Notas sobre a situação mundial
Marine Le Pen

Notas sobre a situação mundial

O triunfo da Nova Frente Popular na França traz novos ares e deixa lições importantes

Israel Dutra e Pedro Fuentes 9 ago 2024, 13:35

Foto: Reprodução Instagram

A primeira versão deste texto foi apresentada para debate na Executiva Nacional do MES há cerca de 20 dias. De lá para cá, novos acontecimentos marcaram a conjuntura, como a agudização da crise do Oriente Médio após o assassinato do líder máximo do Hamas em território iraniano; a desistência de Biden e sua substituição por Kamala Harris; a rebelião dos estudantes que terminou com o governo de Sheik Hasina em Bangladesh; as eleições da Venezuela que geraram um impasse a partir do resultado e das manipulações do regime de Maduro. 

Não temos a pretensão de apresentar um documento mais global. Essas notas tratam do tema francês e se assentam numa hipótese: a vitória política da NFP pode gerar um novo clima na luta contra a extrema direita, com maior protagonismo do programa e da mobilização?

I –  Dois riscos civilizatórios: a catástrofe climática e a ascensão de posições neofascistas 

Os revolucionários enfrentam a situação mundial com uma contradição: Por um lado, no meio que a crise do sistema capitalista se acentua em uma situação de agonia prolongada e, por outro, a extrema fraqueza dos revolucionários, e em particular dos trotskistas, para participar e construir uma alternativa de massa que supere esse sistema e os dois perigos mais graves para os quais ele pode arrastar a humanidade. Isto é, a catástrofe climática, que significaria o fim da humanidade, e a ascensão neofascista, que tem como uma de suas causas a crise global que estamos vivendo. O projeto para Gaza, que a extrema direita sionista patrocina, falando em “solução final” é um dos pontos mais altos de até onde pode ir o neofascismo na sua etapa atual.

II – A França dá novos sinais sobre a situação mundial e para a esquerda revolucionária

Em meio a esta situação de perigos abertos para os trabalhadores e toda a humanidade, os acontecimentos ocorridos na França aparecem como lições que podem ser utilizadas para responder a este período do quadro que vivemos.

A vitória da Nova Frente Popular (NFP) foi um sopro de esperança para o conjunto do movimento de massas.  A barreira erguida contra um eventual governo Le Pen foi significativa. Uma vitória com nome e sabor de vitória, com um impacto sobretudo no continente europeu.

O cenário é incerto. No momento, Macron consegue aproveitar as férias e as olimpíadas para tentar ganhar um respiro. Não está claro como a dinâmica irá se desenvolver. Porém, o que está nítido é o efeito sobre duas dimensões: a relação de forças geral, e o estado de ânimo da esquerda em particular.

França é uma mostra das reservas dentro do movimento de massas reagindo ao perigo neofascista que está se espalhando na Europa e no mundo. O resultado eleitoral, para além de seus efeitos sobre a formação do governo, mostra que o movimento de massas está em condições de obter vitórias sobre a reação neofascista e manter a frente única social e eleitoral necessária para isso.

Uma combinação de três fatores explica o processo eleitoral vitorioso.  Um deles é a experiência recente da luta contra as aposentadorias, que, apesar de ter sido derrotada, mostrou o vigor, a massividade e a disposição para a luta que levaram à construção de uma frágil frente única, a partir das centrais sindicais. Essa luta relativamente recente é a continuidade de um movimento de massa com uma longa tradição de luta.  O último congresso da CGT elegeu uma nova direção, da corrente mais crítica dentro da central, com Sofia Binet à frente.

Por outro lado, a rápida reação das lideranças políticas de esquerda para levar adiante a unidade, para que o triunfo da extrema direita no primeiro turno não se repetisse, foi importante. Essa reação veio das lideranças e da base militante, que entenderam o perigo e se voltaram para a mobilização, se abrindo para as periferias onde vivem os imigrantes.

Finalmente, vale notar a formulação de um programa progressivo de ruptura com o neoliberalismo da ultradireita e do governo Macron. Embora não seja definitivamente um programa anticapitalista, ele tem pontos muito progressistas, como a revogação da lei de reforma da previdência e a defesa dos direitos dos imigrantes.

