Tragédia no RS – Organizar as reivindicações do movimento de solidariedade
Por Caroline Ferraz/Sul21

Tragédia no RS – Organizar as reivindicações do movimento de solidariedade

Para responder concretamente à crise, é necessário um amplo movimento que organize a luta pelas demandas urgentes do estado

Israel Dutra e Roberto Robaina 16 maio 2024, 13:57

Foto: Caroline Ferraz/Sul21

A tragédia do Rio Grande do Sul é o marco da situação nacional, com todos os esforços voltados para o resgate e a solidariedade às centenas de milhares de pessoas atingidas. A discussão orçamentária no parlamento e no governo se impõe sobre todos os outros temas. O noticiário não é diferente, e nas redes sociais, enfrentamos uma batalha contra as fakenews impulsionadas por negacionistas climáticos bolsonaristas.

Inúmeros estudos já demonstraram como um modelo econômico predatório e políticas de austeridade dos governos desprotegem os territórios mais vulneráveis. O retrocesso é enorme e tem culpados: os interesses do agronegócio, das mineradoras, dos bancos e de outros capitalistas que produziram a tragédia, assim como os políticos a eles associados.

A onda de solidariedade e a necessidade de um movimento dos atingidos pelas enchentes

O que se verificou foi uma onda de solidariedade sem precedentes. Entidades, associações, sindicatos, DCEs, ginásios particulares abriram suas portas e organizaram pontos de coletas, cozinhas e abrigos. As redes de coleta de doações se multiplicaram. Vizinhos atuaram como um corpo de defesa civil salvando e resgatando pessoas e animais.

Tal cenário contrastou com a hipocrisia dos grandes empresários e dos políticos bolsonaristas, como Luciano Hang e os deputados ruralistas, que posam de heróis, mas na verdade sempre negaram os impactos das mudanças climáticas e continuam defendendo o “estado mínimo” para justificar a falta de preocupação social e investimento público.

A força dessa coletividade popular deve ser a mola propulsora de um movimento contínuo para atender todas as demandas imediatas urgentes e vai se desenvolver na disputa sobre o processo de ”reconstrução do estado”. Anos serão necessários, não somente para reconstruir o que foi destruído, mas para garantir que o conjunto da população esteja protegida futuramente contra novos eventos extremos, que se tornarão cada vez mais comuns.

A luta por moradia digna e segura, por meio de uma reforma urbana verdadeira, além da luta por melhores salários, por emprego e por uma assistência social efetiva, deve ser o eixo de ação de um movimento social e popular. Existem centenas de imóveis vazios, públicos e privados, ligados à especulação imobiliária que devem servir pra garantia da habitação popular. Felizmente, essa proposta já começa a circular – inclusive no âmbito institucional – como uma das alternativas para enfrentar essa grave crise habitacional que atravessa o Estado.

É o momento de extrair lições e apoiar as reivindicações – que passam pela organização dos desabrigados, do controle e da distribuição dos alimentos e donativos – para que os novos marcos de reconstrução sejam definidos democraticamente pelos povo organizado e pelos movimentos sociais.

A suspensão da dívida mostra que há recursos

A crise é tão profunda e abala de tal modo um Estado importante que a própria burguesia é obrigada a adotar medidas excepcionais, como apoio à suspensão do pagamento da dívida do Estado com a União. Com uma dívida de R$ 98 bilhões, a importante medida tomada pelo governo Lula representará R$ 11 bilhões mantidos no Rio Grande do Sul ao longo de três anos. Apenas de juros, seriam mais de R$ 12 bilhões se o pagamento fosse mantido, superando o próprio montante da dívida e, por consequência, provando que o pagamento da dívida está a serviço do sistema financeiro e da agiotagem.

O Rio Grande do Sul tem uma importância na acumulação de capital, garantindo boa parte da produção de arroz, de máquinas agrícolas e exportação de soja. A burguesia não poderia simplesmente deixá-lo para trás e vê-lo se transformar num palco de revoltas, nem deixar de lado o papel do RS na cadeia produtiva nacional, sendo obrigada a aceitar medidas excepcionais, como a concessão de um auxílio emergencial de R$ 5 mil a famílias atingidas.

O Estado sofrerá com o empobrecimento e poderá passar por um grande retrocesso social enquanto ocorre a reconstrução. Para enfrentar essa situação, a luta sobre quem deve pagar a conta será dura, afinal, essa fatura deve ser paga por aqueles que acumulam as riquezas e são os menos afetados. A suspensão do pagamento da dívida indicou que a pressão popular pode obter conquistas materiais e deve continuar garantindo o acesso do conjunto da população a todos os meios necessários para a reconstrução da infraestrutura do Estado e das vidas de famílias afetadas.

Isso trará à tona enormes discussões programáticas envolvendo justamente a questão do programa ambiental, da luta ecológica, da luta que envolve o combate ao negacionismo climático.

Construir um movimento dos atingidos pela enchente de 2024

Há muitas demandas. A imediata é a do atendimento aos abrigos, e a central a garantia de moradia. Mas ainda temos a demanda do auxílio emergencial, do crédito, da abolição de dívidas, da suspensão de pagamentos de tributos. São demandas tão importantes que levaram à medida excepcional de suspensão do pagamento da dívida do Estado com a União e à criação, por parte do governo federal, do Ministério da Reconstrução.

Para atender tantas demandas, é preciso organização. Uma organização que busque construir um movimento, centralizar as negociações, controlar o poder público, acompanhar a realização das medidas anunciadas. Não se pode simplesmente esperar pelos governos, é preciso que a sociedade (especialmente a classe trabalhadora do campo e cidade, a juventude e o povo pobre) tenha protagonismo e se organize para defender os seus direitos e os seus interesses.


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