Argentina: segunda greve geral em cinco meses
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Argentina: segunda greve geral em cinco meses

O governo causou uma recessão maior do que esperava com queda nos salários reais, reformas e pensões, planos sociais e obras públicas. O seu projeto implica total subordinação ao capital internacional, financeiro e extrativista, reduzindo o peso da indústria transformadora e transformando o país num mero enclave exportador

Eduardo Lucita 13 maio 2024, 15:09

Argentina acaba de passar por sua segunda greve geral em cinco meses. Como de costume, os balanços da CGT e do governo nacional são distintos. Para a central sindical a greve foi contundente e emitiu uma mensagem: assim não se pode seguir. Para o governo a greve alcançou a dimensão esperada e em nada altera a agenda e o rumo geral já traçado.

Uma greve de alto impacto

Nos meios oficialistas sobram os argumentos que afirmam que a greve foi facilitada pela falta de transporte, como se os condutores de trem, os que dirigem ônibus de media e larga distância ou o pessoal aeronáutico não integrassem a classe trabalhadora e seus sindicatos não estivessem vinculados a CGT ou às centrais alternativas, que também convocaram a greve. Para minimizar a força da greve, alegam que alguns comércios estavam abertos (de fato, sobretudo os que vendem produtos essenciais e alguns supermercados), mas nada dizem que os poucos coletivos que circularam iam quase vazios e que as praças e parques estavam lotados de famílias como se fosse um feriado.

A convocatória da CGT a greve nacional foi sem mobilização, o que aqui se conhece como greve domingueira; no entanto em muitas cidades do interior do país houve mobilização, inclusive com bloqueio de ruas e estradas, que o governo pretende ignorar.

A realidade incontestável é que as fábricas, os bancos e instituições financeiras, os colégios e universidades, muitos comércios, os distintos meios de transporte estiveram fechados ou não operaram durante as 24h. Contraditoriamente, o governo calculou que a greve custou ao país 500 milhões de dólares, um cálculo de difícil comprovação, como muitos dados oficiais, mas que implica um, reconhecimento implícito daquele que criam a riqueza do país da qual outros se apropriam.

Um novo elo

O governo insiste que não há razões para a greve, que tudo é questão de interesses próprios de uma direção sindical muito desprestigiada perante a sociedade. Há certo grau de verdade nisso, mas não é uma explicação suficiente.

Esta medida de força é por agora um novo elo em uma cadeia de marchas e concentrações, enquanto que em paralelo se sucedem múltiplos conflitos sindicais. As concentrações do 8M, dia da mulher, e do 24M, aniversário do golpe de 1976, foram multitudinárias, superaram as dos anos anteriores, tanto em número como em definições políticas, mas não datas já instaladas na agenda popular. Ao contrário, a de 23A em defesa da universidade e da educação pública foram um fato político de magnitude que gerou surpresa no governo. Duas mobilizações operárias completam esta sequência. No 24E a central chamou uma greve com mobilização. Uma ação inédita pela amplitude da convocatória (as duas CTA, movimentos de DDHH, de mulheres, ambientalistas, LGBQIAPN+ e a volta das assembleias de bairro). Enquanto que o 1 de maio convocou uma multidão de trabalhadores e trabalhadoras, mais de 300 mil, com um documento totalmente crítico ao governo e ratificando a segunda greve geral que se realizou em 9 de maio. Tudo isto em apenas quatro meses.

As razões da greve

Com os dados oficiais publicados até agora, quase todos os analistas econômicos não hesitam em afirmar que o consumo caiu fortemente, que o gasto público sofreu um corte de características inéditas, que o investimento agora é quase nulo e que as exportações estão pendentes de uma melhora na taxa de câmbio ou de um aumento do preço internacional. O afã do oficialismo por chegar ao déficit zero faz com que desde o dia 10 de dezembro não tenha sido emitido um só peso; o resultado não é outro que não uma recessão, cuja profundidade e alcance é maior do que esperava o próprio governo, que não poucos empresários temem que se converta em depressão.

A queda dos salários reais, das aposentadorias e pensões, dos planos de assistência, das obras têm relação com a recessão e a perda de postos de trabalho. Os registros da Secretária de Trabalho da Nação mostram um crescimento dos pedidos empresariais aos Procedimento Preventivos de Crise, um mecanismo instalado nos tempos do menemismo que permite aos patrões suspender ou demitir trabalhadores sem maiores custos.

Tudo isso é produto do ajuste em curso, o maior da humanidade segundo o próprio presidente Milei; mas o projeto da Libertad Avanza [partido governamental] vai muito além. Implica uma reformulação completa do país em termos econômicos, sociais e políticos, o que leva junto a uma forte transformação das relações sociais em favor do capital.

Isto é o que está implícito na Lei de Bases e no pacote financeiro que já tem meia sanção dos deputados e está agora em tramitação no Senado. Mesmo que estes projetos tenham sido reduzidos, se mantém o essencial como um generoso regime de incentivo aos investimento, uma reforma na lei de hidrocarbonetos feita sob medida para as petroleiras, uma flexibilização trabalhista que limita as indenizações e legaliza as fraudes trabalhistas, uma redução do imposto sobre a riqueza e uma nova anistia mais permissiva que as anteriores, junto com a privatização de uma dezena de empresas públicas são só alguns dos pontos que contém, que como se vê não há nenhuma a favor do povo trabalhador.

O objetivo não é outro que não seja outorgar um marco legal às demandas históricas do grande empresariado. É o que explica o porquê das classes dominantes apoiarem sem reservas este governo.

Vale ressaltar que fatos políticos da magnitude dos que estamos vivenciando são chamadas de atenção para o governo, mas não o levam a modificar sua agenda. Não o fazem porque o governo não tem plano b. Salvo pequenas concessões, não podem conceder mais, sob o risco de colocar em perigo seu programa de longo prazo e arriscar perder o apoio das classes dominantes, então a confrontação com as centrais sindicais e o movimento popular vão seguir até que seja resolvida a favor de um ou de outro.

Estes fatos não puderam até agora ser capitalizados pela oposição. Esta falta de alternativas políticas permitem manter expectativas de futuro que alimentam a adesão ao governo, que parece seguir alto ainda.

É também a explicação do porquê esta contundente greve nacional é um novo elo na cadeia de mobilizações, mas não o último. São cada vez maiores os setores da sociedade, começando pelas centrais sindicais, que se dão contra de que o projeto de Milei implica numa subordinação total ao capital internacional, financeiro e extrativista, reduzindo o peso da indústria manufatureira e convertendo o país a um mero enclave exportador. Um país submetido a lei do lucro, onde a competição e o individualismo resultarão dominantes já que o mercado será a medida de valor de todos os valores, um país onde as desigualdades serão maiores do que são agora.

Os protestos da CGT e das outras centrais podem funcionar como uma plataforma para forjar as alianças táticas necessárias para mudar a relação de forças a favor do povo trabalhador. E nisso a esquerda anticapitalista é obrigada a desempenhar um papel decisivo. É o futuro da Nação e das classes subalternas que está em jogo.

Texto publicado originalmente no Viento Sur. Traduzido por Júlio Pontes para a Revista Movimento.


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