‘Proibir o servidor de fazer greve é uma coisa muito triste’
Ibama

‘Proibir o servidor de fazer greve é uma coisa muito triste’

Diretor da Ascema SP/PR, Claudio Fabi conta o histórico do impasse entre servidores do Ibama/ICMBio por valorização profissional. STJ ordenou que governo federal volte às negociações

Tatiana Py Dutra 17 jul 2024, 12:16

Foto: Agência Brasil

É duro o embate entre os 4,7 mil servidores do Ibama e do ICMbio e o governo federal. Servidores de 24 estados e do Distrito Federal entraram em greve no fim de junho, após o Ministério de Gestão e Inovação (MGI) acabar com as negociações por valorização da categoria.Como se não bastasse, em 5 de julho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou suspender a paralisação sob pena de multa diária  de R$ 200 mil em caso de descumprimento. 

Os servidores acataram a decisão judicial, “o que não implica em concordância”, informou a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional). Parte dos trabalhadores voltaram ao seus postos, mas a paralisação e a mobilização da categoria prossegue enquanto a associação recorre da decisão do STJ.

Conforme Cláudio Rodrigues Fabi, diretor da Ascema SP/PR, as negociações com o governo federal começaram em agosto do ano passado, quando a entidade realizou um congresso de servidores e construiu uma proposta que previa o Plano Especial de Cargos do MMA e do Ibama (Pecma), um adicional de fronteira para servidores que trabalham em regiões inóspitas do Brasil e também a equiparação com o salário da Agência Nacional de Águas (ANA). Mas uma das principais reivindicações é a reestruturação na carreira, que trata principalmente da diferença entre os salários de técnicos e analistas de meio. Hoje, um técnico recebe 42% do vencimento de um especialista – e a proposta da categoria previa 70%.

Fabi, também conhecido como Tchaca, conta que a proposta chegou ao MGI em outubro de 2023, quando houve uma reunião com o ministério para iniciar negociações. Porém, a pasta jamais ofereceu uma resposta às reivindicações. Foram meses de completo desinteresse do governo federal até que, em janeiro de 2024, os fiscais do Ibama começaram uma operação tartaruga. Quando os servidores passaram a recusar viagens para participar de operações – como o combate ao desmatamento da Amazônia, por exemplo – o governo pediu para o MGI entender o que estava acontecendo. 

“Logo depois que aconteceu isso, o pessoal do licenciamento e da qualidade ambiental, que libera os carros importados para entrar no Brasil, também resolveram fazer uma operação tartaruga. Eles começaram a respeitar o prazo limite que estava na portaria, só entregando os processos no último dia, o que atrasou o desembarque de carros e o processo de licenciamento. Então, aí, o MGI nos chama para uma reunião, no meio de janeiro. Mas fala que não tinha analisado a nossa proposta, que tinha sido entregue lá em agosto, discutida em outubro!”, conta Tchaca.

Servidores no vácuo

Nova reunião foi marcada para 1º de fevereiro, quando a categoria esperava uma contraproposta alinhada com suas reivindicações. Porém, a oferta levada a mesa não  tinha nada a ver com o que fora pedido. O ministério sugeriu uma ampliação dos níveis de carreira e, ao invés de promover uma redução da disparidade entre técnicos e especialistas, propôs uma alteração do vencimento básico e da gratificação bem abaixo do que os servidores pediam.

“Na nossa proposta, a gente tinha pedido 70% de vencimento básico e 30% de gratificação. O governo atendeu parcialmente. Ele mandou subir de 55% para 62% e mandou 38% para gratificação. Então, esse foi um pequeno ajuste do que a gente tinha pedido, mas não foi integralmente aquilo que a gente tinha pedido. E a proposta, como ela mandou para 20 níveis, ela criou 5 níveis para baixo. Ou seja, a tabela veio com os salários dos próximos servidores que entrariam após concurso, ganhando menos do que que entrou hoje. Então, essa proposta não foi aceita”, lembra o sindicalista.

As negociações continuaram em ritmo lento, sustentando o impasse até 5 de junho, quando o MGI mandou um ofício para a Ascema Nacional e para a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) dizendo que as negociações haviam chegado ao limite. 

