Orçamento secreto: nada de novo no front
Emendas parlamentares

Orçamento secreto: nada de novo no front

Novas regras aprovadas por deputados e senadores mantêm brechas para ocultar os padrinhos das emendas, violando a Constituição e as decisões do STF

Tatiana Py Dutra 18 mar 2025, 10:27

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

O Congresso Nacional mais uma vez escancarou seu compromisso com a opacidade e o desrespeito à Constituição. Em sessão conjunta na última quinta-feira (13), senadores e deputados – de praticamente todas as legendas, do PL ao PT – aprovaram regras que garantem a perpetuação da falta de transparência na destinação das emendas parlamentares. Trata-se de um atentado contra o direito da população de saber como e onde o dinheiro público está sendo gasto.

O texto aprovado permite que os padrinhos das emendas de comissão e de bancada permaneçam ocultos, contrariando decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio acordo firmado entre os presidentes da Câmara e do Senado com a Corte. Ou seja, a promessa de maior transparência virou letra morta. Se nem a classe política – com exceção de PSOL e Novo – tem interesse em acabar com esse submundo orçamentário, caberá ao Judiciário novamente intervir e barrar esse abuso.

A reação foi imediata. ONGs como Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas denunciaram que o Congresso criou “mais uma versão do orçamento secreto”, afrontando os princípios constitucionais da publicidade e da moralidade. A nova resolução mantém a possibilidade de que a autoria das emendas coletivas continue mascarada por um único nome, o líder partidário ou o coordenador da bancada de cada estado. Ou seja, os verdadeiros articuladores do direcionamento das verbas seguem nas sombras, protegidos do escrutínio da sociedade e dos órgãos de controle.

Historicamente, a falta de transparência no uso de emendas parlamentares gerou escândalos bilionários, como o caso dos “Anões do Orçamento” nos anos 1990. As emendas, que deveriam atender a demandas locais e nacionais de forma republicana, se transformaram em moeda de troca política e alimentaram esquemas de corrupção. Investigações revelaram desvios absurdos: asfalto que derrete ao sol, sacos de dinheiro jogados pela janela e outros casos grotescos. Agora, o Congresso reafirma sua resistência em jogar luz sobre o destino desses recursos.

Quem ganha com isso?

O próprio STF tentou colocar ordem no caos. No mês passado, o ministro Flávio Dino homologou um plano de trabalho apresentado pelo Executivo e Legislativo para dar mais transparência ao processo. No entanto, os parlamentares fizeram questão de preservar o anonimato de quem propõe as emendas coletivas. Assim, avanços tímidos foram apresentados, como a padronização de atas e planilhas, mas a essência do problema foi mantida: a impossibilidade de rastrear quem está por trás do direcionamento dos recursos.

E quem se beneficia da escuridão? A falta de transparência interessa à base fisiológica do Congresso, a parlamentares que usam o orçamento público como ferramenta de barganha política e enriquecimento ilícito. Permite que recursos sejam distribuídos com critérios obscuros e, em muitos casos, desviados sem que seja possível responsabilizar diretamente os envolvidos.

Decepção

Os deputados Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP), que sempre se posicionaram publicamente contra o orçamento secreto, tiveram comportamento diverso no momento da votação. Ele sequer votou. Ela votou a favor do texto que mantém a falta de transparência.

Boulos alegou que ficou sem acesso à internet na periferia de Guarulhos durante a votação remota. Mas, enquanto a sessão ocorria, ele publicava nas redes sociais um vídeo em que provocava Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com uma banana. O episódio gerou cobranças, inclusive de aliados.

“É muito importante que Guilherme Boulos explique aos seus eleitores e ao PSOL por que não votou contra o Novo Orçamento Secreto”, escreveu David Deccache, ex-assessor econômico do PSOL na Câmara.

Já Tabata Amaral, que em 2023 denunciava a corrupção nas emendas afirmando que “uma boa parte desse dinheiro vai ser escoada para a corrupção”, agora adotou uma nova narrativa. Justificou que a resolução “não é ideal”, mas avança na transparência. A contradição é evidente, mas não surpreendente no caso da parlamentar em questão.

Um problema sem solução?

O Congresso Nacional mostrou mais uma vez que está longe de agir em favor do interesse público. A manutenção da falta de transparência não é um acidente, mas uma escolha deliberada de quem deseja que o dinheiro público continue sendo usado sem controle e sem consequências. A seguir, um resumo dos principais fatores que fazem desse mecanismo um crime contra o povo

  • Falta de transparência e violação da constituição
    O orçamento secreto funcionava com emendas de relator (RP-9), que permitiam a distribuição de bilhões de reais sem a identificação dos parlamentares responsáveis pelos repasses. Essa prática violava o princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos.
    Em 2020, apenas 4% das emendas de relator tinham a autoria revelada, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Isso significa que a maior parte dos recursos foi distribuída sem transparência.
    O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a inconstitucionalidade do orçamento secreto em 2022, alegando que a falta de transparência impedia a fiscalização adequada dos gastos públicos.
  • Favorecimento político e compra de apoio no congresso
    As emendas eram usadas como um mecanismo de barganha política, fortalecendo a base do governo e comprando apoio parlamentar. Deputados e senadores aliados ao governo recebiam mais recursos, enquanto opositores tinham pouco ou nenhum acesso às verbas.
    Em 2021, 70% dos recursos do orçamento secreto foram para deputados e senadores da base governista, de acordo com o jornal Estadão. No governo Bolsonaro, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), controlava grande parte dos repasses, distribuindo verbas para parlamentares alinhados ao governo, garantindo votos para pautas de interesse do Planalto.
  • Uso eleitoral e desigualdade na distribuição de recursos
    Os recursos das emendas de relator não seguiam critérios técnicos ou de necessidade, beneficiando políticos que buscavam reeleição e municípios estratégicos para suas campanhas.
    Em 2022, ano eleitoral, a destinação de emendas RP-9 aumentou 150% em relação a 2021, atingindo mais de R$ 19 bilhões, segundo levantamento do Congresso em Foco.
    Municípios com prefeitos aliados ao governo receberam mais recursos. Cidades pequenas, com pouca população, foram contempladas com milhões de reais, enquanto municípios maiores e mais necessitados ficaram sem investimentos significativos.
  • Casos de corrupção e desvios de recursos
    A ausência de fiscalização facilitou corrupção e superfaturamento de obras e serviços. Investigações revelaram contratos fraudulentos e desperdício de dinheiro público.
    Em 2021, a Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou irregularidades em 40% dos contratos financiados pelo orçamento secreto, envolvendo sobrepreço e empresas de fachada. O escândalo das “máquinas de asfalto” mostrou como prefeituras receberam equipamentos superfaturados sem critério técnico. Um prefeito do Maranhão admitiu ter recebido R$ 9 milhões sem nem mesmo ter solicitado os recursos.

    Conclusão: o orçamento secreto representa um retrocesso na transparência e no controle dos gastos públicos, permitindo o uso político-eleitoral de verbas bilionárias e abrindo espaço para corrupção. A sua proibição pelo STF foi uma vitória parcial, mas o Congresso continua buscando formas de manter esquemas semelhantes, como a recente aprovação das novas regras para emendas parlamentares, que ainda deixam brechas para a ocultação dos responsáveis pelos repasses.

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