Arcabouço fiscal: dogma neoliberal, “túmulo” das demandas populares
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Arcabouço fiscal: dogma neoliberal, “túmulo” das demandas populares

A política de austeridade do governo Lula deve ser revertida para permitir investimentos sociais urgentes

Israel Dutra 5 ago 2024, 17:31

Foto: Flickr

Na noite de 30 de julho, em edição extraordinária do Diário Oficial, Lula assinou um decreto que congela R$15 bilhões do orçamento federal.

Se somarmos a chamada “contenção de despesas” ao corte anterior anunciado diretamente por Haddad, o custo da política de “déficit zero” é de dezenas de bilhões de reais a menos para investimentos sociais.

Isso terá consequências diretas não só nos serviços sociais, mas na discussão política nas próximas eleições, quando as candidaturas terão de se manifestar a respeito de seu programa levando em conta as questões orçamentárias e o dinheiro disponível.

Prontamente, os deputados do PSOL Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna e Glauber Braga apresentaram projeto de lei que suspende o congelamento, retomando a luta para revogar o Novo Arcabouço Fiscal e lutando por outra política econômica. Esse debate deve ser encarado por lideranças política e militantes tanto no próximo período eleitoral como parte das lutas do movimento de massas. A luta por melhores condições de vida não pode ser dissociada da luta para revogar o Arcabouço, verdadeiro “túmulo” das demandas da maioria social.

O Arcabouço Fiscal é um projeto neoliberal a serviço dos banqueiros e do rentismo

Os recentes cortes orçamentários se concentram nas áreas sociais. A pasta da Saúde é a mais afetada pelo contingenciamento: (R$ 4,4 bilhões), seguida por Cidades (R$ 2,1 bilhões), Transportes (R$ 1,5 bilhão) e Educação (R$ 1,2 bilhão). O argumento do governo é o chamado “déficit zero”. Uma consequência direta do compromisso de aplicar o Arcabouço, aprovado no ano passado, com o voto contrário do PSOL após intensa discussão interna.

O coração da política econômica consiste em: (a) manter altos juros, que endividam as famílias trabalhadoras, enfraquecem o pequeno empresariado e derrubam a arrecadação fiscal; (b) medidas tributárias incapazes de atingir os bilionários, onerando o consumo; e, como carro-chefe, (c) o aprofundamento do ajuste fiscal, reduzir os gastos públicos para seguir pagando a dívida pública.

Na prática, isso dá continuidade à nefasta política de teto de gastos implementada desde o governo Temer. Como vem sustentando o economista David Deccache, é “matematicamente” impossível conciliar a manutenção do Arcabouço com a defesa dos pisos constitucionais da saúde e educação. O risco de ataques se estendeu também à direitos consolidados como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o seguro-desemprego, sob o argumento de reduzir despesas. A imprensa liberal noticiou que fontes do governo estariam estudando essas e outras medidas, como o fim dos pisos constitucionais para a saúde e educação.

Quem se beneficia dessa política econômica são os banqueiros, o capital rentismo e o agronegócio. É impossível colher apoio popular castigando os setores mais vulneráveis, como os aposentados, os assalariados, os servidores públicos, os pequenos produtores rurais e o pequeno e médio comércio urbano.

A dialética entre a política e a economia na luta contra o neoliberalismo

O problema fundamental da definição da política econômica é político. Sem alterar a relação de forças será impensável qualquer medida que quebre a hegemonia neoliberal, perpetuada na linha de Haddad e Galípolo à frente da equipe econômica.

O cerco feito pela extrema direita, seja na disputa da opinião pública, seja tensionando por medidas mais severas de ajuste, só pode ser combatido com uma linha de ampliação de direitos. Ao ceder para o Centrão, como no caso da enorme fatia do orçamento para emendas parlamentares, o governo se debilita, dando munição para o bolsonarismo capitalizar o mal-estar crescente. Num cenário onde cresce a uberização e a precarização dos serviços públicos, o único caminho para construir um “muro” duradouro contra os golpistas de hoje e de amanhã é construindo uma agenda de maioria social, organizando as demandas dos trabalhadores, mobilizando e disputando por um programa capaz de superar o círculo de ferro do neoliberalismo.

Vejamos o exemplo da suspensão (ainda que parcial) da dívida no caso do atendimento da tragédia climática gaúcha. Numa situação de emergência, se desfez o tabu do neoliberalismo, afeito aos seus dogmas, para se responder à uma perigosa situação caótica, onde ainda está em curso a disputa sobre como e onde serão alocados esses recursos; a disputa de reconstrução do Rio Grande do Sul e quem irá pagar a parcela mais alta dessa conta.

Nosso desafio, nas lutas e nas eleições, é combinar a unidade necessária para combater a extrema direita com uma postura de independência que possa preservar a defesa de um programa e de uma estratégia de mobilização.

Construir um programa de urgência

Vamos seguir defendendo em alto e bom som: o Arcabouço Fiscal é incompatível com qualquer programa mínimo de reivindicações, de manutenção dos pisos constitucionais da saúde e da educação, de valorização do salário-mínimo e das aposentadorias e de investimentos públicos para enfrentar a crise.

Além da luta para derrotar a austeridade e suas consequências, é preciso retomar o fio do pagamento da dívida, conectado com uma ampla agitação pela taxação das grandes fortunas e dividendos.

Nas lutas, temos que buscar pontes entre as reivindicações mais imediatas – como foi a greve da educação federal e agora a luta em São Paulo contra as escolas cívico-militares – com uma saída mais profunda que indique outro projeto econômico. E, nas eleições, combinar as medidas programáticas locais, incluída a tarifa zero, a defesa das empresas públicas, o incentivo à pequena empresa e ampliação do serviço público, com uma agitação mais ampla sobre mudanças na economia, incluindo entre setores críticos no conjunto do campo progressista.

Um bom começo viria de um plano nacional de obras públicas com pesados investimentos estatais, com vistas a criar condições de dotar as principais cidades de condições de enfrentar as mudanças climáticas; políticas de habitação, saneamento, equipamentos públicos, transporte público, limpo, gratuito e de qualidade; um plano ambicioso de mudanças na produção e gestão dos alimentos, sustentando uma produção agroecológica, baseada na reforma agrária e na agricultura familiar. Refletir essa agenda na disputa das cidades, como forma de politizar o eleitorado do campo progressista, é preparar as batalhas que virão.


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