Notas para um balanço do 2º turno eleitoral
Eleições 2018 - Primeiro turno

Notas para um balanço do 2º turno eleitoral

Documento de balanço eleitoral da Executiva Nacional do MES/PSOL

Executiva Nacional do MES/PSOL 1 nov 2024, 10:29

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

É correto definir a eleição como “espelho distorcido da realidade”. Em uma eleição municipal, os elementos dessa distorção se avolumam com leis próprias, debates locais e múltiplas circunstâncias nas diferentes disputas em 5569 cidades. Após os dois turnos, se consolidaram certas tendências que desenvolvem o debate sobre os rumos da esquerda no país.

O resultado eleitoral no Brasil foi afetado pela situação política geral, inclusive na esfera internacional. Os elementos que atuam sobre a realidade passam também sobre o que virá em alguns terrenos: a ofensiva de guerra de extermínio que Netanyahu impõe sobre os povos palestinos e libaneses; o resultado das eleições de 5 de novembro nos Estados Unidos, onde uma vitória de Trump representaria um retrocesso na relação de forças política em geral e um grito de vitória para a extrema direita de todos os países. De outro lado, Milei quer encerrar o ano como pivô da articulação regional da extrema direita, se defrontando num importante teste de força com a mobilização estudantil em curso que nossa corrente acompanha “in loco”.

A situação social do país é outro elemento importante. Com poucas lutas sociais e passividade na direção do movimento de massas, a relativa estabilidade econômica é um dado que também omite as maiores contradições que estão por se desenvolver. O efeito imediato da vitória do chamado “centrão”, como já está se verificando na imprensa, é uma pressão maior sobre o governo em direção ao centro, combinada com um fortalecimento dentro da oposição de direita de hipóteses para além do bolsonarismo.

A campanha mais cara da história do país e suas condições

A marca da campanha foram os recursos para a definição da vitória de candidatos,  seja de forma direta no maior fundo público destinado para tanto (no valor total de 5 bilhões),  seja de forma indireta com recursos estatais sendo controlados pelas prefeituras, o que dá lugar ao que chamamos de “máquina pública” através das emendas pix, do orçamento secreto, entre outros.

Dos 20 candidatos à reeleição, nas capitais, 16 foram eleitos.  Esse número é ainda maior nas grandes cidades que tiveram segundo turno. Isso explica o conjunto do enquadramento político mais pela via do “Estado” do que da “sociedade”, que teve poucos canais para expressar suas demandas. Assim pesam as máquinas, os milhares de cargos de confiança, empresas terceirizadas que organizam o espaço público, apoio de chapas de vereadores.

A campanha de 2024 esteve nos marcos de uma crise de hegemonia, de representação, como afirmou Gramsci, que caracterizamos que marca o último período. A representação política tradicional da burguesia, através de seus partidos como o PSD e MDB, começa a recompor melhores condições para uma representação mais coerente de seus interesses, buscando espaços para sair da polarização PT- Bolsonaro, predominante no cenário nacional.

Se por um lado, Bolsonaro sai com mais dificuldades de consolidar uma hegemonia (apesar de ganhar musculatura), o PT também colhe magros resultados, sendo derrotado em muitas cidades (veremos mais à frente). O outro partido-símbolo do regime de 1988, o PSDB, consegue ilustrar melhor e mais facilmente sua decadência, caindo para 272 prefeituras. O coração da crise de ambos os partidos (PT e PSDB) é expresso em São Paulo, onde o PT sofreu sua maior derrota e o PSDB saiu de 173 prefeituras (o partido que mais tinha prefeituras) para 21, em apenas quatro anos.

O efeito colateral desse quadro gerou uma enorme despolitização da disputa, mesmo que por detrás da discussão, os dois polos principais da política do país, com Lula e Bolsonaro à frente, eram parte da coordenação da luta política. Vale lembrar que o PT e o PL receberam os maiores fundos eleitorais.

Os resultados do PT e do campo de seus aliados e os de Bolsonaro indicam um novo capítulo dessa crise: as maiores forças vencedoras da eleição (o dito “centrão”, na verdade o PSD e o MDB) não têm correspondência mecânica e imediata com esses dois polos. Este novo polo já incide sobre a conjuntura com uma linha de cobrar menos gastos públicos e mais ajustes, para qual o movimento de massas deve preparar o combate.