Esse triunfo pode se tornar, com suas particularidades, um exemplo a ser seguido por outros países para conter o crescimento dinâmico da extrema direita. Não podemos saber como isso afeta o humor do movimento de massa nos diferentes países, mas podemos dizer que muda o humor da vanguarda e das correntes de esquerda que podem nutrir se com este exemplo. Também, o processo francês deu razão àqueles que pensavam – como nós – que é possível barrar a extrema direita. Uma luta que segue em aberto.

Isso, por sua vez, levando em consideração que o resultado da eleição europeia indicou um crescimento importante da extrema direita, tendo a França seu campo de batalha mais importante, fato que levou Macron a dissolver o parlamento e convocar eleições.  

Também no contexto Europeu, o novo governo britânico enfrenta desafios, como mostram os duros choques entre grupos radicais neofascistas e imigrantes, com a presença de manifestantes antifas, poucas semanas após o resultado eleitoral. Nos países nórdicos, a esquerda institucional logrou bons resultados, revertendo a dinâmica de crescimento da extrema direita na Suécia. O novo mapa político engendra a crise geral do projeto da União Europeia, o crescimento da extrema direita, a falência dos partidos tradicionais e do centro extremo (Conservadores no Reino Unido, SPD na Alemanha, e até Macron na França). O fato novo foi realmente a irrupção vitoriosa, ainda que de forma parcial e precária, da NFP.

 A esquerda europeia vinha de experiências fracassadas, como as derrotas do Syriza, do Podemos, de Corbyn no Partido Trabalhista inglês, e do revés na luta pela independência da Catalunha. Isso ocorreu tanto com a esquerda em geral quanto com a esquerda revolucionária que aposta na intervenção em processos amplos. O Podemos e o Syriza se institucionalizaram, e o Die-Linke alemão sofreu uma ruptura. Na IV Internacional e em outras organizações marxistas revolucionárias, esse processo levou à estagnação e a rupturas, sobretudo no NPA francês, que se dividiu, mas também em outras seções da IV Internacional e em correntes como o CWI e o SWP na Inglaterra. Essa retração se expressou também no âmbito parlamentar.

Na Itália a eleição de figuras antifascistas como Ilaria Saris, que encabeçou a lista que teve quase 7%, junto com um ex-prefeito que autorizou a chegada de um barco de migrantes é um sinal positivo.  O crescimento de coalizões anticapitalistas na Irlanda, como People Before Profit, que recentemente enviou uma carta propondo pontos programáticos para aliança com o Sinn Fein, mostra que o caso francês pode ser replicado, guardando as devidas diferenças e critérios programáticos.

A ruptura da ala autoproclamatória do NPA permitiu que o partido agisse com mais liberdade, acertando na política. O NPA conseguiu ver na NFP uma alternativa de massa de frente única na qual deveria participar, abrindo assim novas perspectivas para o partido, com destaque para seus dois porta-vozes, Olivier Besancenot e Philipe Poutou.

A esquerda tem uma chance de retomar a capacidade de iniciativa, mesmo na defensiva, se colocando na vanguarda da luta antifascista, coisa que a NFP soube fazer retomando inclusive símbolos históricos da própria esquerda. É com a força desse exemplo que queremos elaborar nosso agir político, diante da complexa e turbulenta conjuntura.

III – A crise crônica do capitalismo se aprofunda

Após o boom econômico do pós-guerra, que durou até o início da década de 1960, na década de 1970 o capitalismo começou a mostrar sinais de uma série de crises econômicas que, analisadas a partir de agora, evidenciaram uma crise crônica que combinava diferentes dimensões. Alguns falam em policrise, e a IV Internacional tem assumido uma caracterização correta de crise multidimensional.

Tivemos as crises econômicas de 1973-74, seguidas pela crise de 1982, a crise subsequente dos tigres asiáticos na década de 1990 e, como expressão dessa situação de depressão no crescimento econômico, o crash financeiro de 2008.

O ano de 2008 abriu um novo período – um movimento de placas tectônicas, como escreveu Roberto Robaina em seu texto Giro Histórico – que mostrava que o capitalismo entrava, definitivamente, em um período de decadência e que se esgotava qualquer possibilidade de reforma substancial que não fosse por meio de uma ruptura com o sistema.  

