O grande negócio das emendas parlamentares
Para cumprir acordo com o Congresso, governo federal pretende liberar mais de R$7 bilhões em emendas parlamentares até 6 de julho
Foto: Ricardo Stuckert/Flickr
Somente nesta semana, o governo federal pretende liberar R$1,4 bilhões por dia em emendas parlamentares para atender aos interesses de deputados e senadores – a maioria de direita – até 6 de julho, fim do prazo legal que permite tal destinação de recursos antes do período eleitoral. O orçamento federal previsto para emendas em 2024 totaliza R$52 bilhões e até a última sexta-feira já haviam sido pagos R$22 bilhões, mas como o governo prometeu a liberação de 40% do valor total total antes das eleições, nesta semana o país assiste a uma verdadeira “corrida das emendas” para garantir a entrega de mais R$7 bilhões antes do fim do prazo legal.
Para comparação, o orçamento anual das universidades e institutos federais de educação, que saíram recentemente de uma greve justíssima, é de R$6 bilhões. Já o valor destinado anualmente para gestão de riscos e desastres é de R$4,69 bilhões e o destinado para moradia (importante promessa eleitoral de Lula) é de pouco mais de R$10 bilhões. Para o conjunto dos projetos das áreas de Mulheres e Direitos Humanos foram destinados R$2 bilhões ao todo em 2024. Por outro lado, no último mês de abril o governo cortou mais de R$4 bilhões de programas do Ministério da Saúde, da educação básica e de bolsas universitárias.
Ou seja, somente em uma semana, o governo Lula gastará mais em emendas parlamentares do que com o custeio de universidades e institutos de educação ou com a gestão de desastres naturais ao longo do ano. Somente em uma semana, o governo gastará com emendas mais da metade do valor gasto em programas de moradia. Simultaneamente, o governo Lula debate – com forte apoio da grande imprensa – uma proposta de redução dos pisos constitucionais mínimos para as áreas da Saúde e Educação que, segundo um especialista burguês, cortaria ao redor de R$9 bilhões só da Saúde em 2025.
De todas as verbas de emendas já empenhadas no ano, R$7,7 bilhões são nas chamadas “emendas Pix”, a nova forma do antigo “orçamento secreto” de Bolsonaro, cujos valores são transferidos diretamente para estados e municípios sem necessidade de justificativa para sua utilização. Dinheiro fácil e rápido para governadores e prefeitos três meses antes das eleições locais.
Tais números demonstram tanto os reais compromissos econômicos do governo, declarados em seu plano de austeridade fiscal, como sua condição de refém de um Congresso de maioria conservadora que barganha apoio político em troca de recursos. Enquanto Lula tenta manter sua governabilidade apoiado em partidos de direita e Haddad se esforça para garantir a austeridade desejada pelo mercado, uma enorme parte do orçamento público é retirada dos gastos sociais e transferida para a aplicação direta em necessidades eleitorais dos parlamentares. Se pensarmos no loteamento dos ministérios entre partidos como MDB, União Brasil, PSD, PP, etc, o problema é exponencialmente maior e nos dá um quadro nítido sobre o caráter de “união e reconstrução” do governo.
Ao mesmo tempo, tais setores da burguesia que dão sustentação parlamentar à Lula não tem nenhum compromisso com qualquer tipo de agenda em defesa dos serviços públicos ou das pautas democráticas. Tanto na destinação de recursos como nas questões de direitos, a grande maioria dos partidos que recebe tais emendas vota somente a favor de seus próprios interesses econômicos (em favor das grandes empresas, dos bancos e do agronegócio) e sociais (nos retrocessos estimulados pelo conservadorismo e pelo fundamentalismo religioso), colocando o governo frequentemente nas cordas.
Somando a isso o gigantesco fundo eleitoral deste ano (de R$4,9 bilhões), que transformará as eleições de 2024 num mercado de proporções inéditas no país, entendemos tanto porque a direita tradicional defende a “estabilidade” deste modelo quanto porque parte da esquerda suaviza seus questionamentos às alianças e à política fiscal do governo. Com os partidos da ordem de diferentes tendências políticas turbinados por estes recursos, o governo consegue milagres momentâneos ao amenizar parte das críticas, vindas da direita ou da esquerda, enquanto tenta se equilibrar apostando nos ciclos virtuosos da economia capitalista em crise.
Os defensores de tal política argumentam que não há outra saída e jogam o problema para o povo, que elege parlamentares burgueses “votando errado” e colocando seus supostos representantes verdadeiros em minoria no jogo parlamentar. Além de tal atitude cínica ignorar todos os dispositivos ideologicos permanentes do Estado burguês entre o conjunto da população, ainda os reforça para sua própria reprodução da institucionalidade, desacreditando as forças da pressão popular organizada e as possibilidades de mudança social realizadas fora do processo eleitoral.
Não é a toa que a população brasileira confia cada vez menos neste regime político mantido através de negociatas. Ao ignorar as condições mínimas de dignidade daqueles que trabalham, em especial dos mais pobres que dependem diretamente dos investimentos sociais, tal regime “democrático” dá cada vez mais palco para uma extrema direita autoritária que se diz “antissistema” enquanto propõe aprofundar a exploração e a espoliação como saída. E posturas como essas, vindas de um governo identificado com a esquerda, empurram cada vez mais a frustração social generalizada para o lado destes falsos radicais de ultradireita.