 O segundo turno confirmou as tendências incipientes do primeiro

O segundo turno confirmou, com 52 cidades, dentro das 103 que possuem mais de 200 mil eleitores, as tendências iniciais que notamos no primeiro turno. Por óbvio, numa eleição desse tamanho, ressalvas e exceções tem o seu lugar, contudo, retomamos o documento escrito a 11 de outubro para definir as tendências.

a)       Tendência favorável às reeleições;

b)      Vitória do Centrão (PSD e MDB, sobretudo);

c)       Bolsonarismo aquém do projetado;

d)      Eleição apática e sem mobilização social;

e)      Derrota do PT;

f)        As derrotas da esquerda abrem a necessidade de uma ampla reflexão sobre os caminhos;

Essas tendências foram reforçadas nos processos do segundo turno. Por exemplo, houve uma alta abstenção. Na cidade de São Paulo, foi a maior abstenção em 40 anos; se somarmos os votos nulos e brancos, em diversas cidades, com a abstenção, esse índice é superior a dos postulantes. Vale citar Porto Alegre, Belo Horizonte e outras.  O “não voto” em alguns lugares superou ou chegou perto dos índices da pandemia, onde as condições de participação estavam bastante mais comprometidas.

Os diferentes tons do “centrão” – MDB e PSD como vencedores

Sem dúvidas, os dois grandes partidos vitoriosos nessa eleição foram o MDB e o PSD. Contudo, é um erro apenas registrar isso sem dar qualidade para o processo. O centrão não é uma ‘corrente de centro’, mas sim um condomínio político marcado pelo fisiologismo, pelas desigualdades regionais e posições mais à direita em alguns temas. Ou seja, é preciso definir que há uma posição do pêndulo mais à direita, na agenda política. E que essa complexidade precisa ser determinada porque a maior parte das vitórias do “centrão” foi contra o bolsonarismo. 

O MDB teve três polos importantes: Melo e Nunes, que ganharam duas das principais batalhas contra a esquerda, em Porto Alegre e São Paulo; sem serem bolsonaristas, se aproximaram a partir da indicação dos vices, Ricardo Mello Araujo, ex- comandante da Rota em SP e Betina Worm em POA. Mesmo com apoio de Bolsonaro, Nunes fez questão de referenciar a Tarcísio como líder e falar em “derrota dos dois extremismos”, em alusão a Boulos e Marçal. O MDB venceu em Belém contra Eder Mauro e derrotou o PL em Santarém, afiançando ainda mais a hegemonia dos Barbalho, dentro do campo lulista, como referência para toda região amazônica. O MDB chegou a 854 prefeitos.

O PSD conquistou o maior número de prefeituras (897, no cômputo geral) e teve vitórias expressivas no segundo turno. A mais importante foi em BH, onde Fuad derrotou a aposta de Nikolas Ferreira, o deputado Bruno Engler. Numa federação de interesses, a máquina do PSD oscila com Kassab, por um lado, grande vencedor em SP (o partido ganhou a hegemonia, deslocando o PSDB e outros setores, em aliança com Tarcísio), com Ratinho Jr se fortalecendo muito no Paraná, onde seu candidato (Pimentel) venceu a outsider Cristiane Gramnel e controlando, com Paes e Fuad, duas das mais importantes capitais do sudeste. A vitória em BH abre caminho para Pacheco e representa uma derrota para Zema e para Kalil (que se deslocou à direita). O ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira também ganha projeção e voltará à carga para defender a exploração do petróleo a todo custo, apesar da crise ambiental.

Ainda em São Paulo, além de Kassab, o vice-governador Felicio Ramuth representa o PSD e teve uma vitória na sua cidade, São José dos Campos, com Anderson Farias superando o bolsonarista Cury. Em outras capitais, como Manaus e João Pessoa, o centrão, via outras legendas, teve vitórias importantes; David Almeida (Avante) aliado próximo do senador Omar Aziz (PSD) e Cícero Lucena (PP de Lira), respectivamente.

As duas consequências imediatas do resultado eleitoral, com a vitória desses partidos, são:

– Um centrão mais agressivo no parlamento, colocando com mais força suas pautas para o governo. Lula fica mais refém do PSD e cia;

– Uma nova situação no polo à direita, onde o PSD joga de outra parte para reforçar Tarcísio e Bolsonaro já não navega tão soberano e vê sua hegemonia menos sólida.

As derrotas do bolsonarismo. Um novo cenário à direita

O projeto de Bolsonaro e do PL ganhou musculatura, ampliou sua quantidade – seja em câmaras municipais ou projetando novas lideranças nas cidades, mas não deu um salto de qualidade.