“Também a crise atual é maior do que a crise de 29 porque tem um componente novo: a destruição da natureza coloca cada vez mais riscos de catástrofes ecológicas e põe em perigo a própria existência do planeta. O escritor marxista francês François Chesnais é quem melhor tem alertado para a combinação das crises econômica e ecológica como expressão de uma crise de civilização, uma ameaça de novo tipo, mais grave que as anteriores. Toda e qualquer análise da situação mundial deve partir, então, do que já é uma constatação: estamos, pelo menos, na principal crise do capitalismo desde 1929. Uma crise que deve ser profunda e longa. E que atinge o mundo todo.”

O agravamento da crise econômica fez saltar uma convergência ou combinação de crises múltiplas, que colocam em risco a própria humanidade, por isso que muitos apontam a ideia de crise civilizatória, além da já referida ideia de policrise.

Temos a crise política (de seus regimes de dominação política, expressa no sentimento de ceticismo em relação aos partidos e no “eles não nos representam”); a crise ecológica (que está tendo um efeito devastador no planeta e ameaça a vida humana); e a crise social cada vez mais profunda com o aumento da miséria e da desigualdade que cresce em todo o planeta. Como em todas as crises, o capitalismo surge com mais contradições e com mais concentração da riqueza mundial em poucas mãos. 

A crise sanitária oriunda da pandemia de covid-19 que paralisou o planeta entre 2020 e 2021 articulou e aprofundou os elementos mais dramáticos da combinação de crises. Houve uma explosão da desigualdade, ilustrada no dado relatado pela Oxfam de que os multimilionários ganharam mais em 19 meses do que em toda a década anterior.

A crise de 2008 abriu dois ciclos de revoltas do movimento de massas. A primeira reação foi a Primavera Árabe na Tunísia, no Egito, na Líbia, na Síria e em outros países do mundo árabe, que parou e começou a retroceder com a derrota da guerra civil na Síria e a ascensão do islamismo em quase todos os países, acabando assim com o caráter democrático popular que tinham no início.

Em seguida, ela se deslocou para a Europa com a praça dos indignados na Espanha e o triunfo do Syriza na Grécia. Occupy Wall Street foi a expressão nos EUA. O Brasil, com Junho de 2013, fez parte desse processo, como também foi o caso da Turquia e, depois, da Ucrânia, com a Praça Maidan.

Foram mobilizações que tiveram os jovens na vanguarda e que, se no mundo árabe foi efeito da situação econômica e das autocracias, no restante dos países as mobilizações foram políticas, expressando aquele estado de espírito de democracia real que se aproximava de uma luta anti sistema por outro futuro.

Entretanto, a ausência de um projeto alternativo levou ao desgaste do movimento de massa, à subsequente ascensão da extrema direita – que se apresentava como antissistema – e a uma maior crise do capitalismo.

Uma segunda onda de revoltas esteve vinculada com o período imediatamente anterior à pandemia: a entrada dos coletes amarelos na França, as rebeliões de Porto Rico, Hong Kong, Catalunha, e, depois, do Equador e Chile, além do levante do Black Lives Matter, que foi fundamental para o enfraquecimento de Trump. Além das revoltas no Sri Lanka,

Seria um erro dizer que o capitalismo morre por causa da sua própria crise. Somente a revolução mundial pode pôr fim a ele. Enquanto isso, ele demonstrou em sua agonia que tem a capacidade de se adaptar para continuar como um sistema de exploração.

Nesse sentido, os inegáveis avanços científicos no campo da ciência da computação possibilitaram novas tecnologias baseadas no uso da inteligência artificial (IA) aplicáveis na robotização, além de uma multiplicidade de novos usos. É um exemplo de sucessos científicos que seriam favoráveis para a humanidade em uma sociedade socialista, mas que no capitalismo têm seus fins altamente contraditórios, com a continuação e a dominação prevalecendo nas formas mais impensáveis de controle social. De qualquer forma, os revolucionários podem usar os avanços da IA.

Um de seus usos mais terríveis é aquele de guerras e armamentos modernos. Deve-se notar como característica desse novo período o novo armamento das principais potências imperialistas e seu uso nas guerras atuais, como na Ucrânia e em Gaza, e nas guerras futuras. Devemos tocar nesse tema em outros artigos.

