Maioria da bancada do PSOL colabora com ajuste fiscal contra os mais pobres
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Maioria da bancada do PSOL colabora com ajuste fiscal contra os mais pobres

Parlamentares ligados à direção majoritária do partido votaram a favor de cortes em gastos sociais como o BPC e seguro defeso

Redação da Revista Movimento 16 set 2024, 13:04

Foto: Câmara dos Deputados

Na madrugada da última quarta-feira, foi aprovado o PL 1847/2024, que impõe cortes concretos no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a pessoas idosas e com deficiência em situação de extrema pobreza, para financiar a desoneração da contribuição social devida por 17 setores econômicos. Em um movimento absolutamente condenável, o projeto reduz os já insuficientes recursos destinados à seguridade social para isentar o grande capital de suas obrigações fundamentais para o financiamento dessa rede de proteção.

O que torna essa situação ainda mais grave é a orientação favorável do PSOL ao projeto, apesar dos votos contrários de Sâmia Bomfim e Glauber Braga (a deputada Fernanda Melchionna também foi contra o projeto, mas está em licença maternidade). Lamentamos sinceramente ter que emitir esta nota, reconhecendo que este é um momento crítico para o nosso partido. No entanto, em respeito ao nosso compromisso com a classe trabalhadora e à história do PSOL, não podemos nos omitir. A defesa dos direitos dos mais vulneráveis sempre foi central em nossa luta, e, diante dos últimos acontecimentos, é necessário nos posicionarmos de maneira clara.

O Projeto de Lei 1847/2024 é uma resposta a uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional a isenção de 17 setores empresariais de suas contribuições à Previdência, por não haver compensação fiscal adequada — seja por cortes de gastos ou aumento de tributos, conforme exigido pela legislação orçamentária. O STF, no entanto, concedeu um prazo ao Legislativo e ao Executivo, que se esgotou em 11 de setembro, para apresentarem a compensação necessária. E qual foi a escolha? Entre outras medidas, optaram por uma significativa redução dos gastos sociais, especialmente com o BPC e seguro defeso, este último pago a pessoa que sobrevive da pesca artesanal, durante o período em que não puder realizar suas atividades.

Com isso, o BPC ficou novamente exposto a mais um ataque. É crucial destacar que o Benefício de Prestação Continuada está sendo estruturalmente ameaçado pelo Novo Arcabouço Fiscal.

Isso ocorre porque o Novo Teto de Gastos é fundamentalmente incompatível com os pisos constitucionais de saúde e educação, bem como com a garantia de um salário mínimo tanto para o BPC quanto para a previdência social, especialmente em um cenário de valorização real do salário mínimo. Essa incompatibilidade matemática é amplamente reconhecida pelo próprio governo, sem margem para questionamentos. Para garantir a sustentabilidade do Novo Teto de Gastos, tanto o Ministério do Planejamento quanto o Ministério da Fazenda não só conduzem estudos visando a redução das garantias constitucionais dos gastos mínimos em saúde e educação, como também têm defendido publicamente a proposta de que os beneficiários do BPC passem a receber menos de um salário mínimo.

Nesse sentido, a Ministra Simone Tebet e outros representantes do Ministério do Planejamento defendem que o valor do BPC seja inferior ao salário mínimo e/ou que a idade mínima para recebê-lo seja elevada de 65 para 70 anos. Segundo o Ministério, estudos estão em andamento para viabilizar essas mudanças. Essas ideias ainda não prosperaram. Editorial recente do “O Globo” endossou que mudanças como essas devem ser feitas pelo governo Lula. Uma proposta praticamente idêntica foi perseguida pelo governo Bolsonaro durante a reforma da previdência de 2019, mas foi derrotada pela forte resistência social que denunciou a perversidade e o retrocesso social que a medida implicaria.

