Eleições na Venezuela 2024
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Eleições na Venezuela 2024

A crítica situação venezuelana perante as próximas eleições presidenciais dia 28/07

Antonio Cunha Neto e Zuleika Matamoros 26 jul 2024, 09:32

Foto: Carlos Becerra/Reprodução

Faltam poucos dias para as eleições que elegerão o próximo presidente da Venezuela. A realidade nos apresenta, no momento, duas possibilidades com suas variáveis. Ou Maduro vence, com ou sem fraude – o que é improvável, dadas as várias pesquisas; ou Edmundo González vence, que pode não assumir o cargo diante das ameaças do governo.

Maduro tem governado a Venezuela com mão de ferro em relação à oposição, seja de esquerda ou de direita. Nicolás Maduro, que se apresenta como um governo de esquerda, realizou tantas irregularidades que violam a democracia que conseguiu catapultar a figura mais extremista da direita venezuelana como sua principal oponente: María Corina Machado, que é a atual líder da oposição de direita e que capitalizou muito do cansaço de um grande setor da população.

É importante observar que María Corina Machado (MCM) foi proibida de ocupar cargos eletivos por 15 anos, por ter pedido intervenção militar estrangeira na Venezuela e também por promover a implementação de sanções econômicas unilaterais pelo governo dos EUA.  É por isso que ela está concorrendo com o candidato Edmundo González Urrutia (EGU), apoiado por seus setores aliados. Vale ressaltar que Maria Corina é uma das figuras públicas da ultradireita na Venezuela, que tem Donald Trump como referência política. Foi a ele que Maria Corina propôs o aprofundamento das sanções e a realização de uma intervenção militar.

Como chegamos às eleições?

Após 11 anos no poder, Nicolás Maduro pretende se reeleger por mais 6 anos. Para isso, ele criou eleições que se adequam a ele, no melhor estilo de Daniel Ortega na Nicarágua. Em termos gerais:

Antecipação da data da eleição em que há um intervalo de 6 meses entre o dia da eleição e a posse de quem for eleito. Mas, além disso, as eleições antecipadas pegaram o restante dos fatores políticos desprevenidos. Desde a mais extrema oposição de direita até a esquerda absolutamente proscrita no país, impedindo assim a organização e a configuração de forças de oposição.

Intervenção em partidos políticos que vão da direita à esquerda. Essa política foi usada para banir absolutamente todo o setor de esquerda que não o apoia, estamos nos referindo a todo o espectro de organizações e/ou políticos, desde a chamada centro-esquerda, de setores que se definem como progressistas e reformistas políticos, até a esquerda que se diz anticapitalista e socialista. Nenhuma organização de esquerda foi poupada da proscrição, da intervenção e das inabilitações exercidas pelo Poder Eleitoral e Judiciário (absolutamente controlado por Maduro). Nem mesmo o próprio PCV – Partido Comunista da Venezuela, que já fez parte do Gran Polo Patriotico e apoiou tanto o governo de Chávez quanto o de Nicolás Maduro até 2020, foi excluído dessa política. Isso quer dizer que, nessas eleições, o setor da população que votaria na esquerda ficou sem a possibilidade de escolher ou concorrer.

Inabilitação de candidatos: A inabilitação de candidatos tem sido uma prática comum nessas eleições, sendo a mais conhecida e propagandeada a desqualificação de María Corina Machado, que também foi impedida pelo governo de indicar uma segunda opção. Isso consolidou o registro do candidato Edmundo González e de outros oito candidatos dos setores de oposição, mas com o objetivo principal de dividir votos do candidato que María Corina e seus aliados estão apoiando.

Abstenção imposta à população migrante: um dos mecanismos que evidentemente tira votos de qualquer outra opção que não seja Maduro é o impedimento para que os venezuelanos no exterior exerçam seu direito de voto, impondo requisitos impossíveis de serem cumpridos, especialmente para aqueles que estão em situação irregular nos países onde residem. Pelo menos 6 milhões de venezuelanos estão impedidos de votar no exterior.

O que dizem as pesquisas?

Não podemos apresentar dados de pesquisas eleitorais como confiáveis porque, infelizmente, na Venezuela, os institutos de pesquisa não agem de forma independente. No entanto, uma breve análise das pesquisas mais conceituadas mostra Edmundo González Urrutia como o vencedor incontestável das eleições presidenciais de 2024.

