De Karl Marx ao Eco-Marxismo
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De Karl Marx ao Eco-Marxismo

Reflexões sobre a crítica marxista ao produtivismo capitalista e sua imaginação sobre uma sociedade baseada na atividade humana livre

Michael Löwy 22 ago 2024, 08:00

Foto: CESEEP/Reprodução

Via New Politics

A reflexão sobre a contribuição de Marx para uma perspectiva ecológica tem feito progressos consideráveis nas últimas décadas. A imagem algo caricatural de um Marx “Prometeico”, produtivista e indiferente às questões ambientais, transmitida por certos ecologistas apressados em “substituir o paradigma vermelho pelo verde”, perdeu grande parte de sua credibilidade. O pioneiro na redescoberta da dimensão ecológica em Marx e Engels foi, sem dúvida, John Bellamy Foster, com seu livro Marx’s Ecology: Materialism and Nature (Monthly Review Press, 2000), que destaca a análise de Marx sobre a “ruptura metabólica” (Riss des Stoffwechsels) entre as sociedades humanas e o meio ambiente natural, causada pelo capitalismo. Bellamy Foster transformou a Monthly Review, uma das mais importantes publicações da esquerda norte-americana, em uma revista eco-marxista, dando origem a toda uma escola de pensamento marxista em torno do tema da ruptura metabólica. A escola inclui autores importantes como Brett Clark, Ian Angus, Paul Burkett, Richard York, entre muitos outros. Bellamy Foster pode ser criticado por sua leitura de Marx como um ecologista comprometido, desde seus primeiros escritos até suas obras posteriores, sem levar em conta textos ou passagens que seguem uma lógica produtivista; mas a importância, novidade e profundidade de seus escritos não podem ser questionadas. Ao ler Marx de uma perspectiva ecológica, há um antes e um depois de Bellamy Foster.

Próximo a essa escola de pensamento, o jovem estudioso japonês Kohei Saito se destacou com uma interpretação mais matizada dos escritos de Marx em seu primeiro livro, Karl Marx’s Ecosocialism: Capital, Nature, and the Unfinished Critique of Political Economy (Monthly Review Press, 2017). Em seu último livro, Marx in the Anthropocene: Towards the Idea of Degrowth Communism (Cambridge University Press, 2023), Saito desenvolve e estende sua análise dos escritos de Marx, criticando o produtivismo dos Grundrisse e o famoso Prefácio de Marx à Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), escritos frequentemente considerados como a formulação definitiva do materialismo histórico. No Prefácio de 1859, Marx vê as forças produtivas como a principal força motriz da história, que, graças à revolução, seria libertada das “amarras” das relações de produção capitalistas. Saito mostra como, a partir de 1870, em seus escritos sobre a Rússia e em seus cadernos etnográficos ou naturalistas, Marx se afastou dessa visão da história. Segundo Saito, nesse “último Marx”, uma nova concepção de materialismo histórico está emergindo—embora inacabada—na qual o meio ambiente natural e as comunidades pré-modernas (ou não europeias) desempenham um papel essencial. Saito também tenta mostrar, notadamente com base nos Cadernos recentemente publicados pela nova Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA), a adesão de Marx à ideia de decrescimento, mas essa hipótese não encontra um fundamento efetivo nesses escritos.

Parece-me que a questão da contribuição de Marx ao ecossocialismo, ou, se preferir, ao eco-marxismo, não se limita aos seus textos sobre a relação com a natureza—que, admitidamente, permanecem relativamente marginais em sua obra: não há um único livro, artigo ou capítulo de livro, de Marx ou Engels, dedicado à ecologia ou à crise ecológica. Isso é bastante compreensível, considerando que a destruição capitalista do meio ambiente estava apenas em seus primórdios e não era nem de longe tão grave quanto é hoje. Penso que há argumentos em seus escritos que não são sobre a natureza, mas que, no entanto, são contribuições essenciais para uma reflexão eco-marxista, desde que repensados à luz da crise ecológica do nosso tempo. Dois elementos precisam ser levados em conta aqui: (1) a crítica de Marx à hubris capitalista: acumulação/expansão ilimitada; (2) o comunismo como o “Reino da Liberdade”.

