O dia em que conheci a Ofan
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O dia em que conheci a Ofan

A Orquestra de Formação Alberto Nepomuceno é um projeto político que resgata a dignidade, acredita no improvável e produz a força transformadora do amor através da música

Karina Correia 19 jun 2024, 11:00

Fotos: Ofan/Divugação

Começo as minhas impressões citando M. Scott Peck define o amor como “a vontade de se expandir para possibilitar o nosso próprio crescimento ou o crescimento de outra pessoa”. Refleti sobre isso nas vezes que ouvi sobre a Orquestra de Formação Alberto Nepomuceno (Ofan), do Instituto Alberto Nepomuceno, através do Rafael, coordenador pedagógico do projeto. Essa frase já caminhava pelos meus pensamentos, mas passar o dia com eles me fez confirmar que se trata realmente de expandir e possibilitar o crescimento de pessoas. É a sugestão de que o amor é uma intenção e uma ação. Mas como conseguir fazer com que esses alunos entendam o que é o amor através do que acontece na Ofan – um projeto social que reúne músicos amadores e amantes da música de diferentes regiões da cidade de São Paulo?

Ao buscar uma resposta, considerei a experiência do povo preto, sobre essa definição de amor como intenção e ação e com muita facilidade entendemos os motivos de nos sentirmos frustrados. Um sistema escravocrata, com estrutura racial, cria condições difíceis para que pessoas pretas sejam nutridas, seja lá como for. No caso da Ofan, podemos pensar na dificuldade dos alunos em entender que esse espaço pode levá-los a lugares inimagináveis, e falamos em condições difíceis, não impossíveis. Por isso, precisamos de fato reconhecer que a opressão e a exploração são fatores que distorcem e impedem a nossa capacidade de sermos amados com plenitude, trazendo para o contexto dos alunos, a opressão os impede que acreditar que a maior motivação de vocês enquanto idealizadores e professores desse projeto SÃO ELES.

Vale pontuar que projetos como a Ofan competem com uma sociedade onde o que prevalece é a supremacia branca e que os corpos pretos têm o existir e o pertencer permeados por questões de políticas que evidenciam a sua irrelevância. Vocês competem com um sistema de dominação tão eficaz que é capaz de alterar a capacidade do ser de amar e ser amado.

A Ofan é preta, constituída e sonhada por pessoas pretas, feita para pessoas pretas. Partindo desses pontos, todas as pessoas envolvidas naquele contexto passam dia após dia lidando com profundos ferimentos e situações que afetam diretamente a capacidade de sentir. Ao lidar com os nossos pares, pessoas pretas, precisamos entender que somos igualmente feridos, sobretudo em lugares que poderia conhecer o cuidado e afeto e a vontade de fazer a Ofan acontecer, o brilho que vi nos olhos de cada um de vocês representou um ato de resistência.

Pensando um pouco nas dificuldades coletivas, visto que é perceptível que absolutamente tudo o que eles têm na Ofan são uns aos outros. Percebo que as aflições também partem de um lugar de parecer insuficiente, no caso de vocês três, também pouco valioso, no caso de alguns alunos. Mas essas dificuldades têm contexto escravocrata, imaginem que os nossos ancestrais viram os seus filhos sendo vendidos, seus companheiros e amigos apanhando sem nenhuma razão. Mais a frente, presenciaram a separação das suas famílias pela extrema pobreza, o contexto de comunidade era destruído dia após dia e seria de verdade pedir muito para que hoje todas as pessoas pretas soubessem com plenitude o significado de acolhimento, afeto, redenção…

Acredito que os alunos iniciam a formação com bastante ansiedade, idealizando ter comprometimento e disciplina, mas, é possível que estejam despreparados para seguir esses combinados de forma linear – o que se confunde com falta de compromisso, ou de valorização (e isso pode acontecer também). Mas quando pensamos gente preta, precisamos pensar na nossa capacidade de desistir, reprimir sentimentos, falta de sensibilidade e tantas outras coisas que nos condiciona desde a escravidão. 

O Raí, regente da orquestra, falou muito sobre acolhimento e, especialmente, me identifiquei. E essa “a vontade de se expandir para possibilitar o nosso próprio crescimento ou o crescimento de outra pessoa” precisa ser realidade na vida de cada integrante daquela orquestra, presente em suas casas, visto que a Ofan é um projeto político que certamente irá preencher as lacunas que existem na vida daqueles alunos. Sem medo de errar, é o que vai garantir a existência plena de muita gente e muitas gerações. Não existem dúvidas disso em mim, nem em vocês. 

Quando penso na Ofan, escrevendo este relato, penso que estão construindo uma possibilidade de vida para além da sobrevivência, criando possibilidades e condições para que pessoas pretas não mais neguem a sua necessidade de viver com dignidade e de forma extraordinária, sobretudo de sonhar!

Desejo caminhar, construir e servir a Ofan. É uma alegria ter conhecido esse projeto que certamente é capaz de fazer com que pessoas improváveis experimentem a força transformadora do amor através do cuidado e comprometimento de vocês, não tenho dúvidas que a orquestra é capaz de alterar completamente as estruturas sociais que assola esses alunos, também terá impacto e força capazes de acumular sonhos e esperança de um futuro muito melhor, força que fará jovens improváveis perderem o medo da morte, da fome e da mediocridade. Vocês estão certos quando acreditam que com a Ofan podem transformar o presente e sonhar com o futuro. 

Depois de visitar tantos lugares esperando ser impactada, torcendo para que o próximo me fizesse enxergar a essência do servir sem reservas, saí de lá totalmente agraciada e com o coração cheio de esperanças. Esse é o poder desse projeto. A Ofan cura.


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