A necessidade da esquerda dizer seu nome
Para construir um polo político revolucionário é necessário apresentar uma crítica anticapitalista radical
Foto: BdF/Reprodução
As forças da chamada esquerda apresentaram proposições mais à esquerda apenas no segundo turno das eleições. Isso, óbvio, quando tiveram a chance dos dois turnos. Aliás, nem todas fizeram isso. O candidato do PT de Cuiabá foi tão conservador quanto o candidato da direita, incluindo o combate ao aborto e ao que chamam de ideologia de gênero. Mas em São Paulo e Porto Alegre, o discurso ameno do primeiro turno – tanto Boulos quanto Maria do Rosario insistiam na sua carreira de professores preocupados com o amor e o diálogo – deu lugar a um confronto maior, uma centralidade muito mais contundente das denúncias contra a corrupção, as privatizações e o desmonte dos serviços públicos, marcas das gestões neoliberais de Nunes e Melo, respectivamente.
Aliás, Boulos teve de adotar uma atitude mais firme já no final do primeiro turno, pressionado por Marçal, que capitalizou a indignação contra o sistema. Maria acabou perdendo espaço para Juliana, que embora muito mais fraca, ensaiou um pouco mais de críticas e chegou perto da candidatura de Maria.
Os candidatos da chamada esquerda foram todos, a bem da verdade, candidatos do sistema. Não faltou, ademais, a tentativa desesperada de Boulos para tentar mudar a sorte do segundo turno ao conceder entrevista a Marçal, ajudando, na prática, a legitimá-lo como parte do jogo eleitoral legal. Safatle resumiu as coisas dizendo que a esquerda perdeu a chance de ressuscitar. Embora com certo exagero, o que logo diremos, Safatle tem razão.
Mas a esquerda corresponde a que partidos? A definição mais comum é incluir o PT, o PC do B, o PSOL. Outros chegam até o PDT, passando por Rede e PSB, sendo no seu extremo o PSTU, como fez a Folha de SP. Mas se a esquerda fosse um leque tão amplo, deveríamos reforçar e agregar o conceito de extrema esquerda, que pode incorporar desde o ultra esquerdismo, como Lenin denominava os setores sectários, até setores que têm uma posição de esquerda revolucionária. Neste caso, há uma variedade de forças anticapitalistas, boa parte delas atuando no interior do PSOL.
Pela nominação da Folha, o centro se resume aos partidos burgueses, boa parte deles do chamado centrão, começando pelo MDB e PSD. O quadro da Folha segue abaixo.
Numa visão que me parece mais próxima da real intervenção, o centro deveria incluir o PDT e o PSB. Nesse caso, poderiam ser chamados de centro esquerda. Mas não é o caso de definir também assim o PT? A diferença, no caso do PT, é sua origem no interior do movimento operário, que lhe confere uma característica própria. Sua origem, a composição de suas correntes internas e parte importante de sua base social permitem que seja denominado de esquerda. Mas, devo repetir mais uma vez, seria importante definir a existência de uma extrema esquerda que não se limite aos grupos e partidos ultra esquerdistas no sentido definido por Lenin. Se formos definir como de esquerda as posições que pregam a crítica ao capitalismo, o PT ainda se mantém nesse terreno, embora sua crítica hoje seja muito superficial, mais assinalando alguns efeitos negativos do que questionando o próprio sistema. Até mesmo uma parte importante da direção do PSOL se adaptou nesse sentido, vide o governo de Edmilson em Belém e a campanha de Boulos em SP, cuja marca foi a linha gerencial. Na Argentina, o peronismo é definido como centro esquerda, e a esquerda é reconhecida sobretudo pelos grupos trotskistas. De toda forma, é certo que o PT, ainda que não seja reconhecido pelo opinião pública como de centro esquerda, tem essa orientação como majoritária e caminha nessa direção.
Definindo esquerda de modo mais amplo, podemos dizer que são os setores que defendem uma pauta ligada ao combate contra as desigualdades e à soberania popular nas decisões, enquanto a direita defende o capitalismo e considera a desigualdade natural e que deve ser compreendida como resultado dos méritos individuais diferenciados. Já a extrema direita, tem como marca o combate às instituições burguesas que conferem algum direito coletivo, alguma regulação da exploração e, sobretudo, estrategicamente falando, as organizações do movimento de massas, seus partidos e sindicatos etc.
O que fazer para que a esquerda não seja definitivamente enterrada, já que alguns declaram já sua morte? Afirmar as posições de esquerda. E, nesse sentido, os alertas de Safatle são válidos. Nessas eleições, essas posições não existiram na disputa, ou pelo menos foram muito limitadas, porque ou o PSOL foi cabeça de chapa adotando a linha, o discurso e o programa do PT, como fez em SP, ou foi vice do PT, como em Porto Alegre. Nesse ponto, é preciso que se diga que, se as posições de esquerda consequente não forem afirmadas, nunca teremos um polo antissistema de esquerda. Pode a relação de forças não ser favorável, mas se tais posicionamentos não forem defendidos, nunca se irá trabalhar para alterar a relação política de forças. Isso não significa negar o risco da extrema direita. Mas sempre que se puder, em eleições de dois turnos, é útil a esquerda apresentar sua política. É preciso levar isso em conta nas definições da tática no próximo período.
Assim, ainda que sigamos reivindicando a unidade nessas eleições, porque, sem alianças, as chances da direita vencer no primeiro turno seriam muito maiores (Melo não levou no primeiro turno por menos de 2 mil votos, por exemplo), não se pode desconsiderar a necessidade da aparição e da apresentação para amplas massas de uma crítica radical ao sistema. Sem isso, o processo de politização em curso na sociedade brasileira perderá um canal vital para que se possa desenvolver um polo crítico e revolucionário.