos por todos esses anos sem o trabalho realizado pela Polícia Federal, cujo empenho na elucidação do caso merece destaque. Tal êxito também não seria possível sem a Procuradoria Geral da República e o ministro Alexandre de Moraes. Portanto, vale repetir, os mandantes da execução de Marielle Franco seguiriam protegidos se ainda estivéssemos sob o governo de Jair Bolsonaro.
A última fase do caso deve revelar a motivação do crime e todos aqueles que participaram do processo de obstrução de justiça, culminando com a prisão de toda e qualquer autoridade pública que possa ter sido conivente com a manipulação das investigações do assassinato da nossa companheira e que integre a podridão política que possibilitou tudo isso.
* Leia o relato na íntegra aqui.