Bolsonaro sai “menos líder” do processo eleitoral, onde entrou com condições delicadas e ambições maximizadas.  A busca por anistia o fez se aproximar dos setores mais “tradicionais”, tendo que negociar com outras legendas, processo em que o Republicanos também se moveu. A escolha de Porto Alegre e São Paulo respondeu a isso. Contudo, a outra parte do plano era construir “força própria” com seus melhores “soldados” disputando e polarizando grandes cidades. Por isso, suas derrotas no segundo turno foram tão caras.

Uma grande aposta bolsonarista era a candidatura de Ramagem, derrotada no Rio de Janeiro. Venceu com o caricato Abílio, um dos deputados golpistas em Cuiabá; mas mesmo no coração do agro e do Oeste, teve que encarar um segundo turno renhido. Em Aracaju, elegeu sua representante.  Bolsonaro apostou suas fichas em Goiânia, Fortaleza, João Pessoa, BH e Niterói, além de visitar pessoalmente Imperatriz no Maranhão e Aparecida de Goiás.

Mabel superou Fred Rodrigues e Bolsonaro perdeu em Aparecida. Não foram só derrotas “táticas”, visto que era um embate direto com o governador goiano Ronaldo Caiado, na disputa pela representação política de setores pesados do agro.  Seu ex-ministro Quiroga perdeu em João Pessoa; assim como o furioso deputado Jordy em Niterói. Em BH, também houve uma derrota importante da extrema direita.

Importante notar as divisões dentro do próprio agro. Além de Caiado, que  deu entrevista na Folha na segunda seguinte à eleição,  apontando para a necessidade de superar Bolsonaro, o candidato do PT em Cuiabá, Ludio, com seu discurso que negou as bandeiras históricas da esquerda, também teve apoio de setores pesados do agro, mostrando as nítidas divisões desse setor nuclear da direita brasileira.

Pela primeira vez desde 2019, Bolsonaro tem questionamentos mais diretos à sua liderança. Como no caso Marçal, que surpreendeu e não esperou a “ordem unida” do capitão, se provando outsider em São Paulo, ou Caiado, pela via do agro e da disputa do Centro-Oeste. Mesmo lideranças regionais que surfam no conservadorismo, como Ratinho Jr, terão mais autonomia relativa em relação ao PL e os bolsonaristas.

E é preciso acompanhar Tarciso. A declaração acerca do PCC para prejudicar a campanha de Boulos foi acintosa, mostra até onde ele está disposto a ir. Sua dobradinha com Kassab, que em SP saiu com amplo triunfo, projeta para seguir fazendo do estado um laboratório de um neoliberalismo de choque, com ênfase nas privatizações e nos ataques para quebrar a vanguarda e os setores mais organizados do movimento.

Por óbvio, não se pode subestimar o peso da extrema direita, que cresceu em alcance e volume de força, com a contradição do enfraquecimento relativo de Bolsonaro diante de outros competidores. As câmaras municipais terão setores conservadores maiores e mais agressivos, especialmente da área de segurança, como policiais, delegados e outros agentes, um dos setores mais perigosos onde a extrema direita penetra e se desenvolve. A questão da anistia volta à discussão no congresso e é uma das agendas mais importantes no final do ano, no imediato pós-eleitoral.

O que aconteceu com a esquerda?

Milhares de ativistas em todo país, além da grande imprensa e dos próprios dirigentes de partidos da esquerda estão debatendo os resultados eleitorais com a seguinte pergunta: o que ocorreu com a esquerda, que saiu tão mal do processo eleitoral? Após meses de expectativas, com campanhas amparadas em condições econômicas singulares, por que se perdeu em cidades como São Paulo e Porto Alegre?

As chapas apoiadas pelo PT e pelo PSOL disputaram em 13 cidades das 52 onde existiu segundo turno; os setores mais definidos como centro-esquerda, PDT e PSB, praticamente ficaram fora do segundo turno, sem protagonismo na segunda volta (o PDT perdeu em Aracaju). Ainda dentro desse campo, no primeiro turno, o setor do PSB de João Campos teve a importante vitória de Recife, teve um leve crescimento no número de prefeituras e um desempenho razoável com Tabata em SP.

