‘Eu quero ser pedra no sapato mesmo’
Primeira vereadora do PSOL eleita em Curitiba, a professora Angela Machado fala sobre os desafios a enfrentar em um parlamento tomado pela direita e extrema direita
Foto: Felipe Roehrig/Divulgação
Foi preciso esperar alguns dias para entrevistá-la. Angela Alves Machado, 47 anos, é professora da rede pública do Paraná há 26 anos, atuando 44 horas semanais. Além das aulas de História que ministra – e de Ensino Religioso e Projetos de Vida, que caíram em seu colo após a Reforma do Ensino Médio – ela agora tem de lidar com os compromissos que antecedem sua posse como vereadora em Curitiba. A professora, que recebeu 6.294 votos nas últimas eleições, será a primeira vereadora do PSOL da história da cidade.
Ela não é uma desconhecida da população local. Militante da causa da Educação, em 2015 ela participou da grande greve do magistério paranaense reprimida duramente pela Polícia Militar. Uma foto de Angela à frente da Tropa de Choque na manifestação se tornou um símbolo da coragem da categoria e do descaso do então governador Beto Richa com os direitos e a integridade dos docentes da rede pública.
O episódio a fez decidir entrar de cabeça na política. Ainda em 2015, filiou-se ao PSOL, onde atua tanto no coletivo Juntas, quanto no Emancipa. Promete defender as bandeiras da Educação e do feminismo, além de todas as questões que envolvam os direitos e necessidades da classe trabalhadora – isso diante de um parlamento altamente conservador.
“Sabemos que eles vão tentar dificultar ao máximo o nosso trabalho, mas a gente também vai dificultar o deles. Acho que é para isso que fomos eleitos. A única satisfação que eu devo é para essa classe trabalhadora que me elegeu, para os meus eleitores. Para eles eu quero ser pedra no sapato mesmo”, afirma Angela.
Confira a seguir trechos da entrevista com a vereadora eleita:
Revista Movimento – Há um momento marcante em sua trajetória como professora, que foi durante uma greve dos professores estaduais do Paraná. Uma foto sua enfrentando a tropa de choque estampou jornais de todo o país. Como foi esse episódio?
Professora Angela – Em 2014, fizemos uma grande greve aqui no Paraná, mas em 2015 houve uma greve muito maior que, em 29 de abril daquele ano estourou para a mídia nacional, mas que havia iniciado em fevereiro, quando fizemos a ocupação na Assembleia Legislativa do Paraná (LEP), porque estava sendo confiscada a nossa previdência. A votação desse projeto seria em 29 de abril, mas nos três dias que antecederam essa data, o governador [Beto Richa], e o secretário de segurança [o deputado federal cassado Fernando Francischini], mandaram cercar toda a praça. Porque aqui em Curitiba tem uma praça onde ficam a prefeitura, o palácio do governo, a Assembleia Legislativa e tudo isso tinha sido tomado por policiais. Eles estavam fortemente armados, jogando jatos de água. Havia snipers em cima dos prédios, helicóptero jogando bomba de efeito moral, gás lacrimogêneo. Tudo o que você possa imaginar, cachorro, cavalo, tudo. E nós sabíamos que nessa tentativa de ocupação da Assembleia enfrentaríamos uma forte violência, mas eu não sabia que seria nesse nível. Ingenuamente, eu achava “a gente vive numa democracia, né?” Eles vão até jogar alguma bomba, alguma coisa, mas eu não achava que seriam duas horas e meia de bombas, e que, enfim, viria a se tornar um dos cenários mais tristes e marcantes daquele ano. E na foto, eu apareço à frente da tropa de choque que, quando estava acabando a votação, começou a avançar para cima dos manifestantes. Essa foto ficou bastante conhecida.
Revista Movimento – O que mudou na sua vida depois disso?
Professora Angela – A partir daí eu senti uma necessidade de me organizar, militar organizadamente, estar num partido político, até mesmo porque vários partidos começaram a me procurar, queriam saber quem era aquela professora e tal. E aí eu vi que realmente eu precisava me organizar e procurei o PSOL. Não foi o PSOL que me procurou, eu o procurei porque achei que tinha que estar num partido sim, mas num partido que carregasse as bandeiras que eu acreditava. Não poderia ser qualquer partido. Então, me filiei já em 2015, e em 2016 já saí candidata, fui bem votada, porém o PSOL não fez o coeficiente mínimo para eleger. E, segui no PSOL, construindo o partido, que diminuiu bastante de tamanho [nos anos seguintes], com a saída de dirigentes, o Renato Freitas se desfiliou, foi para o PT. Muita coisa aconteceu. Veio o golpe da Dilma e a esquerda aqui em Curitiba ficou bastante fragilizada. Mas segui acreditando que a gente tinha que fazer esse partido crescer e ter viabilidade política. Então, eu acho que um pouco da minha trajetória é isso, sabe, de sair do papel de uma professora que está na lutando pelos seus direitos, que entende que a educação é um bem maior, militante da educação e que entra na política.
Revista Movimento – Como em todo o Sul do Brasil, o Paraná sofreu com o avanço da extrema direita. Qual é o cenário político atual em Curitiba?
Professora Angela – Bom, Curitiba é curioso porque, por um lado, a gente tem movimentos sociais grandiosíssimos, como o movimentos por moradia. Foi aqui que começaram as ocupações das escolas em 2016, por exemplo. Teve um movimento que nasceu quando o Temer assumiu e fechou o Ministério da Educação, o Cultura Resiste. No Paraná nasceu o MST. Os próprios professores, no 29 de abril, que resistiram a duas horas e meia de bomba, de bala. Então, tem todo um histórico de luta. Porém, nós temos também uma direita conservadora, e que nessas eleições, inclusive, teve vários outsiders, tanto a prefeitura como vários influentes concorrendo a vereador pela extrema direita que se elegeram. Então, o cenário é esse, mas eu também acho que tem espaço para uma esquerda que não tem vergonha de dizer seu nome. Uma esquerda que não rebaixa seu programa, que não esconde suas bandeiras. Tem espaço para isso, tanto é que fui eleita vereadora nesse mesmo cenário.