“Quer dizer, eles nem chamaram a gente para uma conversa numa mesa, nem avaliaram a nossa contraproposta, nem fizeram nenhuma melhora na proposta que eles já tinham enviado e já tinha sido recusada. Só falaram que eles estavam no limite. Então a gente entendeu que unilateralmente eles fecharam a negociação e a partir desse momento foi discutida uma escalada do movimento, que ao invés de fazer agora a operação tartaruga, foi feito, foi deliberado uma greve. Alguns estados entraram em greve a partir do dia 24 de junho e a maioria dos estados entrou em greve a partir do dia 1 de julho”, lembra Tchaca.

Greve ilegal?

O movimento, porém, acabou surpreendido quando o STJ ordenou que 100% dos servidores do licenciamento, da emergência ambiental e das unidades de conservação  voltassem ao trabalho, considerados serviços essenciais – ainda que a categoria já houvesse se comprometido a atender a todas as emergências e resgates de fauna, ainda que não com o efetivo completo.

“No licenciamento a gente colocou 10% apenas para as emergências, afinal nós estamos em greve. Então os servidores têm que estar parados, é um direito legítimo constitucional. Esse 100% que eles exigem simplesmente impede um número muito representativo da categoria de fazer greve. Isso repercutiu muito mal, porque vem de um governo que o presidente é sindicalista, que cresceu fazendo greve… um governo do Partido dos Trabalhadores proibir o servidor de fazer greve é uma coisa muito triste”, lamenta.

Conciliação

Por fim, o próprio STJ determinou que o governo federal retome as negociações com os servidores da área ambiental, que seguem o movimento paredista de forma parcial. A Corte deu prazo até esta quarta-feira (17) para a primeira reunião. A determinação ocorreu durante uma audiência de conciliação com a Condsef/Fenadsef em busca de um entendimento sobre o movimento de paralisação dos servidores.

“Em São Paulo, no Estado do Paraná, continuamos em greve. Vários estados fizeram assembleias e grande parte resolveu ficar [em greve] e alguns estados resolveram suspender a greve até a conciliação”, diz Tchaca.

Em entrevista ao site The Intercept Brasil, o presidente da Ascema Nacional, Cleberson Zavaski, destacou um ponto que demonstra o quão vergonhoso é esse impasse desnecessário entre governo e servidores do meio ambiente:

“A greve é ruim para os servidores, mas ela também é um ônus muito grande para o governo. Ela vai confrontar o discurso do governo que diz que a área ambiental é prioridade e na prática não trata os servidores na devida proporção do que está dizendo que valoriza a questão ambiental”, disse. “Hoje vivemos uma situação de sucateamento de carreira e a reivindicação principal é a reestruturação com valorização desses servidores. Os órgãos ambientais são agências reguladoras, são órgãos do licenciadores, têm poder de polícia administrativa porque atuam na fiscalização, na proteção, estão no front de combate à ilícitos ambientais, seja na Amazônia ou em outros biomas, estão no front de combate às emergências ambientais, emergências climáticas, agora, por exemplo, a catástrofe dos incêndios do Pantanal, a questão das enchentes do Rio Grande do Sul”.

Risco de colapso

A estrutura do meio ambiente na esfera federal, quantitativamente, é diminuta: um universo de 4,7 mil servidores em quatro órgãos, mas que têm um impacto muito grande. É pouco. A falta de servidores (45% dos postos estão vagos) paralisa setores importantes e não há previsão de concurso. O Concurso Nacional Unificado, inclusive, não oferece nenhuma vaga para Ibama ou ICMBio. 

“Nós temos um risco de colapso ainda em 2025 porque, por exemplo, no Ibama, praticamente um terço do efetivo ativo vai se aposentar até o final de 2025. Se nós não tivermos recomposição de servidores ou concurso, nós teremos um colapso nos órgãos ambientais. A exemplo do Ibama, será uma tragédia. E isso vai afetar áreas importantes como licenciamento ambiental, por exemplo”, diz Zavaski.


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