O Ministério do Planejamento, ao alegar que os beneficiários do BPC não possuem “mérito” social para receber um salário mínimo ou ter acesso ao benefício aos 65 anos, como os demais trabalhadores, ou ao insinuar que são potenciais grandes fraudadores do sistema tributário brasileiro, como sugere o PL 1847/2024, está, na verdade, direcionando seus ataques aos grupos mais oprimidos e marginalizados pela lógica do sistema capitalista. No caso das pessoas idosas, o alvo principal são as mulheres negras. Já no caso das pessoas com deficiência, o ataque atinge diretamente aqueles que, além de enfrentarem barreiras físicas e sociais, vivem em situação de extrema pobreza.

Vale destacar que mulheres são a maioria tanto entre os aposentados por idade quanto entre os beneficiários do BPC. Mulheres negras, em particular, são 2 em cada 3 pessoas que não conseguem trabalhar porque precisam cuidar de outras pessoas ou da casa.
Enquanto os Ministérios da Fazenda e do Planejamento ainda não conseguem implementar um ataque definitivo e estrutural ao BPC, optam por medidas intermediárias, como o chamado pente-fino. Duas portarias foram publicadas pelo governo neste sentido em julho. Em resposta a essa ofensiva, as deputadas Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e o deputado Glauber Braga apresentaram um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para tentar derrubar essas portarias e questionar os cortes.

Agora, essas portarias foram incorporadas ao Projeto de Lei 1847/2024, oferecendo ainda mais garantias ao grande capital de que os ataques ao BPC serão permanentes e estruturais, em conformidade com as exigências de compensações fiscais para viabilizar a continuidade da desoneração da folha de pagamento. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, incluiu no PL 1847/2024 cortes no BPC e no Seguro Defeso como contrapartida à desoneração, e ainda abriu brechas para futuros decretos que possam revisar quaisquer benefícios administrados pelo INSS, como a aposentadoria por invalidez, ampliando significativamente o alcance dessas medidas.

De acordo com a estimativas do próprio governo, os gastos com o BPC deverão ser reduzidos em cerca de R$ 6,6 bilhões com esse pente-fino, valor que representa menos da metade do impacto estimado da desoneração, segundo projeções do Ministério da Fazenda. Esse corte afetará diretamente 670.413 pessoas em 2025.
As mesmas forças políticas que isentam poderosos setores econômicos da obrigação de pagar suas contribuições sociais são os que argumentam que idosos em extrema pobreza e pessoas com deficiência, também em situação de miséria, não deveriam ter o direito de receber um salário mínimo. Os mesmos que renovam a desoneração da folha para setores com dívidas bilionárias junto à União, aprovam um pente-fino sobre o BPC sob o pretexto de combater uma suposta grande fonte de fraudes.

Sob direção da tendência Revolução Solidária, o PSOL orientou sim neste PL, contribuindo com o ajuste fiscal em cima de idosos e portadores de deficiência nas condições de extrema vulnerabilidade e nos pescadores artesanais. Aliás, foi bastante revelador os argumentos usados na orientação durante a votação. Afirmando que desoneração é Justiça Tributária, que desfinanciar a previdência com desoneração fortalece a previdência e, pior, que contribui com o “equilíbrio fiscal” (!?). Evidenciando como uma política adesista e acrítica é capaz de endossar qualquer medida vinda do governo, mesmo quando se fere bandeiras históricas do partido.

Além disso, durante a votação em plenário, o setor majoritário do PSOL decidiu retirar os destaques da bancada que poderiam demarcar um debate político sobre a matéria, para evitar que a aprovação da matéria extrapolasse o prazo limite definido pelo STF.

Reafirmamos nosso compromisso inabalável com a defesa dos direitos da classe trabalhadora e dos mais vulneráveis. A aprovação do PL 1847/2024 representa um ataque direto a esses direitos, e, por isso, nos posicionamos de forma clara contra as medidas que sacrificam a seguridade social em benefício do grande capital.


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Pedro Micussi