STF descriminaliza porte de maconha para usuários
Definição do tribunal impede a criminalização de usuários com pequenas quantidades da substância, questionando artigo da Lei de Drogas de 2006
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Nesta última terça-feira (26/06), o Supremo Tribunal Federal formou maioria para determinar que a posse de maconha para uso pessoal não configura crime. Em julgamento que deve terminar hoje, os ministros avaliam o artigo 28 da Lei das Drogas de 2006, no qual estão previstas penas alternativas para usuários como advertências, medidas educativas e prestação de serviços.
Tal decisão busca preencher uma lacuna desta lei, aprovada no primeiro governo Lula, cujos critérios vagos para diferenciação entre usuários e traficantes levam a atuação subjetiva de policiais e membros do judiciário para esta definição. Este critério subjetivo facultava aos membros das forças de segurança e da justiça a capacidade legal para determinar se uma pessoa é usuária ou traficante a partir de suas próprias percepções ou interesses.
Sendo assim, um jovem negro pobre abordado em uma favela com pouca quantidade de maconha poderia ser enquadrado como traficante simplesmente por estar próximo de um ponto de venda. Por outro lado, uma pessoa branca abordada em um bairro nobre com uma quantidade muito maior da droga poderia ser enquadrada como usuária pelo simples fato das condições sociais presentes.
A aplicação da Lei de Drogas aprofundou a criminalização da pobreza de forma evidente, intensificando o encarceramento e o genocídio da juventude negra operado pelas forças de estado sob a proteção legal de tal critério subjetivo. O próprio coronel Mello Araújo, pré-candidato a vice prefeito de São Paulo na chapa de Ricardo Nunes (MDB), quando era comandante da ROTA, já declarou publicamente que as abordagens deveriam ser diferentes nas periferias e nos bairros ricos, demonstrando um método sistemático. Há mais tempo, a polícia militar de São Paulo também teve vazada ordem de serviço que orientava a abordagem de jovens pardos e negros na região de Campinas.
Uma infame canção do BOPE, no Rio de Janeiro, entoa “homem de preto, qual é sua missão? entrar pela favela e deixar corpos no chão!” Estes exemplos públicos são apenas a ponta do iceberg de uma lógica da ação policial contra a população, com coorporações treinando sistematicamente seus soldados em padrões racistas de hostilidade aos mais pobres.
Conforme declaração de Gabriel Sampaio, diretor da ONG de Direitos Humanos Conectas, ao Brasil de Fato:
Muda muito para as pessoas usuárias, para a própria política de drogas e pela sua aplicação no âmbito do sistema de justiça criminal. O que se coloca a partir desse julgamento é que não se pode mais haver uma diferenciação totalmente discricionária, especialmente por parte dos órgãos policiais, e na sequência dele pelos órgãos do sistema de Justiça para diferenciar os usuários de traficantes.
Nesse contexto, a decisão do STF representa uma mudança importante ao, pelo menos, indicar algum critério objetivo (a quantidade de droga portada) para a diferenciação entre traficante e usuário. Entretanto, esta modificação ainda está muito longe de resolver de fato a questão da dependência de substâncias, cuja abordagem deve ser exclusivamente através da saúde pública, e menos ainda a questão do tráfico, cujas redes internacionais de comércio de drogas e armas são estimuladas e controladas por ricas máfias que lucram com o processo de violência gerada pela proibição.