1.

O capitalismo é um sistema que não pode existir sem uma tendência expansiva ilimitada. Nos Grundrisse, Marx observa:

O capital, na medida em que representa a forma universal de riqueza—dinheiro—é a tendência sem limites ou medida de exceder o seu próprio limite. Qualquer limite só pode ser limitado para ele. Caso contrário, ele deixaria de ser capital: dinheiro na medida em que se produz a si mesmo. […] É o movimento perpétuo que tende sempre a criar mais.

Essa é uma análise que será desenvolvida no primeiro volume de O Capital. Segundo Marx, o capitalista é um indivíduo que funciona apenas como “capital personificado”. Como tal, o capitalista é necessariamente um “agente fanático da acumulação”, que “obriga os homens, sem piedade ou trégua, a produzir por produzir”. Esse comportamento é “o efeito de um mecanismo social do qual ele é apenas uma engrenagem”. Então, o que é esse “mecanismo social” cuja expressão psíquica no capitalista é “a mais sórdida avareza e o mais mesquinho espírito calculista”? Aqui está sua dinâmica, segundo Marx:

O desenvolvimento da produção capitalista requer um aumento contínuo do capital investido em uma empresa, e a concorrência impõe as leis imanentes da produção capitalista como leis coercitivas externas a cada capitalista individual. Não lhe permite manter seu capital sem aumentá-lo, e ele não pode continuar a aumentá-lo a menos que o acumule progressivamente.

A acumulação ilimitada de capital é, portanto, a regra inflexível do mecanismo social capitalista:

Acumule, acumule! Esta é a lei e os profetas! […] Acumule para acumular, produza para produzir, esse é o lema da economia política, proclamando a missão histórica do período burguês.

Acumulação pela acumulação, produção pela produção, sem descanso ou piedade, sem limites ou medida, em um movimento perpétuo de crescimento, um aumento contínuo: esta, segundo Marx, é a lógica implacável do capital, o mecanismo social do qual os capitalistas não são mais que “agentes fanáticos”. O imperativo da acumulação torna-se uma espécie de religião secular, um culto “fanático” que substitui a “lei e os profetas” judaico-cristãos.

A importância desse diagnóstico para o Antropoceno do século XXI é óbvia: essa lógica produtivista do capitalismo, essa hubris que exige expansão permanente e recusa todos os limites, é responsável pela crise ecológica e pelo processo catastrófico de mudança climática de nossa época. A análise de Marx nos ajuda a entender por que o “capitalismo verde” não passa de uma ilusão: o sistema não pode existir sem acumulação e crescimento, um crescimento “sem limites ou medida”, 80% do qual depende de combustíveis fósseis. É por isso que, apesar das declarações tranquilizadoras de governos e encontros internacionais sobre o clima (a Conferência das Partes) sobre a “transição ecológica”, as emissões de gases de efeito estufa não pararam de crescer. Cientistas estão soando o alarme e destacando a necessidade urgente de interromper toda nova exploração de combustíveis fósseis, enquanto se espera uma rápida redução do uso das fontes existentes; no entanto, os grandes monopólios do petróleo estão abrindo novos poços todos os dias, e seu representante, a OPEP, está anunciando publicamente que terão que explorar esses recursos por muito tempo, “para satisfazer a demanda crescente”. O mesmo se aplica às novas minas de carvão, que estão sendo constantemente abertas, da “verde” Alemanha à “socialista” China.