Por que, então, há dúvidas sobre esse fato e por que há tanta incerteza sobre os resultados do 28J? O que acontecerá depois do 28J? Tudo depende de quem vencerá as eleições e se o perdedor reconhecerá a vitória do oponente. Um fato que pode parecer improvável, dada a atuação autoritária do governo e a torpe atuação da oposição de direita, incluindo a MCM, que denota revanchismo e a impossibilidade de uma transição pacífica.

Quais são os cenários após o 28J?

É importante observar que, com relação aos cenários pós-eleitorais, o que prevalece é o sigilo sobre o que está sendo negociado. Um ator importante é o setor militar que co-governa a Venezuela. Mas, além da incerteza, o que é certo é que estamos enfrentando a possibilidade de uma crise política.

Cenário 1: “Maduro vence”.

Além do triunfalismo da oposição de direita, Maduro tem a chance de vencer com o benefício de haver manipulado as regras democráticas básicas antes da eleição.

Maduro tem um voto militante, um voto controlado e todo o aparato estatal pronto para mobilizar esse voto “por bem ou por mal” a seu favor. Quando falamos de “ou por mal” (para usar as palavras do próprio governo), estamos nos referindo ao papel fundamental desempenhado pelas estruturas do partido nos territórios. Cada estrutura de base com a lista dos votos firmes ou daqueles que se permitem ser coagidos, votos que são buscados de manhã cedo, ligando e até mesmo procurando-os em suas casas para que se dirijam às seções eleitorais. Nessa tática, o papel do voto assistido, que controla irremediavelmente em quem o eleitor vota, não é desprezível.

Em outras palavras, se o governo de Maduro se autoproclamar vencedor e a oposição não reconhecer os resultados anunciados pelo CNE e declarar fraude, poderá se abrir um cenário de protestos em massa, em que o governo, além de reprimir, como já anunciou, poderá convocar os grupos de civis armados que exercem poder e controle nos territórios para também irem às ruas defender o “seu” resultado, o que abriria um cenário de violência.

O governo já anunciou que qualquer pessoa que expresse discordância com os resultados por meio de ações de rua será considerada parte de uma conspiração antigovernamental e, portanto, será tratada “com todo o peso da lei”.

É claro que, caso o governo vença e consiga se desmobilizar a tempo, a impotência e a desilusão tomarão conta de uma grande parte da população. A migração aumentará, enquanto a população mais vulnerável terá de continuar vivendo em um país sem nenhum tipo de direito trabalhista, sem direitos democráticos e políticos e com condições sociais decadentes.

Cenário 2: Maduro perde

Para muitos analistas, a capacidade do governo de aceitar uma eventual derrota depende do número de votos que o EGU da oposição obtiver e dos pactos e negociações que fizer para promover uma transição pacífica.

Para isso, o governo tem meio ano entre a data das eleições e sua eventual entrega do poder. É nesse espaço que o extremismo da oposição de direita pode transformar sua vitória em uma estratégia política de negociação ou, ao contrário, jogar com o revanchismo e a divisão de grandes setores da sociedade.

O governo tem a oportunidade de seguir o conselho de Lula ao instar Maduro a aceitar a derrota e se preparar para ser oposição ao novo governo e concordar com uma transição calma e pacífica.

Há uma dúvida honesta em alguns setores do chavismo que os leva a pedir que votem em Edmundo González. A dúvida de que um governo da oposição, que nas ruas clama por democracia, daria a nós trabalhadores melhores condições, mais democracia, para obter ganhos.

De qualquer forma, o EGU estaria atingindo apenas o poder executivo, já que, pelo menos até 2025, o governo continuaria a controlar o poder legislativo, o judiciário, o poder do cidadão, o poder eleitoral, as forças armadas, vinte governadorias e mais de duzentas prefeituras. As eleições para governadores, prefeituras e parlamento ocorrem em momentos diferentes.

Como chegamos a esse ponto?