Das capitais o PT venceu apenas em Fortaleza, tendo a vice do PSD. Nesse caso, houve uma derrota grande do PDT de Sarto, que sequer passou ao segundo turno, e os Ferreira Gomes sofreram um retrocesso, com deputados do PDT pedindo a expulsão de Ciro por apoio velado ao bolsonarismo. A campanha mobilizou uma importante vanguarda social, com Evandro Leitão ganhando por 10 mil votos do bolsonarista André Fernandes, sendo hegemonizada, contudo, pelo setor de Camilo e Elmano, que tem se destacado pela linha privatista no Ministério da Educação.

Fora das capitais, o PT ganhou em Camaçari, Mauá e Pelotas, nesta última, numa aguerrida campanha vitoriosa, onde o PSOL teve a vice, Daniela Brizolara, militante do MES e com protagonismo para Jurandir Silva na direção da campanha. Em São Paulo, o PT não conseguiu a reeleição em Diadema e perdeu em Sumaré, somando ao total apenas 5 prefeituras eleitas no maior estado do país.

Boulos despertou expectativas, dentro da crise do PT apareceu como uma renovação, mesmo que dentro do campo do lulismo, por sua trajetória nos movimentos sociais, sua localização no PSOL e boa votação para deputado federal em 2022. Com tanto apoio, uma campanha que custou 81 milhões, certamente a mais cara das esquerdas fora de uma eleição presidencial, teve um resultado modesto, com apenas 0,03 pontos percentuais acima de 2020, quando enfrentou um adversário muito mais forte, o falecido Bruno Covas. Além disso, naquele ano o PSOL não estava em uma Frente Ampla demonstrando que o aliancismo defendido pelo campo majoritário do PSOL não é garantia de vitória eleitoral, e sim de derrota política para a esquerda.

Para além dos resultados eleitorais, Boulos não conseguiu mobilizar amplas parcelas da sociedade e da juventude, e não convenceu o conjunto dos trabalhadores, precarizados e informais, nas periferias da cidade. O perfil, o programa e a política de Boulos foi a desfiguração do programa do PSOL. Comandada por Lula Guimarães, marqueteiro do Ifood reconhecido pela postura contra os trabalhadores, Boulos fez todos os acenos ao “centro”, numa campanha morna e apelando para a despolitização. Terminou numa live sensacionalista, normalizando o discurso de uma figura com traços neofascistas como Pablo Marçal. Aproveitando esta  brecha, Marçal se lançou como candidato a presidente em 2026. A esquerda apareceu “institucionalizada”. Os limites da estratégia chamada de “Frente Ampla” se apresentaram: um vício do eleitoralismo, a incapacidade de mobilização e o apoio “acrítico” ao governo Lula, num momento em que este aprofunda o ajuste fiscal. A “Carta ao povo paulistano” foi o marco desta política.

Um bom exemplo foi Lúdio Cabral do PT, em Cuiabá, que alegou o “atraso político da região” para se aliar ao agronegócio e defendeu abertamente contra o “aborto, a legalização das drogas e a ‘ideologia de gênero’”.

A derrota da principal corrente do PSOL, Primavera Socialista, em Belém, mostra os limites de sua política, combinando a moderação, a acomodação e a burocratização de centenas de cargos de confiança utilizados para distorcer a relação de forças dentro do partido. A derrota do PSOL é notada na ausência da voz da esquerda anticapitalista, ancorada nos movimentos sociais, para milhões nessa eleição. Uma gestão com pouca identidade programática com o acúmulo histórico do PSOL e subserviente às oligarquias locais, em especial à família Barbalho, que na primeira oportunidade descartou Edmilson e impôs uma derrota ao PSOL e à esquerda. 

Esta derrota é reflexo da confusão estratégica da direção da Primavera Socialista, que demonstrou não ter confiança suficiente na força do povo e dos movimentos sociais para impor uma correlação de forças favoráveis, preferindo confiar em uma base fisiológica de vereadores na Câmara, que ao longo dos anos foi se mostrando muito mais comprometida com seus interesses particulares. O resultado não foi apenas uma derrota eleitoral de Edmilson, que não obteve sequer 10% dos votos, mas fez o PSOL diminuir pela metade sua bancada e, depois de 16 anos, deixar de ser o partido de esquerda mais votado em Belé

Como escreveu Roberto Robaina:

Nessas eleições, essas posições não existiram na disputa, ou pelo menos foram muito limitadas, porque ou o PSOL foi cabeça de chapa adotando a linha, o discurso e o programa do PT, como fez em SP, ou foi vice do PT, como em Porto Alegre. Nesse ponto, é preciso que se diga que, se as posições de esquerda consequente não forem afirmadas, nunca teremos um polo antissistema de esquerda. Pode a relação de forças não ser favorável, mas se tais posicionamentos não forem defendidos, nunca se irá trabalhar para alterar a relação política de forças. Isso não significa negar o risco da extrema direita.