IV –  A catástrofe climática está colocando um limite à vida no planeta: é hora de puxar o freio de emergência   

Vivenciamos em primeira mão a tragédia do Rio Grande do Sul, com seus mais de 170 mortos e a devastação de cidades inteiras e bairros de Porto Alegre. Não é só no Brasil que as catástrofes se repetem. A ciência estabelece um limite, e já é uma realidade que a vida se tornará cada vez mais difícil. Os super-ricos estão se preparando para enfrentá-la, prolongando seu bem-estar em cidades, ou melhor, em cidadelas para si mesmos, enquanto as classes média e trabalhadora são as mais vulneráveis, sofrendo não apenas com o desemprego e os baixos salários, mas também com a destruição de suas casas.

O intelectual Luiz Marques escreveu recentemente em O decênio decisivo que as condições para evitar os cenários mais assustadores do aquecimento global estão sendo jogadas nos próximos anos.

A palavra de ordem “não é o clima, é o sistema” foi adotada por uma parte da juventude e, à medida que a catástrofe se espalha, ela se tornará um slogan cada vez mais válido. A conscientização é um passo importante; a mobilização não será feita em nome do ecossocialismo, mas em torno dos efeitos concretos produzidos, e é isso que será acumulado pelos setores do movimento de massa para o programa de um novo sistema social.

O aspecto mais sinistro da extrema direita hoje é seu negacionismo climático. Podemos dizer com certeza que ele é irracional, mas o irracional foi transformado pelo neofascismo em racional, uma política a serviço das grandes corporações petrolíferas e extrativistas. 

Gaza – ponto concentrado da luta contra a extrema direita

O ponto mais relevante da situação internacional é a destruição de Gaza. É onde o projeto da extrema direita, representada na coalizão encabeçada por Netanyahu, é levado mais adiante. E onde surge o mais amplo e internacionalizado movimento de solidariedade visto desde o Vietnã, com uma resistência de massas, sobretudo na juventude dos cinco continentes. Esse tema entrou em cheio na eleição francesa. Foi vibrante ver o comício da NFP sendo fechado com deputados e lideranças de origem árabe e palestina, com suas bandeiras. Se o lobby sionista conseguiu derrotar Corbyn há cinco anos dentro do Labor, o caso de Melenchon foi o contrário: radicalizou, politizou e organizou a base social migrante nos bairros periféricos, com a linha de solidariedade.

Netanyahu foi a Washington defender o projeto Gaza 2035, o epicentro de uma visão neofascista. Um Estado armado a serviço da limpeza étnica, com uma visão teocrática e fundamentalista. O conjunto da extrema direita no mundo apoia essa linha, provendo o sionismo de extrema direita como referência para setores neopentecostais de massa, com Trump, Milei, Bolsonaro como pontas de lança dessa defesa.

Gaza é um campo de concentração a céu aberto – com fome, sem água ou energia elétrica, com epidemias, como a de poliomielite. Avançaram suas tropas com milicianos colonos na Cisjordânia para roubar as terras que restavam. Enquanto os dados oficiais falam em cerca de 40 mil vítimas, a revista The Lancet estima um número bem maior, com aproximadamente 186 mil óbitos, diretos ou indiretos desde o início do massacre na Faixa de Gaza. 

A ação sobre Gaza é combinada com um avanço mais reacionário dos colonos da Cisjordânia. O entorno de Netanyahu é um grupo que antes poderia ser qualificado como terrorista de direita, um grupo de choque, ligado à ultradireita militar e religiosa. São os herdeiros do setor que matou Isaac Rabin.

Ao mesmo tempo, a solidariedade internacional ao povo palestino, que teve seu epicentro na juventude dos Estados Unidos, nas massas árabes e dos imigrantes nos países europeus, aponta as possibilidades de resistência. A unidade de todos os setores políticos palestinos, reunidos em Pequim, indica que a combinação entre programa e necessidade de unidade pode produzir avanços significativos.

