Centenário de Frantz Fanon e o legado da luta antirracista, decolonial e socialista
O ano de 2025 marca o centenário do nascimento do psiquiatra, filósofo e político revolucionário Frantz Omar Fanon
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A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco organizará atividades sobre o centenário do nascimento de Frantz Fanon que terá por objetivo debater, divulgar e ampliar a obra, o pensamento e a práxis de um dos maiores pensadores da teoria decolonial. As atividades ainda estão em fase de elaboração. Mas, certamente, pode-se esperar um conteúdo centrado numa perspectiva antirracista e anticapitalista para o conjunto da militância do PSOL e para aqueles e aquelas que tem como mote a luta por uma sociedade sem as amarras da opressão e da dominação.
O ano de 2025 marca o centenário do nascimento do psiquiatra, filósofo e político revolucionário Frantz Omar Fanon. Nascido em 20 de julho de 1925, Fort-de-France, na Martinica e falecido em 6 de dezembro de 1961, em Maryland, nos Estados Unidos, Frantz Fanon é certamente o maior representante do pensamento pan-africano e pós-colonial. Em suas obras, Fanon aliou filosofia, psicanálise e sociologia a uma intensa militância revolucionária pela emancipação negra e pela independência dos países coloniais da África, em especial da Argélia, onde teve um importante papel na revolução da independência, mesmo morrendo um ano antes de vê-la concluída. Nesse sentido, Fanon forneceu as armas mais críticas para uma luta intransigente contra a estrutura capitalista imperialista que tem no racismo e na dominação de classe seus alicerces indissociáveis de dominação. Se por um lado, a proletarização do ser humano não escolhe raça, o racismo leva a proletarização à sua desumanização extrema, uma proletarização essencialmente violenta, uma vez que o racismo é sempre violência e dominação.
Para Fanon, o regime colonial era a forma mais acaba dessa dominação que proletariza, desumaniza, uma vez que se sedimenta em uma narrativa na qual o outro, o colonizado de pele não branca passa por um processo violentamente dirigido pela alienação, atomização e despersonificação. Alienação de seu território, do seu corpo, de sua cultura e de seus saberes; atomização de seu agir coletivo desfragmentado pela dominação e, por fim, despersonificação pela desumanização e por uma construção de si feita pelo colonizador e pelo racismo, ou seja, uma construção negativa do seu Eu. Essa conjunção de fatores aplicada pela política colonialista e, antes dela, pela escravização, criou perversamente a lógica que ser negro é negativo e que a colonização e a escravização eram positivas ou necessárias, ou seja, a violência como uma não violência. Isso, por sua vez, será marcado por uma relação psicológica perversa entre colonizador e colonizado, inclusive patológica. Todavia, Fanon não disse que o racismo advém de uma patologia, o racismo é político, econômico e cultural, mas como uma relação essencialmente violenta, ele terá, inevitavelmente, uma consequência patológica, primeiro em quem sofre o racismo, mas também em quem o pratica, pois ambos se desumanizam. Isso não quer dizer que Fanon coloque os mesmos pesos e medidas para ambos, de forma alguma.
Diante dessa estratégia imperialista e colonialista onde o racismo cumpre um papel fundamental, Fanon foi taxativo quando afirmou, no caso da Argélia, mas também de todo o modo colonial de produção capitalista, que a única solução era a total destruição da estrutura colonialista, mas também de todas as amarras do passado. Ou seja, o fim total de todo o colonialismo europeu e americano, mas também o fim das amarras pré-capitalistas, assim, o futuro não estava na volta ao passado. A nova estrutura colonial que desestruturou a antiga ordem deve ser destruída com base nas próprias contradições por ela engendradas, de modo que a revolução não é o restabelecimento pré-colonial, tribal, em última análise, mas um salto descolonizador, mas também “anti-feudal”.
