Colapso climático: ação ou omissão?
Frente à crise socioambiental, a mobilização contra a emergência climática é urgente
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No dia 11 de agosto de 2019, a cidade de São Paulo escureceu às três horas da tarde. Esse fenômeno estranho revelou ao Sudeste do Brasil a existência do Dia do Fogo, uma ação criminosa que ocorreu no oeste do Pará e resultou na queima indiscriminada de florestas. Os ventos da Amazônia, que normalmente transportam umidade através dos “rios aéreos”, espalharam fumaça e fuligem por todo o país.
O caso gerou um escândalo global e sensibilizou a população brasileira, que fez protestos de rua. A revolta era evidente, porque o próprio presidente da República estimulava a destruição ambiental. Bolsonaro era visto como responsável, pelo menos indiretamente, pelo fogo.
Cinco anos depois, em 2024, a situação em São Paulo assusta: há pelo menos duas semanas o céu não é visível devido à fumaça. E não é apenas São Paulo que enfrenta esse problema. Em todo o interior do país, a situação é semelhante. Belo Horizonte e Brasília, por exemplo, estão há mais de 140 dias sem chuva. A Amazônia e o Centro-Oeste estão cobertos por fumaça. O Brasil está em chamas, com algumas regiões apresentando níveis de umidade do ar comparáveis aos de desertos, e São Paulo está entre as cidades com a pior qualidade do ar no mundo.
Se em 2019 o que chocava era a ação criminosa do governo anterior em relação ao meio ambiente, agora, em 2024, o que assusta é a omissão. É claro que existe uma enorme diferença entre os governos Bolsonaro e Lula quanto ao tema ambiental. Mudamos da água para o vinho. Mas também é verdade que o atual governo não está agindo à altura da gravidade dos fatos.
O presidente e as principais ministras da área ambiental, como Marina Silva e Sônia Guajajara, limitam-se a anunciar medidas de administração da crise, mas as ações chegam com atraso e não são suficientes. O governo parece impotente diante de dificuldades enormes, sem agir com firmeza.
Isso não é aceitável. Em meio às mudanças climáticas globais, nosso país está entre os mais ameaçados pelo risco de desertificação, o que pode levar à extinção das condições de vida humana como conhecemos. Marina Silva recentemente alertou que o Pantanal pode desaparecer em algumas décadas. Além disso, há a preocupação com o “ponto de não retorno” da Floresta Amazônica. Se não quisermos considerar essas ameaças a longo prazo e focarmos no imediato, é aterrorizante pensar nos impactos da fumaça e da destruição ambiental na saúde pública. Até onde estamos dispostos a ir?
Parece evidente que o governo não avança nas medidas necessárias devido a uma situação conjuntural difícil e às suas próprias amarras com setores reacionários, que se opõem à verdadeira proteção ambiental. Um exemplo claro disso está o agronegócio predador e golpista. Após os incêndios do Dia do Fogo em 2019, pelo menos 60% da área queimada foi transformada em pastagens permanentes. Os incêndios que ocorrem em todo o país são resultado de ações criminosas apoiadas por setores políticos e econômicos retrógrados, os verdadeiros representantes da barbárie.
Também existe a influência da bancada da destruição no Congresso Nacional. Conforme revelou a jornalista Thais Bilenky, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é proprietário de um imóvel de luxo localizado em uma área de marinha em Alagoas. Áreas de marinha são atualmente ameaçadas de privatização pela “PEC das praias”, um projeto que contou com o voto favorável… de Lira.
Há ainda uma confusão sobre a gravidade da situação ambiental e o desenvolvimento do país, evidenciada pela polêmica sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Além disso, a falta de recursos para medidas básicas é um problema aterrorizante, agravado pelas restrições do Arcabouço Fiscal. Órgãos essenciais como o Ibama e o ICMBio estão sucateados, e a greve que ocorreu no meio deste ano foi contestada pelo governo. É um contrassenso imenso: em vez de atender às demandas dos trabalhadores, que lutavam por salários justos, melhores carreiras e mais concursos, o governo optou por responsabilizá-los judicialmente. Agora, a falta de profissionais está comprometendo a capacidade de controlar os incêndios, fiscalizar crimes ambientais e proteger o país.
Diante da destruição climática sem precedentes, não basta adotar medidas parciais. Não estamos em dias normais. Um governo que se compromete com a proteção ambiental e a vida da população precisa agir enfaticamente. É obrigatório alertar a população sobre a gravidade da situação e lançar uma campanha nacional massiva contra os incêndios e em defesa das florestas. Com o crime ambiental, deve-se ter tolerância zero. Também é urgente declarar um estado de emergência, semelhante ao que foi feito no Rio Grande do Sul durante as enchentes, para permitir o investimento necessário para enfrentar a tragédia, pois não pode faltar dinheiro para a preservação de florestas, rios e a defesa da vida. O desmatamento zero não pode ser um objetivo distante: deve ser imediato, com foco também no reflorestamento de áreas devastadas. Governos estaduais e municipais devem ser cobrados a igualmente agir. Por fim, é urgente uma força-tarefa nacional para a garantia da saúde da população em dias tão difíceis.
A tragédia ambiental afeta a todos, mas são as massas trabalhadoras que mais sofrem com suas consequências. Enquanto enfrentam condições extremas, como o ar tóxico em São Paulo, que tem a pior qualidade do mundo, as pessoas comuns continuam a trabalhar. Já os muito ricos podem se proteger em ambientes com ar-condicionado e purificadores de ar ou até mesmo se deslocar para outras cidades e países. A face mais perversa do capitalismo se revela na indiferença geral diante da catástrofe.
Se o poder público se omite ou age de forma insuficiente, é preciso que a ação venha da própria sociedade e da classe trabalhadora, inclusive para pressionar o governo a tomar medidas eficazes. Em outras palavras, é necessário haver organização popular e luta pela preservação ambiental, conforme a Coalizão pelo Clima está indicando para o próximo dia 22 de setembro.
O Brasil tem uma longa história de luta ambiental, com séculos de esforços dos povos indígenas e tradicionais. Agora, temos desafios inéditos. As razões para nos mobilizarmos são as mais simples: respirar, comer, viver.