VI – Eleições decisivas nos Estados Unidos

A eleição americana é a principal disputa que está colocada no pêndulo geral da política mundial. O retorno de Donald Trump à direção do mais importante país imperialista significaria uma grande vitória da ultradireita mundial. A própria disputa em curso é reveladora dos elementos mais importantes da crise orgânica geral. O debate televisivo entre Trump e Biden foi um retrato dos traços mais bizarros do regime em crise.  O elemento histriônico de Trump foi confrontado pela senilidade presente em Biden. Quatro aspectos condicionam o processo eleitoral estadunidense, a essa altura, como as pesquisas indicam, em empate técnico entre Trump e Kamala Harris.

– Os aspectos mórbidos e de baixo nível da disputa representam um retrato da própria decadência do regime que sustenta o imperialismo. Isto é, uma crise profunda e geral, que expressa o risco da perda de hegemonia assegurada desde a II Guerra Mundial

– Um segundo mandato de Trump seria muito mais perigoso do que o primeiro. Menos marcado pelo improviso e pelos elementos “fenomênicos”, mais condicionado pela iniciativa de mudança à direita de aspectos do regime, com propostas voltadas para os setores mais ricos e de imposição de pautas contra os direitos individuais, como el direito ao aborto.

– Uma divisão estrutural da burguesia, com o setor de bigtechs do Vale do Silício liderado por Musk indo em direção a Trump, das petroleiras e corporações ligadas ao extrativismo. 

– Um cenário de provável crise econômica como indicam os novos dados do FED, o Banco Central dos EUA.

Para os socialistas revolucionários faz uma década que se tornou sem sentido dizer que republicanos e democratas são “dois corpos com a mesma cabeça”. É verdade que ambos os partidos seguem sendo defensores das classes dominantes do imperialismo yankee. Mas existe uma diferença. Trump capturou o Partido Republicano e o transformou na máxima expressão da ultradireita mundial xenofobia, cujo projeto é “limpar” o país dos imigrantes, diminuir impostos das grandes empresas, retirar liberdades democráticas, acabar co o direito ao aborto, e apoiar incondicionalmente Netanyahu em direção a uma solução final em Gaza e na Palestina. Por sua vez, os democratas e Biden e Kamala não deixam de apoiar Israel. Apoiaram, com suas armas, o genocídio, mas tomaram distância da solução final e querem parar a guerra. Eles sofrem da pressão encabezada pelo movimento estudantil en EUA e nivel mundial que foi levantada contra o genocídio de Netanyahu e que se entendeu pelo mundo.

VII – Crise Global e extrema direita

A extrema direita vê todos os seus rivais como comunistas, é misógina, racista, retrógrada em seus costumes e, como vimos, negadora da crise climática. Esse neofascismo está se espalhando pelo mundo e se organizando com seus próprios fóruns. Seu maior expoente é Netanyahu e a direita fascista em Israel, com seu objetivo de exterminar os palestinos.

Nos outros países, por enquanto, essa direita não organiza células militantes orgânicas que poderiam ser um passo em direção às milícias (ou grupos armados), mas defende a liberdade de armas, clubes de tiros etc. A tendência é que ela aumente seu poder e a eleição de Trump é um passo nesse sentido. Ele se apresenta como antissistema, mas é a parte mais podre desse sistema capitalista em crise.

Um setor dinâmico das grandes corporações empresas de tecnologia passou a apoiar a saída de direita junto com as empresas petrolíferas e as grandes corporações. Na Argentina, o “círculo vermelho” que formam os maiores empresários está apoiando sistematicamente Milei. O neofascismo se oferece às grandes corporações como a alternativa de “liberdade” para elas, desmantelando os Estados. Essa tendência continuará, pois, a crise não tem saída.

Entretanto, a burguesia mundial continua dividida. Podemos dizer que o setor que rejeita o neofascismo ainda é a maioria. Isso se expressa na composição do parlamento europeu, por exemplo, onde apesar do avanço das correntes neofascistas, os PPs, os social-democratas e os liberais são a maioria, no Partido Democrata nos EUA.

