Insegurança alimentar atinge 64 milhões de brasileiros
O país é um dos maiores produtores de alimentos do mundo enquanto um quarto de sua população sofre com os efeitos da insegurança alimentar
Foto: MDS
Os dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, apontam que uma em cada quatro residências do país, aproximadamente 64 milhões de pessoas, sofre com os efeitos da insegurança alimentar. Desse total, quase 12 milhões de pessoas enfrentam a situação na forma moderada (quando a quantidade e qualidade de alimentos é reduzida entre os adultos da família) e 8,6 milhões beiram uma situação famélica grave. Esse índice é melhor que o da últimas pesquisa, realizada entre 2017 e 2018, mas apresenta dados piores que a PNAD 2013.
A pesquisa também indica que 600 mil crianças de 0 a 4 anos passam fome, assim como 1,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos. Ou seja, mais de 37% das crianças brasileiras com até 4 anos vive em famílias que estão em situação de insegurança alimentar. As regiões mais críticas são o Norte e o Nordeste, com o Pará sendo o estado com os piores indicadores, onde uma em cada cinco famílias está em situação de insegurança moderada ou grave.
Estes números são ainda mais chocantes se levarmos em conta que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Em 2021, a produção nacional foi suficiente para alimentar 1,6 bilhão de pessoas (quase sete vezes sua população) e a indústria de alimentos chegou a um faturamento de R$922 bilhões, sendo um dos setores econômicos mais significativos nos resultados do Produto Interno Bruto (PIB).
No tema da fome, a profunda desigualdade social do país tem uma de suas consequências mais dramáticas. Enquanto o governo comemora os últimos índices do PIB e o impacto do agronegócio exportador na balança comecial brasileira, a questão da insegurança alimentar é tratada como lateral e desvinculada desse primeiro tema. O mercado vê com bons olhos a exportação de commodities, argumentando que os recursos oriundos da venda de alimentos para o exterior dinamizam a economia, gerando assim emprego e renda.
Entretanto, como parte significativa desses recursos é apropriado pelos capitalistas do ramo alimentício, a desigualdade que produz a fome pode até variar conforme as flutuações do mercado internacional, mas mantém seu caráter estrutural. Para responder a isso, os diversos governos brasileiros desde os anos 1990 vem aplicando políticas de combate a fome exclusivamente para os extratos da população em situação de pobreza extrema que sofrem com a insegurança alimentar moderada ou grave. Essas políticas tiveram seu exemplo mais impactante no programa Fome Zero, iniciado no primeiro governo Lula.
Essa situação também é fruto direto do governo Bolsonaro, que reduziu muito os gastos sociais e era contra até mesmo o auxílio emergencial para as famílias trabalhadoras durante a pandemia. Com sua política negacionista que levou centenas de milhares de brasileiros à morte, a extrema direita foi vencida quando os valores desse auxílio foram aprovados mas, mesmo assim, essa postura deixou uma herança terrível em diversos indicadores sociais.
Como dizia o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, “quem tem fome tem pressa” e tais políticas compensatórias são urgentes, devendo ser ampliadas de forma contundente. Porém, é impossível acabar com a insegurança alimentar e a fome no Brasil sem romper com a lógica da acumulação que trata os alimentos como mercadoria a ser vendida fora do país enquanto parte significativa do povo, inclusive dos trabalhadores que produzem estes alimentos, continuam sem acesso integral a uma alimentação de qualidade.
Além disso, a insegurança alimentar leve também é muito preocupante porque impacta diretamente na seleção dos alimentos das famílias afetadas. Sem saber se continuarão tendo possibilidades de adquirir comida no futuro, estas famílias optam pela compra de alimentos mais baratos – boa parte ultraprocessados – que afetam diretamente sua saúde, desenvolvendo doenças relacionadas à má alimentação que resultam em um grande impacto futuro nos serviços de saúde.
Enquanto houverem crianças e jovens tendo sua formação afetada pela fome, enquanto houverem adultos comendo menos para garantir a alimentação dos filhos ou enquanto houverem famílias inseguras sobre suas compras de comida no fim do mês, teremos motivo contundentes para denunciar a industria capitalista de alimentos e sua lógica de morte. Comemorar os resultados do PIB nesse contexto beira o ridículo.