O fato é que a demanda por energia só cresce, e também o consumo de combustíveis fósseis, com as energias renováveis simplesmente se somando a eles, em vez de substituí-los. Os capitalistas “verdes” que querem fazer as coisas de forma diferente serão esmagados pelo mercado: pois, como Marx nos lembra, “a concorrência impõe as leis imanentes da produção capitalista como leis coercitivas externas a cada capitalista individual”.

Em 2023, a temperatura média do planeta ficou perigosamente próxima do limite de 1,5 graus acima dos níveis pré-industriais—um limite além do qual é provável que um processo incontrolável de aquecimento global seja desencadeado, com mecanismos de retroalimentação cada vez mais intensos. Os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas destacam a necessidade de reduções imediatas de emissões, com os anos entre agora e 2030 sendo a última chance de evitar a catástrofe. No entanto, a União Europeia e outros governos estão anunciando solenemente que conseguirão atingir “emissões líquidas zero”… até 2050. Este anúncio é duplamente enganoso, não só porque finge ignorar a urgência da crise, mas também porque “zero líquido” está longe de ser idêntico a zero emissões: graças aos “mecanismos de compensação”, as empresas podem continuar emitindo se “compensarem” protegendo uma floresta na Indonésia.

O capitalismo industrial moderno tem sido totalmente dependente de carvão e petróleo há três séculos e não mostra nenhuma inclinação para ficar sem eles. Para fazer isso, seria necessário romper com a acumulação “sem limites ou medida” e com o produtivismo, organizando um processo de decrescimento planejado, com a eliminação ou redução de setores inteiros da economia: uma abordagem totalmente contraditória aos próprios fundamentos do capitalismo. Greta Thunberg aponta corretamente que é “matematicamente impossível resolver a crise climática dentro do quadro do sistema econômico existente”. Essa impossibilidade é explicada pela análise de Marx em O Capital sobre a mecânica inexorável da acumulação e expansão capitalista.

Muitos ecologistas culpam o consumo pela crise ambiental. Reconhecidamente, o modelo de consumo do capitalismo moderno é claramente insustentável. Mas a raiz do problema reside no sistema de produção. O produtivismo é a força motriz por trás do consumismo. Marx já havia observado essa dinâmica. Em sua Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), ele observou:

Portanto, a produção produz o consumo: (1) fornecendo o material do consumo; (2) determinando o modo de consumo; (3) criando no consumidor uma necessidade dos objetos que primeiro apresenta como produtos. Ela, portanto, produz o objeto do consumo, o modo de consumo e o impulso de consumir. Da mesma forma, o consumo produz a predisposição do produtor ao colocá-lo como um requisito propositivo.

Isso é muito mais verdadeiro em nosso tempo do que era no século XIX. Os produtores capitalistas criam o “impulso de consumir” por meio de um vasto e imenso aparato publicitário que martela, dia e noite, nas paredes das cidades, nos jornais, no rádio ou na televisão, em todos os lugares, “sem trégua ou piedade”, a necessidade imperativa de consumir esta ou aquela mercadoria. A publicidade comercial invade todas as áreas da vida: esporte, religião, política, cultura, informação. Necessidades artificiais são criadas, “modas” fabricadas, e o sistema induz um frenesi de consumo, “sem limites ou medida”, de produtos cada vez menos úteis, o que permite que a produção se expanda, estendendo-se ao infinito. Se, como Marx observou, é a produção que produz o consumo, então é o sistema produtivo que precisa ser transformado, em vez de pregar a abstinência aos consumidores. A abolição pura e simples da publicidade comercial é o primeiro passo para superar a alienação do consumidor e permitir que os indivíduos redescubram suas verdadeiras necessidades.

