‘A Casa do Dragão’ traz política na veia
Inauguramos hoje a primeira edição da coluna do deputado Fábio Felix sobre cultura, cotidiano e entretenimento
Foto: Reprodução
A segunda temporada de “House of the Dragon” tem sido um assunto amplamente discutido recentemente, despertando interesse não apenas entre os fãs de fantasia, mas também nas esferas políticas. Desde a saga “Game of Thrones”, tenho sido fascinado pela série e pela história de disputa de poder com elementos medievais e uma pitada de fantasia. A alta qualidade da produção, o desenvolvimento dos personagens, seus papéis sociais e as conspirações características da trama criam um clima eletrizante. Mas deixo aqui um aviso aos militantes de esquerda e da série: esta é uma reflexão estritamente pessoal com elementos lúdicos. Não levem tão a sério assim.
A série é baseada no universo de “Game of Thrones”, inspirada no livro “Fogo e Sangue” de George R.R Martin, e se passa no mundo fictício de Westeros. No entanto, é importante ressaltar que a série não se concentra necessariamente em ideologias políticas contemporâneas, como esquerda ou direita. Em vez disso, ela retrata uma sociedade feudal na qual várias casas nobres lutam pelo poder, enquanto a maioria do povo vive em condições extremamente precárias. Dentro desse contexto, é difícil atribuir uma classificação política específica a cada casa ou personagem, uma vez que suas ações e motivações são influenciadas por uma variedade de fatores, como ambição, lealdade familiar, vingança e sobrevivência. Nas redes sociais, muitas pessoas tomam partido dos “verdes”, que apoiam Aegon II na sucessão do reino, ou dos “pretos”, liderados por Rhaenyra Targaryen. É visível a tentativa de encontrar elementos políticos contemporâneos na disputa fictícia.
No entanto, a lógica da série gira em torno de classes dominantes controladas por famílias tradicionais, cujo poder é legitimado pela hereditariedade. Essas linhagens já eram apresentadas em “Game of Thrones” e representam um modelo de dominação baseado em relações feudais. Embora a série não foque muito nas revoltas populares, ela já mostra os danos causados pela guerra entre as elites para a maioria da população, como fome, escassez de recursos básicos, extrema pobreza e violência urbana. Apesar dos elementos fictícios, a série retrata um cenário bem conhecido na atualidade, de poderosos grupos familiares, com linhagens sucessórias que concentram a riqueza e mantêm a maioria da população em condições precárias sob dominação política.
A grande diferença de ”Game of thrones” e ”House of the dragon” está no perfil da disputa travada. Na segunda, a guerra pelo poder se dá dentro da própria dinastia reinante, o que traz um ar de briga do ”poder pelo poder”. Entre os “verdes” e os “pretos”, é difícil determinar se há um lado mais justo. Não tendo lido os livros e sendo um conhecedor limitado do universo, minha impressão é que há uma narrativa que nos leva a apoiar Rhaenyra por ser a herdeira mulher ao trono, sendo esse o único motivo de sua tentativa de exclusão da sucessão dos Reinos. Além disso, ela se mostra mais moderada e empática ao longo dos episódios que saíram até aqui. Mas os personagens têm grande complexidade e não é possível adiantar a torcida.
Uma das histórias interessantes abordadas ao longo da série é a da Princesa Rhaenys, conhecida como a Rainha que nunca foi. Apesar de ser a herdeira legítima do trono para suceder seu pai, foi preterida por ser mulher, e seu primo Viserys acabou coroado. A rainha que nunca foi é uma caso explícito de machismo e do afastamento sistemático de mulheres dos espaços de poder, algo tão comum na fantasia dos sete reinos como no contexto político atual. O Brasil ao longo da sua história só teve uma Presidente da república mulher, possui apenas 18% de cadeiras da Câmara dos deputados ocupadas por mulheres e no senado são 15 mulheres de um total de 81 senadores. Este é mais um dos elementos em que o seriado tenta trazer discussões atuais para o espectador. Outro personagem da primeira temporada que nos traz para a atualidade é Laenor Velaryon que para viver sua homossexualidade de forma definitiva e fora do armário precisa tomar uma decisão drástica.
Por fim, indico a série por ver elementos muito instigantes no jogo político intrincado em relações envolventes e realistas. De alguma forma, a ficção nos traz reflexões sobre como os governos funcionam, como as decisões políticas podem ser tomadas. Além disso, ”House of the dragon” aborda temas recorrentes na política como traição, corrupção e manipulação. Ao longo da trama, estes aspectos até aumentam a nossa indignação com o sistema político que vivemos. No fim, Westeros não é tão distante.