Titular do PSOL na Comissão de Educação, Sâmia contesta presidência de Nikolas
Deputada classificou como “inconcebível” que um “sujeito sem postura ilibada” e com histórico de transfobia comande o colegiado num momento de discussões fundamentais para a educação pública
Foto: Leandro Rodrigues/Ascom Sâmia Bomfim
Na noite da última quarta (6), foram instaladas as comissões permanentes da Câmara e as eleições de alguns presidentes que estarão à frente dos trabalhos durante o ano geraram embates e revolta. Entre as mais polêmicas está a escolha de Nikolas Ferreira (PL-MG) para comandar a Comissão de Educação (CE). Logo no início da primeira sessão, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que assume vaga de titular da Federação PSOL-REDE no colegiado, apresentou uma questão de ordem contra a nomeação do bolsonarista conhecido por reiterados atos de transfobia.
“O deputado Nikolas Ferreira é réu, está com processos na instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais [TJMG] em função de um vídeo que ele gravou de uma estudante de 14 anos que estava utilizando o banheiro. Esse fato, inclusive, teve ampla repercussão e repúdio por parte, sobretudo, da comunidade escolar brasileira, porque ele atentou contra os direitos de uma criança, ferindo o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e, acima de tudo, atentando contra direito à educação, ao uso do nome social e também do banheiro de acordo com a identidade de gênero”, disse Sâmia ao evocar o artigo 244 do Regimento Interno da Casa, que trata do decoro parlamentar.
No caso que a deputada se referiu, o TJMG aceitou a denúncia do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e tornou o Nikolas réu por transfobia em setembro de 2023. O vídeo foi publicado pelo deputado em seu canal no YouTube um ano antes, quando ele ainda era vereador de Belo Horizonte, expondo o nome e localização do colégio, além do momento em que a aluna foi abordada dentro do banheiro feminino pela irmã do bolsonarista, também adolescente. À ocasião, as vereadoras Iza Lourença e Bella Gonçalves, ambas do PSOL, entraram com uma denúncia contra por LGBTfobia e incluíram uma violação ao ECA acerca da inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da pessoa com menos de 18 anos, abrangendo a preservação da imagem e da identidade.
Na questão de ordem, Sâmia citou ainda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nª 26 e do Mandado de Injunção nº 4733, equiparando homofobia e transfobia aos crimes de racismo.
“O senhor Nikolas Ferreira foi condenado em segunda instância a partir de uma ação movida pela atual deputada, na época, candidata à prefeita Duda Salabert, porque ele também foi transfóbico com ela”, completou a membra da comissão.
Em 2020, o bolsonarista deu uma entrevista ao jornal Estado de Minas em que se referiu à Duda Salabert (PDT-MG), que é mulher trans, como “homem” e com pronomes masculinos. Após a declaração, a então vereadora protocolou uma ação por injúria racial e indenização por danos morais, julgada procedente pelo TJMG. Em primeira instância, a Justiça já havia frisado que a identidade de gênero deve ser respeitada.
“No caso dos autos, a autora, conhecida professora e ativista pelos direitos dos transexuais em Belo Horizonte e no Brasil, de vez que eleita deputada federal nas eleições de 2022, vem há anos se apresentando perante a sociedade como mulher, tendo, inclusive, alterado seu assentamento civil para constar mudança de nome e sexo para o feminino”, ressaltou o juiz José Ricardo dos Santos de Freitas Véras, da 33ª Vara Cível.
“Com base na decisão do Supremo e no nosso Regimento Interno, é inconcebível. Um sujeito que não tem uma postura ilibada, que não tem condição de fazer jus ao mandato de deputado federal e que cometeu crimes contra uma criança dentro de um espaço educacional não pode ser candidato a presidente da Comissão de Educação. Principalmente num ano em que a gente tem discussões que são fundamentais para a educação pública brasileira, como, por exemplo, a garantia do pagamento do piso dos nossos educadores, o Plano Nacional de Educação e renovação das cotas do Sisu [Sistema de Seleção Unificada]”, apontou Sâmia ao contestar a indicação do PL à vaga.
O pedido de questão de ordem feito pela deputada foi indeferido por Moses Rodrigues (União-CE), presidente em exercício da sessão. Nikolas, que está licenciado e sequer participou do debate, acabou sendo aprovado pelo placar acirrado de 22 votos a favor – a exata quantidade necessária – contra 15 em branco. As indicações partidárias se dão respeitando a proporcionalidade do tamanho das bancadas; o PL, partido de Bolsonaro, com 96 cadeiras, tem a maior composição e, portanto, prioridade na escolha.
Apesar do resultado alarmante, Sâmia afirmou estar orgulhosa por representar o PSOL como titular da comissão: “Lutaremos com coragem na defesa da educação pública e de qualidade, que respeite a diversidade e garanta direitos. E não há protótipo de fascista transfóbico que possa nos impedir. Como fizemos na CPI do MST, vamos à luta!”