Surrealismo: 100 anos
a-persistencia-da-memoria-de-salvador-dali-og

Surrealismo: 100 anos

O Manifesto do Surrealismo foi apresentado em outubro de 1924 por André Breton

Eduardo Lucita 15 set 2024, 08:00

Imagem: A persistência da memória (Salvador Dali, 1931)

Via Viento Sur

O próximo mês marcará o 100º aniversário do que é considerado o momento de fundação do movimento surrealista. Foi em outubro de 1924 que André Breton, o pai do movimento, apresentou em forma manuscrita o Manifesto do Surrealismo.

Em 1º de outubro de 1924, foi publicada a primeira edição da revista Surrealism contendo um manifesto, mas o manuscrito de Breton, lançado no dia 15 do mesmo mês, é considerado o Primeiro Manifesto do Surrealismo, que levou à primeira cisão do movimento em construção. Cinco anos depois, foi escrito o Segundo Manifesto, que já evidenciava um conteúdo político claro e polêmico.

Em 2017, o Ministério da Cultura da França recuperou o Manifesto original para o patrimônio público e o declarou um “Tesouro Nacional”.

Atualmente, o Centro George Pompidou, em Paris, em comemoração ao centenário, montou uma megaexposição em forma de labirinto, com mais de 500 obras e documentos. Como comenta o jornalista cultural Álex Vicente, “os criadores de hoje estão mais uma vez defendendo os ensinamentos do surrealismo: o poder do maravilhoso e do poético como uma arma para a sobrevivência em um mundo à deriva”.

Realidade absoluta, irrealidade

De acordo com Breton, o surrealismo “é um ditame do pensamento, sem a intervenção reguladora da razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral”. Em seu manifesto, ele apresenta a “escrita automática” como aquela que realmente expressa o pensamento sem barreiras, que favorece o desenvolvimento da imaginação e propõe dispensar reflexões e análises racionais “… que distorcem o produto do pensamento puro”. Ao mesmo tempo, ele atribui grande importância ao poder das imagens e dos sonhos, que muitas vezes combinam visões muito lúcidas com verdadeiros absurdos….

É outra maneira de ver a realidade. “Uma realidade absoluta, uma irrealidade”, que deu origem a um movimento que se opunha firmemente à mecanização da sociedade. O surrealismo foi forjado como um pensamento ancorado na literatura, mas logo se espalhou para outras expressões de arte, como o cinema (Luis Buñuel), a arte plástica (Salvador Dalí) e a música (John Cage). Ele tentou transcender os limites da arte para invadir os próprios problemas da vida e da sociedade. Assim, o surrealismo se tornou uma verdadeira concepção do mundo, e sua influência foi e continua sendo fundamental em todos os esforços de renovação no campo da cultura.

O movimento nasceu em Paris no período entre guerras, com o ímpeto inicial vindo de um grupo de jovens que logo se juntou a muitas mulheres. Naqueles anos, a Cidade Luz era o epicentro de uma intelectualidade renovada que era muito ativa em todas as expressões artísticas e literárias no que foi chamado de “Os Anos Loucos” e que o escritor Ernest Hemingway descreveu em “Paris era uma festa”. Mas também foi o período da ascensão da direita nazista e fascista. Hitler na Alemanha, Primo de Rivera na Espanha. Mussolini na Itália, Oliveira de Salazar em Portugal…, a morte de Lênin deu lugar à ascensão de Stalin na Rússia Soviética. Foi nesse contexto que surgiu o surrealismo, que rapidamente se tornou universal, dando origem a um movimento verdadeiramente internacionalista que exerceu forte influência durante a maior parte do século XX. Embora tenha se dissolvido formalmente em 1969, ele ainda está em vigor como uma forma de pensar e ver a vida de uma maneira diferente. De acordo com o diretor do Centro de Estudos Surrealistas do México, Ricardo Echávarri, o movimento “é a vanguarda poética mais importante durante o período entre guerras e o movimento poético mais fértil da era contemporânea em todo o mundo”. Para o filósofo e sociólogo Michael Lowy, ele constitui “…uma visão de mundo, um modo de vida e uma tentativa eminentemente subversiva de mudar o mundo”. Uma confluência entre a aspiração utópica e revolucionária de Marx para transformar o mundo e a paixão poética de Rimbaud para mudar a vida.

