A ofensiva contra o Líbano é uma escalada da morte
Os recentes ataques israelenses no país vizinho representam a nova etapa da agressão sionista na região
Foto: PL/Reprodução
“Oportunidades significativas, riscos pesados”. Com dose habitual de sadismo e nenhuma desfaçatez, assim definiu Yoav Gallant, ministro de defesa do Estado de Israel, a nova ofensiva do sionismo sobre o Líbano.
A nova fase da operação militar – que promove o genocídio sobre Gaza há quase um ano – que o exército israelense lança sobre o Oriente Médio começou com um inédito ataque terrorista contra o Hezbollah, no começo da última semana. O Mossad explodiu, em duas etapas ao longo de dois dias, milhares de pagers e wall-talkies em território libanês, causando a morte de cerca de 40 pessoas e deixando centenas de feridos. Após a ofensiva terrorista, um bombardeio sobre Beirute deixou 37 mortos, entre alvos do Hezbollah e uma escola (foram vitimadas 13 crianças).
Uma análise mais profunda sobre a dinâmica da ofensiva israelense no Oriente Médio é decisiva para o entendimento do futuro imediato da geopolítica mundial, seus conflitos centrais e desdobramentos. Temos empreendido parte desse esforço em contatos e publicações, como na recente entrevista publicada pela Revista Movimento (antes da atual ofensiva sobre o Líbano) com o intelectual marxista libanês e especialista em Oriente Médio, Gilbert Achcar.
Nesse momento, onde o genocidio em Gaza completa quase um ano, com dados aterrorizantes – é proporcionalmente o maior genocidio infantil da história – é preciso entender os três elementos centrais em questão: (a) a real estratégia de Netanyahu, seus alcances e limites; (b) a relação de forças, militar e diplomática, no âmbito internacional; e (c) a capacidade de resistência, popular e militar das forças palestinas, libanesas e aliadas. O genocídio é imposto por mortes, pela fome e pela multiplicação de doenças como a poliomielite.
Netanyahu está dobrando sua aposta. Acossado por críticas e pelas mobilizações, como a greve geral e as passeatas que somaram mais de 400 mil pessoas exigindo negociações para liberar os reféns, ele não tem outra saída senão apostar em mais ofensiva. Apesar da retórica afirmar que seu objetivo militar é inutilizar as posições do Hamas, na verdade Netanyahu e seu entorno mais próximo querem redesenhar o mapa do Oriente Médio, com o novo “Grande Israel” sendo uma referência supremacista e colonial para a extrema direita no mundo. Diante desse quadro, onde a resistência palestina segue combatendo, existe uma mudança no eixo de ação nos últimos meses: uma ofensiva ligada a inteligência terrorista (assassinatos em série, como o de Ismail Haniyeh, e a suspeita de participação na morte do presidente iraniano, Ebrahim Raisi) e a expansão do conflito para toda região. O plantio, por parte do Mossad, dos explosivos ocorreu há cerca de dois anos, portanto, antes da ofensiva iniciada no último 7 de outubro. Como escreveu Achcar no seu artigo mais recente:
O próprio Netanyahu contribuiu para fazer soar os tambores da próxima guerra contra o Líbano, através de um de seus colaboradores no Partido Likud, que atribuiu a intenção de lançar uma guerra que fará “com que o subúrbio de Beirute pareça Gaza”. E de outra parte, o cerco a Jenin corrobora a intensificação dos ataques à Cisjordânia. Imagens brutais mostram os soldados israelenses jogando palestinos de cima de altos prédios, na nova ofensiva na Cisjordânia.
Como responde os Estados Unidos, principal fiador do genocídio em Gaza? Por um lado, atua na ONU para desmoralizar as inúmeras resoluções que pedem o cessar-fogo e a condenação de Netanyahu e do Estado de Israel; por outro, buscam negociar para evitar uma guerra em escala regional, diante das indefinições do pleito presidencial marcado para o próximo 5 de novembro. Biden sai desgastado, Kamala não quer deixar de se comprometer com o sionismo e Trump é um aliado decisivo de Netanyahu para dar legitimidade à “solução final”. É uma situação delicada para os Estados Unidos, que jogam com toda força para não perder sua hegemonia no terreno geopolítico, dada a competição crescente com a China, e enfrentam a maior divisão da burguesia da história recente do país.
O terceiro elemento é como irão responder as forças combatentes. O Hezbolah sofreu um duro golpe, seja pela desmoralização do seu serviço de inteligência, seja pelo assassinato de dois dos seus principais comandantes Ibrahim Aquil e Ahmed Wabbi. Quem assistiu a declaração de Nasrallah após a ofensiva sentiu certa ponderação na capacidade de resposta, apesar de um reforço dos disparos de mísseis, interceptados pelo sistema de defesa israelense. Erdogan novamente voltou a se pronunciar convocando as “nações ocidentais” para evitar o pior, ou seja, a escalada da guerra. O Irã condenou a ofensiva, mas não fez nenhum movimento militar mais brusco. Os Houtis seguem com sua operação militar marítima, trocando fogo e consumindo esforços israelenses para essa frente. O Hezbollah é fruto dos estertores da longa guerra civil libanesa, como parte dos movimentos xiitas e islâmicos que tomaram a hegemonia da luta contra o sionismo a partir do enfraquecimento dos movimentos laicos e de libertação nacional. Como definiu um analista espanhol, é “maior que uma milícia, menor que um estado”. A resposta de conjunto da sociedade libanesa, fraturada por guerras e crises, será decisiva para encarar a luta contra a ofensiva sionista não apenas como uma luta religiosa ou de defesa dos xiitas.
A resposta internacional será fundamental. Amparados na opinião pública, que vai das resoluções da ONU à emissão do pedido de prisão pelo TPI para Netanyahu, os movimentos de solidariedade ao povo palestino devem ampliar seus esforços. Medidas parciais como a suspensão do comércio de armas do Reino Unido com Israel são pontos de apoio para enfraquecer o sionismo. Uma batalha que se dá também no terreno nacional, com a defesa da suspensão dos acordos com a Elbit, com a defesa da ruptura diplomática com Israel e pelo fortalecimento da campanha BDS.
A ofensiva sobre o Líbano é uma amostragem de até onde vai o projeto de morte, neocolonial e neofascista de Netanyahu. A solidariedade ao povo libanês é parte integrante do nosso programa imediato para deter os supremacistas que querem impor sua “solução final” como um novo padrão de desumanização do outro, naturalizando a catástrofe que nos assola em diversas frentes.