Outra dimensão do consumismo capitalista criticada por Marx—uma dimensão com implicações ecológicas evidentes nos dias de hoje—é a predominância do ter sobre o ser, da posse de bens, de dinheiro, ou de capital, sobre a atividade humana livre. Esse tema é desenvolvido nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. Segundo Marx, a sociedade burguesa é dominada exclusivamente pelo “sentido de posse, de ter”. No lugar da vida dos seres humanos, aparece “a vida da propriedade” e “no lugar de todos os sentidos físicos e intelectuais, surgiu a simples alienação de todos esses sentidos, o sentido de ter”. A posse, o ter, é a vida alienada: “Quanto menos você é, menos expressa sua própria vida, mais você tem, ou seja, maior é sua vida alienada, maior é o estoque do seu ser alienado.”

Essa é outra forma de consumismo: o importante aqui não é o uso, mas a posse de um bem, uma mercadoria. Sua manifestação mais óbvia é o consumo conspícuo das classes privilegiadas, que Thorstein Veblen estudou em seu clássico A Teoria da Classe Ociosa (1899). Hoje, isso atingiu proporções monumentais, alimentando uma vasta indústria de bens de luxo: jatos particulares, iates, joias, obras de arte, perfumes. Mas a obsessão pela posse também está se espalhando para outras classes sociais, levando ao acúmulo de bens como um fim em si mesmos, independentemente de seu valor de uso. O ser, a atividade humana em si, é sacrificada pelo ter, a posse de bens, alimentando o produtivismo, inundando a vida social com uma massa crescente de produtos cada vez menos úteis. Claro, os recursos necessários para produzir essa montanha de mercadorias ainda são, e cada vez mais, carvão e petróleo.…

2.

O comunismo como o “Reino da Liberdade” é fundado na prioridade do ser sobre o ter, revertendo a lógica alienada imposta pelo capitalismo. A economia política burguesa leva essa lógica perversa às suas últimas consequências:

A negação de si mesmo, a renúncia à vida e a todas as necessidades humanas é a sua tese principal. Quanto menos você come, bebe, compra livros, menos vai ao teatro, ao baile, ao cabaré, menos pensa, ama, teoriza, menos canta, fala, esgrima, etc., mais você poupa, mais aumenta seu tesouro […] seu capital […] tudo o que o economista lhe tira de vida e humanidade, ele substitui por dinheiro e riqueza […].

Marx incluiu no que constitui o ser—ou seja, a vida humana e a humanidade—três elementos constitutivos: (1) A satisfação das necessidades essenciais (beber, comer); (2) A satisfação das necessidades culturais: ir ao teatro, cabaré, comprar livros. Deve-se notar que essas duas categorias envolvem atos de consumo vital, mas não a acumulação de bens (no máximo livros!) e muito menos a acumulação de dinheiro. A inclusão das necessidades culturais já é um protesto implícito contra o capitalismo, que quer limitar o consumo do trabalhador ao que é necessário para a sobrevivência básica: comida e bebida. Para Marx, o trabalhador, como todos os seres humanos, precisa ir ao teatro e ao cabaré, ler livros, educar-se, divertir-se; (3) A autoatividade humana: pensar, amar, teorizar, cantar, falar, esgrimir, e assim por diante. Esta lista é fascinante por sua diversidade, por seu caráter sério e ao mesmo tempo lúdico, e pelo fato de incluir tanto os essenciais—pensar, amar, falar—quanto os “luxos”: cantar, teorizar, esgrimir, etc. O que todos esses exemplos têm em comum é sua natureza ativa: o indivíduo não é mais um consumidor, mas um ator. Claro, poderíamos adicionar muitos outros exemplos de autoatividade humana, individual ou coletiva, artística ou esportiva, lúdica ou política, erótica ou cultural, mas os exemplos que Marx escolheu abrem uma ampla janela para o “reino da liberdade.” Claro, a distinção entre esses três momentos não é absoluta: comer e ler livros também são atividades. São três manifestações da vida – do ser – diante do que está no coração da sociedade burguesa: ter, propriedade e acumulação.

