Eunice ainda está aqui
Atuação premiada de Fernanda Torres destaca a luta da militante dos direitos humanos que “nasceu” após a morte do marido nos porões da ditadura
Foto: Acervo Instituto Vladimir Herzog
O Brasil celebra, em clima de Copa do Mundo, o histórico prêmio da atriz Fernanda Torres, agraciada na madrugada desta segunda-feira (6), com o Globo de Ouro de melhor atriz de drama, em Los Angeles (EUA). A distinção é por sua comovente atuação em “Ainda Estou Aqui” , filme de Walter Salles, em que interpreta a advogada Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, deputado federal assassinado pela ditadura militar em 1971.
O sucesso do filme – que já foi assistido por 3 milhões de pessoas – deu visibilidade a um dos símbolos da luta contra a ditadura militar, através do olhar do filho Marcelo, autor do livro que deu origem à produção cinematográfica.
De origem italiana, Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva (1929-2018) viu sua vida familiar começar a mudar após seu marido, o deputado federal Rubens Paiva, ter o mandato cassado pelo regime militar. Mas a ditadura ainda faria pior: sequestraria Rubens Paiva na frente dela e dos filhos, em 20 de janeiro de 1971. Ele nunca mais voltaria para casa, torturado e morto na mão dos milicos.
Como se não bastasse, mo dia seguinte à prisão de seu marido, Eunice Paiva também foi detida e submetida a 12 dias de interrogatórios nas instalações do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo enfrentando a repressão e o medo que marcavam o período, Eunice não se intimidou. Após sua libertação, iniciou uma incansável busca por respostas sobre o paradeiro de seu marido, desafiando o silêncio das autoridades.
Demonstrando coragem e determinação extraordinárias, Eunice escreveu diversas cartas ao presidente Emílio Garrastazu Médici e a outras autoridades, exigindo esclarecimentos. Contudo, os órgãos oficiais forneciam informações contraditórias: ora afirmavam que seu marido havia sido sequestrado por desconhecidos, ora alegavam que ele teria fugido para Cuba. Apesar da dor e das incertezas, Eunice jamais desistiu de buscar a verdade, transformando sua luta em símbolo de resistência e bravura.
Eunice tornou-se um símbolo de coragem e determinação nas campanhas pela abertura dos arquivos sobre as vítimas do regime militar. Enfrentando um cenário de repressão e silenciamento, ela uniu forças com mulheres igualmente destemidas, como a estilista Zuzu Angel, Crimeia de Almeida, Inês Etienne Romeu e Cecília Coimbra. Também foi notória defensora dos direitos indígenas, denunciando em plena ditadura as atrocidades aos povos originários.
Decidiu estudar Direito, demonstrando uma força extraordinária para enfrentar o sistema que havia silenciado tantas vozes. Com sua atuação, tornou-se uma das principais responsáveis por pressionar o Estado, resultando na promulgação da Lei 9.140/95, que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas por razões políticas durante a ditadura militar.
Sua perseverança foi recompensada apenas em 1996, quando, depois de 25 anos de luta incessante, o Estado Brasileiro finalmente emitiu o atestado de óbito oficial de Rubens Paiva. Eunice Paiva é um exemplo inquestionável de coragem e resiliência, cuja trajetória inspira até hoje a busca pela verdade e a defesa dos direitos humanos. E hoje, o mundo conhece a sua história.