Trump, Biden e a intervenção divina
Sobre as recentes reviravoltas na campanha presidencial norte-americana
Foto: www.loc.gov/Flickr
Via ESSF
Há algumas semanas. Biden disse: “Somente o ‘Senhor Todo-Poderoso’ poderia me convencer a desistir”. Bem, aparentemente, Ele conseguiu, pois Joe Biden desistiu da corrida presidencial e apoiou sua vice-presidente, Kamala Harris, para presidente. Harris – ou algum outro candidato – terá de ser escolhido na Convenção do Partido Democrata a ser realizada de 19 a 22 de agosto. Se os democratas escolherem alguém que não seja Harris, isso poderá lhes custar o apoio das mulheres e dos eleitores negros. E, se for Harris, eles também deverão escolher um companheiro de chapa para a vice-presidência, de preferência um homem branco de um estado indeciso, como o governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, ou o senador do Arizona, Mark Kelly.
A renúncia de Biden não é o único evento providencial das últimas semanas. Na Convenção Nacional Republicana, o candidato do partido, Donald Trump, foi aclamado não apenas como o candidato do partido à presidência, mas como um homem escolhido por Deus. Muitos dos 50.000 participantes, muitos deles cristãos evangélicos, falaram sobre a “intervenção divina” que havia salvado Trump de um assassinato apenas alguns dias antes, salvando-o, o Messias deles, para liderar sua nação cristã para a salvação dos diabólicos democratas.
Ao mesmo tempo, a foto de Trump, cercado por agentes do Serviço Secreto, com sangue escorrendo de sua orelha ferida, erguendo o punho e dizendo: “Fight! Fight!” (Lute!) com a bandeira americana hasteada atrás dele – um quadro agora disponível em pôsteres e camisetas e em toda a mídia – sugere que ele é o homem forte invencível que seus seguidores sempre acreditaram que ele fosse. Agora, usando a auréola da divindade, ele está marchando para se tornar um César americano.
O homem forte foi um tema central da Convenção, com Hulk Hogan, a enorme estrela teatral da luta livre, rasgando uma camiseta no palco para revelar, por baixo dela, outra que dizia “Trump/Vance”. Trump não foi apresentado, como manda a tradição, por sua esposa, mas por Dana White, CEO do Ultimate Fighting Championship (UFC), a empresa de promoção de artes marciais mistas. A música para a apresentação de Trump foi o rap metal vulgar e violento de Kid Rock, “American Bad Ass”, e onde o público normalmente grita “Ei, ei, ei”, ele os conduziu em “Trump, Trump, Trump”. Ele encerrou a música dizendo: “Senhoras e senhores, preparem-se para o mais patriótico e mau do mundo, o Presidente Donald J. Trump”.
Trump também anunciou seu companheiro de chapa, J.D. Vance. Ele poderia ter escolhido Nikki Haley, a mulher que obteve uma parcela significativa dos votos nas primárias republicanas, para atrair as mulheres, ou ter escolhido o senador da Carolina do Sul Tim Scott para angariar mais votos dos negros, ou ter escolhido o senador da Flórida Marco Rubio para atrair os hispânicos, mas escolheu Vance, senador calouro de Ohio, na esperança de atrair os eleitores brancos da classe trabalhadora daquele estado. Vance é o autor de Hillbilly Elegy, um livro (posteriormente transformado em filme) sobre sua educação difícil, criado por uma mãe viciada em drogas e uma série de padrastos em Appalachia, região atingida pela pobreza. Depois do ensino médio, ele se alistou nos fuzileiros navais, formou-se com louvor na Universidade Estadual de Ohio, estudou em Yale, mudou-se para o Vale do Silício, onde se tornou um capitalista de risco e retornou a Ohio para se tornar um político de extrema direita.
Trump falou em seu discurso de aceitação sobre unificar o país, sobre ser presidente para todos os americanos. Mas a doçura e a leveza duraram meia hora de seu discurso de 90 minutos e ele logo voltou ao seu discurso bombástico e bizarro habitual. Trump disse à multidão, em alusão à bala que lascou sua orelha: “Estou diante de vocês nesta arena apenas pela graça do Deus Todo-Poderoso”. Seria esse o mesmo Deus que fez com que Biden renunciasse? Não tenho certeza.
A retirada de Biden e a probabilidade da campanha de Harris já começaram a dar um pouco de vida à base do Partido Democrata e isso pode fazer toda a diferença na eleição. Talvez a marcha de Trump rumo à vitória possa ser interrompida, e me perdoem, sendo eu americano, por dizer: se Deus quiser.