Escolher ser em vez de ter é, portanto, uma contribuição significativa de Marx para uma cultura socialista/ecológica, para uma ética e uma antropologia que estão em desacordo com os dados fundamentais da civilização capitalista moderna, onde a predominância absoluta do ter, em sua forma de mercadoria, está levando, com crescente frenesia, à destruição do equilíbrio ecológico do planeta.

Reflexões importantes – diretamente inspiradas pelos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 – sobre a oposição entre ser e ter podem ser encontradas nos escritos freudo-marxistas do filósofo e psicanalista Erich Fromm. Um judeu alemão antifascista que emigrou para os EUA, Fromm publicou seu livro Ter ou Ser? em 1976. Uma escolha da qual depende o futuro da humanidade, que compara duas formas opostas de existência social: o modo de ter e o modo de ser. No primeiro, minha propriedade constitui minha identidade: tanto o sujeito quanto o objeto são reificados (transformados em mercadoria). Você se sente uma mercadoria, e o “isso” possui o “eu”. A ganância possessiva é a paixão dominante. Mas, Fromm insiste, a ganância, ao contrário da fome, não tem ponto de saciedade; sua satisfação não preenche o vazio interior.

Então, o que é o modo de ser? Fromm cita uma passagem dos Manuscritos de 1844 de Marx:

Partamos da ideia de que o ser humano é um ser humano e que sua relação com o mundo é uma relação humana. O amor, então, só pode ser trocado por amor, a confiança só por confiança.”

O modo de ser, explica Fromm, é um modo ativo, no qual os seres humanos expressam suas faculdades, seus talentos, a riqueza de seus dons; ser ativo aqui significa “renovar-se, desenvolver-se, transbordar, amar, transcender a prisão do eu isolado; é estar interessado, atento; é dar.” O modo de ser é o socialismo, não em sua versão social-democrata ou soviética (stalinista), reduzida a uma aspiração ao máximo consumo, mas de acordo com Marx: a autoatividade humana. Em suma, conclui Fromm, citando Marx novamente no terceiro volume de O Capital, o socialismo é o reino da liberdade, cujo objetivo é “o desenvolvimento da potência humana como um fim em si mesmo.”

Karl Marx raramente escreveu sobre a sociedade emancipada do futuro. Ele se interessou de perto pelas utopias, mas desconfiava das versões que eram muito prescritivas, muito restritivas, em suma, dogmáticas; seu objetivo era, como Miguel Abensour tão apropriadamente nos lembra, a transcendência da utopia para o comunismo crítico. Em que isso consiste? No terceiro volume de O Capital—um manuscrito inacabado editado por Friedrich Engels—encontramos uma passagem essencial, frequentemente citada, mas raramente analisada. A palavra “comunismo” não aparece, mas refere-se à sociedade sem classes do futuro, que Marx define, e essa é uma escolha altamente significativa, como o “Reino da Liberdade” (Das Reich der Freiheit):

Na verdade, o reino da liberdade realmente começa apenas onde o trabalho determinado pela necessidade e pelas considerações mundanas cessa; assim, pela própria natureza das coisas, ele está além da esfera da produção material real. Assim como o selvagem deve lutar com a Natureza para satisfazer suas necessidades, para manter e reproduzir a vida, assim deve o homem civilizado, e ele deve fazê-lo em todas as formações sociais e sob todos os modos possíveis de produção. Com seu desenvolvimento, esse reino da necessidade física se expande como resultado de suas necessidades; mas, ao mesmo tempo, as forças de produção que satisfazem essas necessidades também aumentam. A liberdade neste campo só pode consistir no homem socializado, nos produtores associados, regulando racionalmente sua troca com a Natureza, trazendo-a sob seu controle comum, em vez de ser governado por ela como pelas forças cegas da Natureza; e fazendo isso com o menor gasto de energia e sob as condições mais favoráveis e dignas de sua natureza humana. Mas, no entanto, ainda permanece um reino da necessidade. Além dele começa aquele desenvolvimento da energia humana que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade, que, no entanto, só pode florescer com este reino da necessidade como sua base. O encurtamento da jornada de trabalho é seu pré-requisito básico.