Mas como chegamos a isso? Mesmo nos tempos de Chávez, o que chamávamos na época de “Boliburguesia” estava se desenvolvendo dentro do governo e do Estado na Venezuela, que nada mais é do que um setor da burocracia estatal, ou com vínculos estreitos com ela, que fazia negócios diretamente com o governo, que gradualmente se converteu em uma nova classe social com seus próprios interesses e laços estreitos com o governo venezuelano, com os governos da China, Rússia, Irã e Cuba – os principais parceiros econômicos, políticos e militares da Venezuela – ao mesmo tempo em que fazia negócios com corporações transnacionais de petróleo e ferro. Não é coincidência que Maduro tenha imposto, às escondidas da constituição venezuelana, as zonas econômicas especiais. Essas zonas permitem acordos secretos entre o governo, as corporações transnacionais e seus parceiros nacionais. 

É a esse setor que Maduro e seu governo pertencem e que o leva a expressar abertamente que não aceitará os resultados do 28J, caso sejam adversos. Um banho de sangue é uma chantagem contra o povo da Venezuela que será realizada para manter os interesses dessa nova classe social que surgiu da Revolução Bolivariana, como uma negação de si mesma.

Resta saber se nos seis meses entre o 28J e a posse de um eventual novo governo essa nova classe social conseguirá chegar a acordos para manter níveis de lucro que possam ser divididos com a velha burguesia que pretende voltar ao poder.

Maduro e María Corina são duas faces da mesma moeda. O povo trabalhador não tem candidatos nesta eleição.

Não vamos nos iludir, nenhuma das opções que disputam a presidência resolverá os graves problemas e necessidades do povo trabalhador.

Até agora, em relação ao programa econômico que Maduro implementou contra os trabalhadores, privilegiando os lucros dos empresários, não há diferença com o programa de Maria Corina, que faz parte da burguesia tradicional. Por exemplo, quando ela fala sobre a reprivatização de empresas, não é diferente da política do governo, que impõe a lógica da lucratividade e do lucro às custas dos trabalhadores.

Maduro representa os mesmos interesses de María Corina. Basicamente, eles estão apenas disputando qual setor da burguesia nacional e transnacional eles favorecem. Sua disputa é pela administração dos grandes recursos que a Venezuela possui, não tem nada a ver com a recuperação de nossos direitos ou de nossa qualidade de vida.

Maduro não teve nenhuma restrição para aumentar as tarifas de serviços públicos, apesar de manter o valor do salário em menos de US$ 4 por mês. O que um governo MCM ou seus aliados fariam nessa situação? Nada diferente. A liberdade de MCM e Edmundo é a liberdade dos empregadores de continuar a despejar as consequências da crise nas costas de nós que vivemos do nosso trabalho.

É por isso que, diante da realidade de não termos candidatos que representem a classe trabalhadora e a proscrição da esquerda, nossa tarefa fundamental hoje é nos recuperarmos, nos reorganizarmos e lutarmos pela recuperação de nossos direitos salariais, trabalhistas, democráticos e políticos.

Que política nós, revolucionários, devemos seguir após as eleições?

Embora toda a gama que compõe a esquerda venezuelana esteja proibida e proscrita, fato que nos deixa sem opção de votar nessas eleições, é hora de todas as organizações e indivíduos de esquerda levarem adiante a formação de um amplo bloco político que nos incorpore novamente à vida política do país.

É por essa razão que o chamado às organizações de esquerda do mundo todo que defendem o internacionalismo é para que apoiem a esquerda venezuelana, que está passando por um momento duro, difícil e parcialmente derrotado. É uma questão de sobrevivência para a esquerda venezuelana contar com o apoio de campanhas importantes, como a campanha pela liberdade dos trabalhadores presos por lutar, pela recuperação dos salários e dos direitos trabalhistas, pela defesa e resgate da democracia e pelo direito de existir.

Não é hora de cruzar os braços ou ficar indiferente diante desse ato profundamente antidemocrático praticado pelo governo Maduro, que se orgulha de ser de esquerda sem sê-lo, e do ataque da ultradireita hoje com certas possibilidades de exercer o poder na Venezuela. É hora de tecer vínculos e alianças para levantar novamente a força revolucionária de outrora.

Há muitas incertezas, especialmente para a esquerda mundial, sobre a política a ser adotada na Venezuela no período que antecede as eleições a serem realizadas no domingo, 28 de julho.


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Pedro Micussi