Lobby do agro quer alterar livros didáticos
Deputada Sâmia Bomfim vai pedir esclarecimentos sobre influência da associação De Olho No Material Escolar em órgãos públicos e até na Comissão de Educação do Congresso
Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil
Do ponto de vista da expansão e reconhecimento das altas classes sociais, a associação De Olho No Material Escolar (Donme) – que se autointitula um grupo de “pais e mães apartidários preocupados com o ensino dos filhos” – é um sucesso. Em apenas três anos, fechou parceria com a Universidade de São Paulo (USP), tem trânsito por secretarias de Estado, como Educação e Agricultura, e mantém diálogos com a cúpula do Congresso, em Brasília, na tentativa de influenciar o novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Contudo, uma reportagem do Repórter Brasil revela que a Donme é financiada por empresários e grandes corporações do agronegócio, como JBS e Cargill, com o objetivo de alterar materiais didáticos para retratar o setor de forma mais positiva.
Em um evento do Lide, grupo criado pelo ex-governador de São Paulo, João Doria, Christian Lohbauer, vice-presidente da associação, justificou a intenção.
“O que as crianças e os adolescentes estão aprendendo que vai ser bom para o mundo do trabalho?”, perguntou. “Elas não podem aprender, todos os dias, em todos os materiais, há 30 anos, que tem trabalho escravo na cana-de-açúcar. Ela não pode aprender que o alimento brasileiro está envenenado com agrotóxicos. Ela não pode aprender que a pecuária é responsável pela destruição da Amazônia, porque não é verdade”, disse Lohbauer, que é ex-presidente da Croplife Brasil, representante das maiores fabricantes multinacionais de agrotóxicos, que também financia a Donme.
E graças a parceria com a USP, nasceu a “Agroteca”, biblioteca virtual com publicações sobre o agronegócio onde há conteúdos que negam que o Brasil seja o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, por exemplo – embora dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), desmintam essa informação.
A estratégia do Donme também inclui negar a responsabilidade da pecuária pelo desmatamento na Amazônia e a existência de trabalho escravo na produção de cana-de-açúcar (ainda que mais de 1,1 mil trabalhadores tenham sido resgatadas de lavouras de cana nos último quatro anos, em condições análogas à escravidão).
A situação indignou a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que vai enviar requerimentos de informação a diversos órgãos para apurar e obter esclarecimentos desse lobby.
“O agronegócio não quer só destruir biomas e explorar trabalhadores – ele quer controlar o que crianças e adolescentes aprendem nas escolas!”, diz.
Os tentáculos do Donme estão bem fincados em Brasília, onde o grupo espera influenciar a Comissão de Educação do Congresso, que vai votar o PNE este ano. A meta é que a lei que estabelece as diretrizes da educação por uma década, apague do material escolar temas como desmatamento, violência no campo e envenenamento por agrotóxicos. Em 2024, a organização se reuniu mais de uma vez com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), entre outros parlamentares, para debater o PNE, que deve ser votado este ano. A associação criticou o documento de referência para a legislação, ao qual classificou como “refratária à iniciativa privada”.
“O objetivo principal do grupo é influenciar no Plano Nacional da Educação para impor uma narrativa que protege seus lucros enquanto invisibiliza suas destruições. O agro tenta, com a força da grana, limpar sua imagem atuando para influenciar políticos e conglomerados de educação”, diz Sâmia.