Politização

A revolução necessária proposta pelo movimento em suas origens estava centrada no movimento artístico, na arte em geral. O Segundo Manifesto (final de 1929) é um texto programático altamente político e polêmico, o que o distingue do Primeiro Manifesto. Nele, Breton tenta explicar por que o Surrealismo teria implicações políticas com a necessária revolução social. O fato é que o movimento já havia mostrado sinais de politização em 1925, com fortes críticas às guerras, à Igreja Católica e pela liberdade de prisioneiros e loucos. Ele estava se definindo cada vez mais pela revolução marxista e pelo comunismo, e vários de seus membros, liderados pelo próprio Breton, juntaram-se ao PCF. Alguns de seus membros assimilaram a lógica política do movimento comunista internacional totalmente controlado pelo stalinismo, mas Breton e outros não duraram muito. Eles foram expulsos pela liderança do PCF e, a partir de então, aproximaram-se do trotskismo.

Em 1938, Breton foi convidado a dar uma série de palestras no México, patrocinadas pelo Ministério das Relações Exteriores da França. Sua palestra mais importante foi no Palacio de Bellas Artes para ler o artigo “Perspectivas do surrealismo” e liderar leituras de poesia.

Por meio de Frida Kahlo e Diego Rivera, ele conheceu Leon Trotsky. Após três meses de discussões e trocas de notas, nas quais eles compartilhavam sua oposição ao nazismo e ao stalinismo e reivindicavam liberdade absoluta para a arte em relação aos aparatos estatais e políticos, eles concordaram em elaborar um documento conjunto: o Manifesto para uma Arte Revolucionária Independente (MARI). O texto foi escrito por Breton e revisado e corrigido por Trotsky. Sabe-se que um parágrafo do original: “Licença total na arte, exceto contra a revolução proletária”, escrito por Breton, foi corrigido por Trotsky, que excluiu diretamente a última frase do parágrafo. O artista deveria se politizar, mas não sua arte. Por motivos de tática política, o revolucionário russo preferiu que a assinatura de Rivera acompanhasse a de Breton.

O MARI foi escrito em uma época em que os tambores da guerra prenunciavam o que seria desencadeado um ano depois. Um momento que Víctor Serge caracterizou na época como a “Meia-noite do século”. O manifesto seria a linha de partida para a Federação Internacional de Arte Revolucionária Independente (FIARI), uma organização que buscou se expandir rapidamente em vários países, mas que, devido a problemas políticos e organizacionais, teve vida curta.

Para Lowy e o historiador Horacio Tarcus, o manifesto se tornou um instrumento indispensável para “…pensar sobre a relação entre arte e política e continua a nos surpreender com sua marca libertária, seus cruzamentos com a psicanálise e a discussão, ainda em aberto, sobre o que é possível fazer em termos de arte sob as condições do capitalismo”.

Há uma anedota que me foi contada várias vezes, com diferentes nuances, que é muito específica para o assunto que estamos descrevendo. Eu a reconstruo da seguinte forma: Breton entrou no México pelo porto de Veracruz, onde foi detido por várias horas pelas autoridades de imigração, que confiscaram seu passaporte e sua bagagem, o que foi uma afronta, já que ele era quase um convidado oficial patrocinado pelo governo francês. Tudo lhe foi devolvido dias depois. Rivera o hospedou em sua casa na Cidade do México. Surpreso com o refinado e variado artesanato mexicano, ele encomendou a um carpinteiro local a confecção de uma mesa artesanal, dando-lhe um desenho do que queria como guia. Poucos dias depois, o carpinteiro retornou com o trabalho encomendado, com uma beleza e um acabamento refinado dignos do melhor marceneiro. Uma mesa de três pernas com diferentes alturas, o que a transformou em uma espécie de abstração de móveis. Quando Breton lhe perguntou: “O que você fez? O que você desenhou”, respondeu o carpinteiro. É claro que o desenho estava em perspectiva e ele o fez exatamente como o esboço…

Quando Breton deu sua palestra, “Perspectivas do Surrealismo”, no Museu de Belas Artes, ele contou o que havia acontecido com ele desde que entrou no país. Seu tratamento pelas autoridades de imigração, apesar de ser um convidado oficial, e depois o episódio com o carpinteiro, e ele começou seu discurso dizendo: “Vim aqui para falar sobre surrealismo, mas vocês são os surrealistas”. Em seguida, ele escreveu: “Não tente entender o México com a razão, você terá mais sorte com o absurdo. O México é o país mais surrealista do mundo”.

Surrealismo, talvez uma maneira irreal de ver a realidade sob o governo anarcocapitalista de Javier Milei.


TV Movimento

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.

Desenvolvimento Econômico e Preservação Ambiental: uma luta antineoliberal e anticapitalista

Assista à Aula 02 do curso do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento. Acompanhe nosso site para conferir a programação completa do curso: https://flcmf.org.br.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 17 set 2024

O Brasil está queimando

As queimadas e poluição do ar em todo país demonstram a insuficiência das medidas governamentais e exigem mobilização popular pela emergência climática
O Brasil está queimando
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 53
Nova edição da Revista Movimento debate Teoria Marxista: O diverso em unidade
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate Teoria Marxista: O diverso em unidade