Há setores da esquerda revolucionária que minimizam a caracterização do neofascismo e, portanto, também o perigo que ele representa. Eles os veem como bonapartistas ou algo semelhante. Eles se baseiam no fato de que, sendo autoritário, ao contrário do fascismo da década de 1930, ele não usa métodos de guerra civil contra os trabalhadores. É verdade que há diferenças em relação ao fascismo dos anos 20-30, que enfrentou as revoluções proletárias com métodos de guerra civil. Mas o neofascismo de hoje é tão perigoso quanto aquele. Ele é preventivo diante de possíveis revoluções e se oferece à burguesia como uma saída para a crise, apelando para o autoritarismo e a repressão, e quer ir até o fim nesse processo. Sua dinâmica é de confronto com o movimento, mas ainda não tem o apoio integral da burguesia, como ainda não há situações revolucionárias semelhantes ao período após o triunfo da revolução na Rússia para que isso aconteça. Entretanto, seu objetivo é mudar o regime político, passar a um regime totalitário, colocando um fim às liberdades democráticas do regime democrático burguês.

VIII – Polarização social e política: um interregno cheio de urgências

A direita não está caminhando por uma avenida sem obstáculos, há reação do movimento. Além da França, há eleições que, embora não interrompam seu avanço, são importantes. Como exemplos, há o triunfo do Partido Trabalhista na Inglaterra, apesar de seu caráter reformista, as eleições na Índia que impediram Modi, a vitória esmagadora do candidato Morena no México, e o triunfo do Sinn Fein na Irlanda do Norte. Se sair vitorioso, Trump, nos EUA, acelerará esse avanço, mas mesmo lá também houve uma reação dos democratas que, pressionados pela situação, levaram a renúncia de Biden. Kamala Harris pode se transformar em uma candidata que expresse um movimento democrático, ainda que nos marcos de uma política imperialista. 

A realidade atual e a perspectiva é que a polarização social e política aumente na medida em que não haja uma saída e a fome, e as migrações de guerra e aquelas causadas pelas catástrofes climáticas aumentem.

Os dois polos da polarização são e serão, de um lado, a ultradireita neofascista apoiada por setores da burguesia com peso nas classes médias e em setores do proletariado e, de outro lado, os setores cada vez mais empobrecidos, os trabalhadores, os imigrantes, a classe média empobrecida e a intelectualidade que enxerga o perigo iminente do colapso climático, e os setores burgueses que ainda defendem os regimes democráticos.

Como temos dito, o processo francês deu razão àqueles que pensavam – como nós – que é possível barrar a extrema direita. Uma luta que segue em aberto, e que pode triunfar significativamente se continuar a mobilização de massas.

Os novos jovens, que só conhecem a crise, serão um componente fundamental do polo de resistência e luta. São eles que estarão mais comprometidos com o avanço da crise climática. Essa crise está provocando uma radicalização, embora, por enquanto, lenta. Mas está havendo também um avanço na consciência das massas sobre os perigos das catástrofes já existentes, especialmente entre os jovens. 

IX-  Mais guerras e tensões inter-imperialistas

Nas superestruturas mundiais, há uma desordem da ordem. Não há um país hegemônico, ou melhor, há uma hegemonia em declínio, que é a dos EUA, e há um mundo que pode ser chamado de multipolar. Mas isso não significa que existam países ou blocos mais progressistas do que outros, e que assim tenham menor peso no sistema imperialista pelo seu caráter de novo imperialismo, como é o caso da China. Só existem dois blocos imperialistas, um liderado pelos EUA e o outro pela China, que disputarão cada vez mais o mundo em meio ao caos e à crise. À medida que a crise se torna mais aguda, as contradições entre eles (mesmo que mediadas pela dependência econômica da globalização) tendem a aumentar. Ambos os polos estão se preparando tecnológica e militarmente para isso. A última reunião da OTAN delineou aliados e inimigos do bloco ocidental. Se Trump assumir o poder, essa desordem pode aumentar, pois seria um imperialismo mais nacionalista, distante da OTAN, razão pela qual não é coincidência que a Europa tenha entrado na corrida armamentista.

O orçamento da economia armamentista foi o maior desde o fim da segunda guerra, seja tomando os números absolutos, seja na votação da ampliação percentual dos recursos de cada país para fins militares.

Dois anos de guerra na Ucrânia, na qual a Rússia parece ter consolidado suas conquistas, sete meses de guerra colonial em Gaza – que pode estender se ao Líbano e Irã -, marcam um futuro de mais tensões e guerras, tudo levando a mais crises na ordem mundial. Trata-se de crise e caos geopolítico, como diz Pierre Rousset.