Revista Movimento – Que avaliação a senhora faz da eleição para a prefeitura, que deu a vitória para Eduardo Pimentel (PSD), enquanto a grande aposta da “esquerda”, Luciano Ducci (PSB), sequer foi ao segundo turno?
Professora Angela – Aqui em Curitiba foi feita uma frente ampla que não convenceu ninguém. O Ducci, que era o representante da esquerda em Curitiba, não encantou ninguém. Nós, do PSOL, lançamos candidatura própria, não rebaixamos nosso programa, mas o PT, por exemplo, apoiou o Ducci, num resgate de uma direita carcomida, da mais velha política que existe, e queriam enfiar a goela abaixo das pessoas como se fosse de esquerda. E as pessoas, obviamente, não se encantaram. Nem a própria base petista fez campanha para o Ducci. Então, eu acho que quando acontece isso, dá mais espaço para a direita, para a ultradireita, crescer. Porque, afinal de contas, eu acho que eles pensam: “Que diferença faz um Ducci ou um Pimentel?”. Pouca diferença fazia. E a gente teve uma outra surpresa na eleição, que foi a Cristina Graeml (PMB) . Até 15 dias antes do primeiro turno a gente não sabia de todo o potencial que ela tinha e ela foi para o segundo turno, desbancando o candidato apoiado pelo PT. Creio que para o PSOL isso provou que não temos que rebaixar o nosso programa, esconder as nossas bandeiras. Apostar nessa radicalidade, para nós, foi fundamental. Na minha campanha, fomos para as ruas, falamos no cara a cara com as pessoas, dizendo que eu era professora, que eu era socialista, e as pessoas votaram sabendo em quem estavam votando
Revista Movimento – A esquerda – ou os partidos progressistas – elegeu quantos vereadores? Professora Angela – Sete. Dois mais envergonhados, que não se dizem de esquerda, se dizem apenas progressistas, e outros cinco que se dizem de esquerda mesmo. Parece pouco, mas é a maior bancada que Curitiba já elegeu. A Câmara de Curitiba teve uma renovação de 52%, também elegeu a maior bancada de mulheres, 12 de 38. Mas também não quer dizer boa coisa, porque nessa renovação saíram alguns pastores, alguns dessa velha política, mas entraram influencers, pessoas ligadas a extrema direita ao MBL – que, inclusive, durante a campanha, perseguiram a nossa candidatura, faziam vídeos perseguindo a gente, falaram mal de nós nas redes sociais. E, dessas mulheres, cinco são progressistas. As outras são de direita ou da extrema direita.
Revista Movimento – Gostaria que você falasse das tuas bandeiras. Quais pautas você vai defender?Professora Angela – Bom, por óbvio, eu sendo professora, uma das principais bandeiras é a da educação. Quero muito fazer parte da Comissão de Educação, não sei se vai ser possível… Mas, para além disso, Curitiba tem várias outras demandas. Temos a tarifa de ônibus mais cara do Brasil, R$ 6. O transporte público aqui é um grande calo, a cidade precisa de outros modais, e ano que vem tem licitação para o transporte público. Tem também um novo plano diretor para a cidade a ser definido no ano que vem. Hoje, Curitiba tem mais de 400 ocupações, então o problema da moradia é muito sério, e embora haja movimentos de resistência bastante ativos, são questões emergenciais e a gente precisa estar lutando por tudo isso. Fazem vídeos a meu respeito falando que eu sou abortista, que eu defendo a Palestina, que eu defendo a Marielle, e eu digo: não sei se é fã ou hater, porque se isso é algum defeito… Mas essas são nossas bandeiras, sim, como tudo o que diz respeito a classe trabalhadora, a 99% da população que precisa de políticas públicas. É por eles que a gente vai trabalhar. A gente tem lado, é o lado da classe trabalhadora.
Revista Movimento – Qual sua expectativa para esse início de mandato?
Professora Angela – Não sei… Eu brinco aqui que eu sou boa de fazer campanha, modéstia a parte. Tenho uma equipe maravilhosa, militantes muito abnegados. Devo tudo a eles. Minha vitória, que não é só minha, é nossa. Então eu sou boa de campanha, mas mandato eu nunca tive. A gente vai saber na prática do ano que vem em diante. Sei que o desafio vai ser gigantesco. Como eu disse, o cenário de extrema direita que vai compor essa Câmara, então sabemos que eles vão tentar dificultar ao máximo o nosso trabalho, mas a gente também vai dificultar o deles. Acho que é para isso que fomos eleitos. A única satisfação que eu devo é para essa classe trabalhadora que me elegeu, para os meus eleitores. Para eles eu quero ser pedra no sapato mesmo. Então pode ser que eu não tenha uma vida fácil lá. Pode ser que eu não consiga aprovar meus projetos, que eles não deixem nem chegarem a ser votados, mas que eles também vão ser espezinhados, eles também vão ter que prestar contas, também vão ter que se expor, também vão ser vidraça o tempo todo. Acho que é isso que espera também do mandato de esquerda. Temos esse grande desafio que é mostrar uma outra forma de fazer política, mas eu acho que a gente tem coragem para enfrentar tudo isso. Estamos com muita vontade de apresentar para Curitiba uma nova forma de lidar com a política.