Liminar determina reintegração de posse de prédio ocupado em Porto Alegre
Após manhã tensa, Defensoria conseguiu negociar permanência de moradores, que são vítimas das cheias na Capital
Foto: Tatiana Py Dutra/Revista Movimento
Há 10 dias, cerca de 50 famílias vítimas da enchente em Porto Alegre e em cidades da região metropolitana ocupam um prédio abandonado no Centro da Capital. Ante as dificuldades encontradas nos abrigos provisórios e as promessas do governo federal de requisitar imóveis privados desocupados para habitação, as cerca de 109 pessoas já faziam planos de permanecer no local – inclusive, fazendo melhorias no prédio.
Mas o capital econômico é implacável. Nesta segunda-feira (3) gelada e chuvosa, os ocupantes foram surpreendidos pela chegada de uma oficial de Justiça Ela portava uma liminar para reintegração de posse expedida pelo juiz Paulo Cesar Filippon, da 8ª Vara Cível do Foro da Comarca de Porto Alegre. O mandato, favorável a Arvoredo Empreendimento Imobiliários Spe Ltda, determinava a retirada imediata dos ocupantes, após identificação.
Curiosamente, o documento não indicava para qual local os novos habitantes seriam levados, nem como.
“É desumano jogar a gente na rua. Não temos lugar para voltar”, reclamou um morador.
Outro fato estranho foi a presença da Polícia Civil na ação – papel que caberia à Brigada Militar (BM). Os agentes portavam metralhadoras e vestiam balaclavas, na aparente intenção de intimidar os moradores do prédio. Sem advogado constituído, a associação dos moradores da ocupação contou com o apoio da Defensoria Pública para negociar sua permanência no local. Ainda assim, a oficial de justiça e um advogado representante da empresa proprietária do prédio abandonado estavam irredutíveis em fazer cumprir a ordem judicial.
A tensão só se reverteu com a chegada da BM, quase no fim da manhã. Um capitão da corporação alertou a oficial de Justiça que o procedimento de retirada dos moradores estava irregular.
“Ações de reintegração de posse exigem negociações prévias, reuniões para que a situação transcorra de forma pacífica. Não é possível promover a retirada dessa forma”, esclareceu o capitão.
A intervenção do policial militar favoreceu o encaminhamento de uma reunião entre uma comissão de moradores e órgãos públicos relacionados à luta pela moradia e Direitos Humanos para negociar uma solução para o impasse. O encontro foi marcado para a próxima quarta-feira, na Assembleia Legislativa.
“Nós vamos preparar uma lista dos moradores com as idades, para saber quantos idosos, mulheres e crianças vivem no local, e encaminhar um pedido de suspensão do cumprimento do mandato”, anunciou o defensor público João Carmona.
Presidente do PSOL em Porto Alegre, o vereador Roberto Robaina esteve no local para dar apoio aos moradores. Ele deve oficiar a chefatura da Polícia Civil sobre o episódio.
“Aqui não tem como se cometer ilegalidade. Se não tem lugar para as pessoas ficarem, elas têm de ficar aqui. Do jeito que eles estavam fazendo a ordem de despejo, eles iam colocar as pessoas na rua”, comentou.
Ao longo de toda a manhã, moradores das redondezas estiveram no local para prestar solidariedade às vítimas da enchente, inclusive argumentando junto à oficial de Justiça e policiais civis que os ocupantes são bem quistos na vizinhança – especialmente por dar destino ao prédio abandonado, que representava risco ao bairro.
“Esse prédio está fechado há mais de 10 anos, juntando, ratos, baratas, com a laje cheia de água e ralos entupidos. A empresa que agora reivindica o prédio o deixou abandonado, o que representa perigo para a vizinhança. Para quem veio morar aqui, não há lugar na cidade que ofereça melhores condições, até porque eles estão limpando e reparando o edifício”, afirmou o empresário João Carneiro.
“Nós estamos dispostos a fazer melhorias, colocar fiação para ligar a luz. Pagar Minha Casa Minha Vida. Não temos mais casa e não queremos voltar para o abrigo. O prédio estava abandonado, por que não podemos ficar aqui? Gente de periferia não pode morar no Centro? A gente só quer uma moradia digna”, completou uma moradora.