X – Não existe uma alternativa anticapitalista de massas

A consciência das massas sofreu seu maior revés como consequência do “socialismo real” dos antigos estados operários, onde o capitalismo foi restaurado. O paradoxo é que o capitalismo, que conseguiu com essa queda a globalização do capital, não conseguiu resolver sua crise.

Durante este século XXI, vimos o surgimento de novos projetos políticos decorrentes de processos de mobilização de massa. Na América Latina, tivemos a primeira onda de Chávez, Evo, Correa. Uma década depois, a insurreição no Chile, a derrota do golpe na Bolívia e as mobilizações peruanas que levaram Castillo ao poder. Depois, na Colômbia, que deu origem ao governo Petro, hoje o mais progressista da América Latina. E, na América do Norte, o processo mexicano, que em sucessivos triunfos eleitorais enterrou o antigo regime. Nos EUA, surgiu a onda socialista de Sanders, que acabou decepcionando quando ele decidiu retirar sua candidatura nas prévias democratas. Na Europa, tanto o Syriza quanto o Podemos, ambos também surgidos da mobilização popular, seguiram o caminho da institucionalidade. 

Todos esses processos, com suas desigualdades, ficaram ou se encontram no meio do caminho, prisioneiros da institucionalidade, ou seja, do Estado burguês (no caso da Venezuela e da Nicarágua, acabaram degenerando em autocracias). Sobre a decepção destes processos é que triunfaram os autoritarismos de direita no Brasil, no Peru etc.

Nenhum desses casos foi uma derrota histórica para os trabalhadores. Assim, vimos nos últimos anos a recuperação do movimento sindical de base nos EUA, fortes greves que obtiveram conquistas, como na indústria automobilística, e o processo de sindicalização nas start-ups.

XI – Até onde pode ir a situação francesa?

A França não é igual à Grécia e à Espanha, com o Podemos. Ela tem uma tradição e experiência de revoluções e é uma potência econômica com uma classe trabalhadora forte que vem de lutas importantes. Mesmo que tenha sido derrotada com a reforma previdenciária, ela mostrou todo o seu poder de fogo e sua capacidade de luta. Na França, houve uma frente única dos trabalhadores que tem novidades em relação às outras, devido ao maior peso de uma organização mais radical (LFI) e à presença dos Verdes, que naquele país não têm vínculos (como na Alemanha) com a burguesia por causa de seu programa de ruptura com o neoliberalismo.

Embora seja improvável um governo com características radicais, isso não significa que a dinâmica que se abriu com a NFP não se aprofundará política e socialmente. Essa hipótese está aberta: ela pode se radicalizar e irá além de experiências como a de Corbyn e Sanders.

Há uma liderança de Mélenchon mais radicalizada do que em processos anteriores, há um acirramento da luta de classes e, como consequência disso, uma liderança mais radical na CGTP e, por outro lado, uma juventude imigrante radicalizada que foi conquistada pela política da NFP.

É preciso observar como a dinâmica das lutas vai se expressar em outras partes do mundo. Vemos a rebelião em Bangladesh e a enorme polarização na vizinha Argentina.

A III Internacional e, mais tarde, também a IV Internacional consideraram a possibilidade de surgirem governos de partidos operários não revolucionários que, devido à crise, iriam além e romperiam com a burguesia.

As frentes únicas possíveis neste período são diferentes das clássicas frentes únicas de etapas anteriores. Elas incluem representações da pequena burguesia radicalizada, (como foi o caso do Partido Verde na França), representações de movimentos ecológicos, dos imigrantes, do movimento negro etc.

Não temos que considerar essa possibilidade? A França não é um sintoma do que está por vir? Parece-nos que essas variantes estão ainda mais abertas neste período em que a crise se aprofunda e os setores que estão construindo o partido revolucionário são uma minoria. É com base nessa hipótese que nos organizamos (dentro das possibilidades) em processos amplos com correntes reformistas e apresentamos a necessidade da frente unida dos trabalhadores, que pode ser defensiva, mas que pode se tornar ofensiva à medida que a situação se desenvolve.