O contexto em que essa passagem aparece é interessante. Diz respeito a uma discussão sobre a produtividade do trabalho. O autor de O Capital sugere que o aumento da produtividade não só torna possível aumentar a riqueza produzida, mas acima de tudo reduzir as horas de trabalho. Isso parece ter precedência sobre uma extensão ilimitada da produção de bens.

Marx, assim, distingue duas áreas da vida social: o “reino da necessidade” e o “reino da liberdade,” cada um com sua própria forma de liberdade. Vamos começar examinando mais de perto o primeiro: o reino da necessidade, que corresponde à “esfera da produção material” e, portanto, do trabalho “determinado pela necessidade e fins externos.” A liberdade também existe nesta esfera, mas é uma liberdade limitada, dentro das restrições impostas pela necessidade: é o controle democrático e coletivo dos seres humanos “socializados” sobre suas trocas materiais—seu metabolismo—com a natureza. Em outras palavras, o que Marx está falando aqui é do planejamento democrático, ou seja, a proposição essencial do programa econômico socialista: liberdade aqui significa emancipação do poder cego das forças econômicas—o mercado capitalista, a acumulação de capital, o fetichismo da mercadoria.

Vamos voltar à passagem acima do terceiro volume de O Capital: é interessante notar que esse texto não fala sobre a “dominação” da sociedade humana sobre a natureza, mas sobre o controle coletivo das trocas com a natureza: isso se tornaria, um século depois, um dos princípios fundadores do ecossocialismo. O trabalho continua sendo uma atividade imposta pela necessidade, com vista a satisfazer as necessidades materiais da sociedade; mas deixará de ser trabalho alienado, indigno da natureza humana.

A segunda forma de liberdade, a mais radical, a mais integral, aquela que corresponde ao “Reino da Liberdade,” está além da esfera da produção material e do trabalho necessário. No entanto, há uma relação dialética essencial entre as duas formas de liberdade: é por meio do planejamento democrático da economia como um todo que a prioridade pode ser dada ao tempo livre; por outro lado, a extensão máxima do tempo livre permitirá que os trabalhadores participem ativamente da vida política e da autogestão, não apenas das empresas, mas de toda a atividade econômica e social, nos níveis de bairros, cidades, regiões e países. O comunismo não pode existir sem a participação de toda a população no processo de discussão e decisão democrática, não, como hoje, por um voto a cada quatro ou cinco anos, mas de forma permanente—o que não impede a delegação de poderes. Graças ao tempo livre, os indivíduos poderão tomar em mãos a gestão de sua vida coletiva, que não será mais deixada nas mãos de políticos profissionais.

O que Marx acrescenta no terceiro volume de O Capital ao seu argumento de 1844 é o fato de que a autoatividade humana – o terceiro momento discutido nos Manuscritos Econômico-Filosóficos requer, para florescer, tempo livre, tempo obtido pela redução das horas de trabalho “necessário.” Essa redução é a chave que abre a porta para o “Reino da Liberdade,” que é também o “Reino do Ser.” Graças a esse tempo de liberdade, os seres humanos poderão desenvolver seu potencial intelectual, artístico, erótico e lúdico. Isso é o oposto do universo capitalista da acumulação infinita de bens cada vez mais inúteis, da “expansão” produtivista e consumista sem limites ou medida.

Conclusão: além de seus escritos que se referem diretamente à natureza e à sua destruição pelo “progresso” capitalista, a obra de Marx contém reflexões que têm, no nível mais profundo, um significado ecológico, por meio de sua crítica ao produtivismo capitalista e sua imaginação de uma sociedade em que a atividade humana livre está no centro da vida social, e não a acumulação obsessiva de “bens.” Estes são pontos de referência essenciais para o desenvolvimento de um eco-marxismo do século XXI.


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