As derrotas do PT e do PSOL atuam em duas dimensões: há um enfraquecimento do partido de Lula como carro-chefe na luta contra a extrema direita em 2026; e a segunda foi a descaracterização pública de uma alternativa anticapitalista onde o PSOL é a principal esperança.

Que se abra a discussão

Um aspecto positivo é a abertura para a discussão de milhares de ativistas: depois da ressaca eleitoral, são diversos ativistas que estão se perguntando, como enfrentar melhor a extrema direita e como construir uma alternativa para além do imediato. Safatle e alguns intelectuais têm provocado acerca dos resultados e dos recuos de Boulos, Maria do Rosário e outros, retomando a necessidade (óbvia) da esquerda se portar de fato como esquerda.

O resultado das eleições depende de uma série de fatores, entre eles o nível de mobilização na sociedade. Como sabemos, a mobilização foi fraca e isso não depende, necessariamente, da linha de campanha. Podemos até considerar esse fator como objetivo. Porém uma linha alternativa, combativa, teria garantido uma campanha de esquerda, educativa, e permitiria avanço na consciência e no potencial de mobilização e de organização. Esta linha teria garantido uma vitória política enquanto a linha de Boulos levou a uma derrota política e a uma enorme derrota eleitoral.

Sobre isso, vale citar o intelectual Rodrigo Nunes, em artigo interessante na Folha de São Paulo, quando afirma:

Toda proposta que seja realista no sentido de encarar esses problemas de frente necessariamente parecerá radical, comparada ao que existe hoje. Não ter medo de dizer aquilo que parece inaceitável agora  e continuar trabalhando para torná-lo aceitável no futuro próximo é a melhor lição que a esquerda pode aprender com a extrema direita. O caminho é árduo e sem garantias mas não começará enquanto não se assumir que estes são os desafios a enfrentar pelas próximas décadas.

O recuo da direção do PSOL abre uma oportunidade ímpar para debater temas que estavam opacos: a luta de classes, a estratégia da esquerda, a independência dos governos e do estado e um programa firme de defesa.

É preciso organizar ciclos e circuitos democráticos para debater um projeto político que mantenha um cordão sanitário contra a extrema direita, considerando a necessidade de unidades amplas também no terreno eleitoral, mas que consiga disputar a maioria social, esta maioria de trabalhadoras e trabalhadores que não são alcançados pelas propostas do PT e do PSOL. A Fundação Lauro Campos e os quadros do PSOL podem cumprir um papel central para tal debate.

Levando em conta isso, temos que seguir apostando num programa que leve em conta as dimensões das necessidades mais sentidas:

– a defesa da luta contra a anistia, para punir os golpistas e ampliar os espaços democráticos, como no caso da luta por justiça por Marielle. A defesa das pautas democráticas contra quem as vê como “identitarismo” para justificar os recuos programáticos;

– a luta por uma transição ambiental, por um ecossocialismo de caráter popular e de massas, onde as consignas dialoguem com a brutal crise ambiental;

– a defesa dos direitos e contra o ajuste – como na luta contra o pacote antipopular preparado por Haddad e Tebet.

Por um novo curso

O PSOL ainda é visto como um setor político diferenciado, com a simpatia eleitoral de centenas de milhares, que enxergam possibilidades eleitorais de renovação de lideranças, em que pese a frustração com a campanha em SP. As vitórias políticas do MES são um impulso para construção desse polo necessário. Mais do que nunca é preciso construir uma esquerda de caráter militante, independente dos governos e anticapitalista.

Saímos mais fortes, com as vitórias já citadas na avaliação preliminar do 1º turno, ao qual se soma o protagonismo na vitória de Marroni/Brizolara em Pelotas:

Tivemos vitórias maiúsculas com a eleição de Luana Alves em São Paulo, com mais de 83 mil votos, Roberto Robaina reeleito com mais de 10 mil votos em Porto Alegre, Vivi Reis voltando à Câmara de Belém com 7 mil votos e acrescentado a capital Curitiba ao mapa eleitoral, com a Professora Ângela fazendo 6300 votos.