Em outras palavras, mudanças relativamente abruptas podem ocorrer nesta situação mundial, à medida que a mobilização de massa enfrenta a crise e a direita. Na realidade, há probabilidades de diferentes processos, até guerras civis (nos EUA, por exemplo, onde há mais armas do que pessoas), insurreições semi-espontâneas ou revoluções que levam as organizações pequeno-burguesas a tomar o poder.

É preciso levar em conta também a relação com o Estado e a dinâmica de cooptação que aconteceu nos últimos, sobretudo após a queda do leste europeu, onde uma série de direções que se reivindicavam marxistas e socialistas adotaram posições de gestão do capitalismo.

É no marco da necessidade de desenvolver a luta antifascista, principalmente a partir das frentes únicas operárias, que nos orientamos na construção da IV Internacional. A convocatória da Conferência Internacional Antifascista em Porto Alegre (postergada, por conta da catástrofe climática, para 2025) é uma expressão desta política de Frente Antifascista. Toda frente única está a serviço de promover ou facilitar o reagrupamento e mobilização que é a ferramenta fundamental para derrotar a direita neofascista. Sem mobilização, apenas com frentes eleitorais, não é possível derrotá-la. E nós queremos a sua derrota.

XII – A construção da organização revolucionária e a IV Internacional

Para estar na primeira fileira na luta contra a direita é necessário também defender a independência política de classe, tarefa que necessita de uma organização revolucionária para que seja preservada em toda atividade de frente única. Como dizia Lênin “golpear juntos, mas marchar separados”. A melhor forma de construí-la hoje em dia é sendo parte dos processos mais amplos que acontecem. Ela é uma tarefa permanente para a defesa do programa anticapitalista e ecossocialista. Não se trata de ser autoproclamatório do programa, mas sim de organizar a vanguarda em torno dele e levar às massas as palavras de ordem de acordo com suas necessidades concretas e a correlação de forças que a realidade coloca. 

Para tanto, queremos afirmar uma política que leve em conta alguns aspectos centrais:

– A força da NFP foi subordinar a unidade ao programa e não o inverso. Ou seja, apostou na força do programa como um instrumento de mobilização (social e eleitoral)

– A necessidade de forjar alianças e unidades de ação (defensivos) com a defesa dos imigrantes, do meio ambiente e dos direitos básicos para barrar a extrema direita e construir força material para uma ofensiva

– A unidade indissolúvel das lutas contra a exploração e da luta contra as opressões, além da luta em defesa do Comum e do meio ambiente.

– Construir redes e frentes mais amplas (Antifascistas), como o exemplo da Conferência de 2025, buscando alianças de classe (antineoliberais)

– Dentro desse esquema, é imprescindível a construção de ferramentas anticapitalistas e revolucionárias, independentes, com um programa nítido ecossocialistas, habilitadas para disputar a direção dos fenômenos.

Dessa forma, nossa orientação reforça a necessidade- cada vez mais dramática- do reagrupamento dos revolucionários. Vamos seguir empenhando nossos melhores esforços para essa tarefa.

Reforçamos o espírito das notas anteriores, também no que diz respeito à IV. A hipótese de novos fenômenos na esquerda radical francesa nos anima, confiando na tradição revolucionária do trotskismo naquele país, herdeira dos grupos fundacionais da Oposição de Esquerda, da luta armada na Resistência, no acontecimento revolucionário do Maio de 1968 e na cultura política da Liga. O papel que o NPA pode cumprir, em chave com outros setores da esquerda, será importante.

Da nossa parte, seguimos a orientação votada na VIII Conferência Nacional do MES, em dezembro de 2023, lutando para ampliar o internacionalismo vivo, nossas relações, campanhas, como a da luta pela Palestina e acompanhando a situação argentina, a conferência antifascista e a construção da IV.

Nossa expectativa é que o Congresso mundial da IV possa dar passos para ampliar e agrupar setores de diferentes tradições e “escolas” revolucionárias. É o melhor aporte que os revolucionários podem fazer para a batalha permanente contra a extrema direita e para puxar os freios de emergência da tragédia que pode se avizinhar.


TV Movimento

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Editorial
Israel Dutra | 06 dez 2024

A greve da PepsiCo colocou a luta contra a escala 6×1 no chão da fábrica

A lutas dos trabalhadores em São Paulo foi um marco na mobilização para melhores jornadas de trabalho.
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Pedro Micussi