Como política, Fanon vai afirmar que nada mais ilusório que um oprimido apelar para sentimentos de humanidade para com seu opressor. Quanto a isso, Fanon, em Os Colonizados da Terra vai dizer: “O colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em estado puro, e só se curvará diante de uma violência maior”. Violência revolucionária como antídoto, esse era Fanon. O colonizado só se verá como igual ao colonizador se este lhe impuser a violência também, a violência como uma antítese revolucionária. No entanto, não se trata da violência enquanto elemento de dominação e de barbárie, mas a violência revolucionária, esta, e só esta, que pode acabar com todas as amarras racistas e desumanizantes da estrutura imperialista e colonial. Em termo de uma psicanálise revolucionária, Fanon via que havia algo de criador no instinto de morte, quando este divaga sobre o político, o inconsciente também é político, não é só edípico, como quer a psicanálise mais conservadora. Bem como o instinto de morte não busca só a autopreservação e a destruição. Aliás, essa foi uma das grandes contribuições do pensamento de Frantz Fanon para a teoria Félix Guatarri e Gilles Deleuze.
Em se tratando de influência, o psiquiatra martinicano teve sua de forma marcante nos Panteras Negras, sobretudo em suas lideranças mais proeminentes como Heuy P. Newton, Bobby Seale e Fred Hampton. Em sua elevada perspicácia, Fanon via que a dominação racista colonial era a parte mais visível de um todo, um todo que tinha como centro a dominação econômica de uma classe social sobre outra. Dessa maneira, as explicações biológicas, culturais e civilizatórias que embasavam o racismo ao longo de sua história visavam a dominação e a espoliação do negro, do árabe, do asiático, etc., enquanto mão-de-obra extremamente explorada para a acumulação capitalista. Portanto, o racismo não será uma dominação por si só, fechada em si mesma.
No centenário de seu nascimento, Fanon é um pensador revolucionário atual, pois conecta uma profunda teoria filosófica, psicanalítica e sociológica a uma política decolonial, antirracista e anti-imperialista. Não é exagero nenhum afirmar que não se pode pensar em marxismo negro sem levar em conta a vasta e profunda contribuição de Frantz Fanon. Infelizmente, leituras meramente acadêmicas tentam dissociar Fanon do marxismo ou tentam dissociar Fanon da luta direta pela libertação da Argélia, libertação essa armada. Estudar Fanon é se armar contra a dominação de uma sociedade racista e com fortes resquícios colonialistas, pois as instituições que herdamos da Europa e dos Estados Unidos são burguesas e como burguesas assim o serão racistas e colonialistas.
Desse modo, a Fundação Lauro Campo e Marielle Franco tem por objetivo ampliar o alcance das obras e das ideias desse revolucionário, uma vez que as amarras da dominação de classe do capitalismo ainda fazem do racismo sua parte mais visível, pois ao identificar parte significativa do proletariado como não branca, o capitalismo divide a classe trabalhadora e legitima uma visão mistificadora de “nós” (os brancos) e “eles” (os não brancos). Essa é uma forma de quebrar a visão nós os burgueses e eles os proletários ou proletarizados. Aliás Fanon, em Os Condenados da Terra, aponta para a contradição que a política colonial coloca entre os trabalhadores das colônias e das metrópoles, como se estes tivessem interesses antagônicos. Em determinados momentos sim, terão. Mas são antagonismos construídos pela política imperialista-colonial. Diante disso Fanon foi taxativo mais uma vez, afirmando que o futuro da democracia na França passava pela libertação da Argélia, pois, quanto mais colonialista fosse a França, mais ela teria que oprimir seus próprios trabalhadores, mesmo com aparentes concessões.
Por fim, ao longo desse ano a Fundação Lauro Campos e Marielle convidará a todos e todas a serem parte dos eventos do Centenário de Frantz Fanon (ainda em construção) reflexão em parte, comemorativa em parte. Mas acima de tudo que sirva como uma acumuladora de forças.
“A revolução é essencialmente inimiga das meias medidas, dos compromissos, dos recuos. Levada a termo, salva os povos; interrompida a meio caminho, causa sua perdição e consuma sua ruína. O processo revolucionário é irreversível e inexorável. O senso político ordena que não se obstrua sua marcha”.
Frantz Fanon – Escritos Políticos