Nas três disputas emblemáticas para o partido, o MES/PSOL teve protagonismo: em Porto Alegre, após a grande enchente que atingiu a cidade, o PSOL teve seu maior crescimento; em Belém, cidade central da Amazônia onde a prefeitura do PSOL foi derrotada nenhum dos quatro vereadores atuais se reelegeu, Vivi retomou seu mandato quatro anos após sair para assumir a vaga como deputada federal; e por fim, na batalha central do país, onde Boulos e o PSOL jogaram com toda força,, Luana foi eleita em um campanha consagrada com mais de 83 mil votos (mais que o dobro da última eleição), reconhecida como a “Caçadora de Racista” e unificando outras importantes organizações de esquerda e parte importante do ativismo social esquerda ao redor da campanha.

Além disso, MES/PSOL elegeu parlamentares nas principais cidades e regiões de São Paulo: Mariana Conti, com 15 mil (segunda mais votada em porcentagem do PSOL em todo país), Bruna das Mulheres Por Mais Direitos fizeram 5848 votos em São Caetano, sendo a mais votada do partido em todo ABC, região estratégica pelo peso operário; Raul Marcelo fez uma votação consagradora em Sorocaba, além de reelegermos o combativo Leandro Sartori como mais votado em Itapira.

No Rio Grande do Sul, além de Robaina, tivemos a vitória de Ruas, reelegemos Jurandir Silva em Pelotas e Alice Carvalho como foi eleita a vereadora mais votada de Santa Maria. Apoiamos Gabriel Biologia, independente dentro do PSOL, que foi eleito em Fortaleza com mais de 30 mil votos.

Os resultados indicam uma dinâmica de fortalecimento do MES/PSOL no processo de reorganização da esquerda radical, mesmo nos marcos das dificuldades gerais de uma conjuntura mais inclinada à direita. Com o governo Lula sem tanta capacidade de iniciativa, será fundamental combinar a luta unitária para barrar o bolsonarismo com a apresentação de um programa político radical ao redor de um projeto anticapitalista.”

Os setores anticapitalistas mais relevantes da esquerda brasileira estão agrupados no PSOL, especialmente na esquerda do PSOL.  É preciso unir as forças desses setores para forjar um campo mais ativo, que defenda uma cultura mais democrática dentro do partido e empreenda a luta por um novo curso, a partir do debate de balanço eleitoral.

Para tanto, também é preciso voltar a debater estratégia, a relação com o Estado, a formação com base num marxismo aberto e os caminhos da luta pela hegemonia da classe trabalhadora.

Tarefas e desafios

A luta política não dá trégua. Na semana em que começamos a avaliação preliminar do processo eleitoral, o júri popular de Ronnie Lessa e Elcio Queiroz, no Rio de Janeiro, retoma o caso Marielle. Fomos parte das mobilizações que ocorreram em todo país, convocados como “Amanhecer por Marielle”, para lutar por justiça, memória e verdade para Marielle Franco.

Como parte de uma articulação entre intelectuais, sindicalistas e lideranças sociais e políticas como David Deccache e Ricardo Antunes, estamos impulsionando o Manifesto Contra o Pacote Antipopular que Tebet e Haddad ensaiam para cortar ainda mais direitos. Esta luta representa a principal tarefa atual na defesa dos interesses da classe trabalhadora que será duramente afetada por mais cortes nos gastos sociais.  

Além disso, é preciso cerrar fileiras na defesa do mandato do deputado federal Glauber Braga, perseguido pela direita na Câmara dos Deputados. A defesa de Glauber é uma tarefa democrática fundamental porque sua virtual cassação representará um precedente muito perigoso contra todos os parlamentares combativos da esquerda.

De imediato, queremos construir um polo, com os milhares de ativistas que participaram das campanhas anticapitalistas, com as correntes da esquerda do PSOL, com o melhor da vanguarda com ideias radicais e combativas. Nossos parlamentares eleitos, os deputados estaduais e federais estarão a serviço dessa batalha.

Devemos avançar na luta socioambiental, considerando a necessidade de combate às queimadas que tem sufocado às cidades, ao desmatamento promovido pelo agro que tem destruído biomas, e à emergência climática, que tem gerado tragédias na vida das pessoas com fortes enchentes no Sul e Sudeste e secas severas na Amazônia.

Para tanto, apontamos o fortalecimento do debate político e da formação marxista, com nosso organizador central como Revista Movimento, a serviço da luta de ideias. E sempre balizando e orientando nossa militância com o tripé: luta política, enraizamento no movimento de massas e formação de quadros.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 06 dez 2024

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A lutas dos trabalhadores em São Paulo foi um marco na mobilização para melhores jornadas de trabalho.
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Autores

Pedro Micussi