Bruna Biondi: “Não é hora de recuar”
Vereadora mais votada da história de São Caetano do Sul/SP é ameaçada de cassação pela extrema direita após denunciar racismo e LGBTfobia. Assine o abaixo-assinado!
Foto: Ascom Bruna Biondi
Assine o abaixo-assinado em defesa do mandato de Bruna Biondi!
Enquanto o deputado federal Glauber Braga é ameaçado de cassação no Congresso Nacional, uma ofensiva da extrema direita ameaça a vereadora Bruna Biondi (PSOL), representante do Movimento Mulheres por + Direitos, única parlamentar de esquerda e a mulher mais votada da história de São Caetano do Sul (SP). Uma articulação liderada pela base do governo municipal, alinhada ao PL e ao bolsonarismo, tenta cassar seu mandato sob acusação de quebra de decoro parlamentar.
O pretexto usado pelos vereadores governistas é que Bruna teria “ofendido” os colegas ao denunciar, em plenário, que a Câmara estava validando o racismo e a LGBTfobia ao conceder um título de cidadão sulsancaetanense a um diretor de escola acusado de intolerância. O gestor chegou a ser réu por intolerância racial e confessou a prática de LGBTfobia, mas, mesmo assim, recebeu a homenagem da maioria conservadora da Casa.
O mandato da vereadora obteve acesso ao ofício que formaliza a tentativa de cassação, redigido por César Oliva, líder do governo na Câmara, e assinado por outros 18 vereadores — praticamente toda a base governista. O documento solicita à presidência da Casa a instalação de uma comissão processante para investigar a postura de Biondi.
Segundo Pedro Mendonça, presidente do PSOL em São Caetano, o que está em jogo é um ataque direto à representação popular da esquerda na cidade.
“Na prática, isso é um espantalho: querem avançar nessa ameaça porque ela é a única pessoa de esquerda na Câmara, a única mulher, foi a mais votada da cidade, batendo recorde de votação, e querem impedir o avanço da referência da Bruna”, denuncia.
Perseguição política e ataque à democracia
A movimentação é vista como mais um episódio do uso da máquina pública por parte da extrema direita para perseguir vozes progressistas, criminalizar a oposição e censurar críticas legítimas às práticas discriminatórias de gestores públicos. Bruna, que foi eleita com uma votação histórica em 2020 – e repetiu o feito em 2024 quando obteve 5848 votos -, tem pautado seu mandato na defesa das minorias, dos direitos LGBTQIA+, da população negra e periférica e da educação antirracista. A tentativa de cassação ocorre, não por acaso, em meio a sua crescente atuação como liderança local e referência nacional em políticas progressistas.
O PSOL já anunciou que prepara uma forte mobilização de solidariedade para impedir o golpe parlamentar contra Bruna. O abaixo-assinado, atos públicos, moções de apoio de outros mandatos e campanhas nas redes sociais estão sendo organizados para defender não apenas o mandato da vereadora, mas também a garantia do pluralismo político e da liberdade de expressão na cidade.
Em entrevista à Revista Movimento, Bruna explica as motivações perversas de seus colegas de parlamento, os efeitos práticos da perseguição política e seus planos para vencer os conservadores em seu próprio jogo, sem recuar nem se deixar ser silenciada.
Como está o andamento deste caso? Os vereadores já votaram para instalar uma comissão para cassá-la?
A Câmara de São Caetano não dispõe de um Código de Ética e não dispõe de Comissão de Ética. Então, por não ter esse dispositivo, quando casos como esses acontecem, eles ficam tentando deixar brechas legais e brechas no regimento para fazer comissões que na verdade são tribunais de exceção, né? Porque como você não tem um Comitê de Ética, uma comissão, nem um código, não teria como você ter a criação de comissões para averiguar a ética dos vereadores. O que é um atraso. Nós defendemos, inclusive, que se tenha esse dispositivo porque é preciso mesmo. Em todos os lugares você tem mecanismos de regulação da ética dos parlamentares, e também nos espaços de trabalho como um todo. A pessoa vai ter regras a cumprir e penalidades no caso de não cumpri-las. Mas eles [os parlamentares] sempre jogam como se talvez nós não quiséssemos uma Comissão de Ética. Na verdade, nós somos favoráveis porque entendemos que é importante esse mecanismo dentro da Casa. Por isso, o que eles fizeram até agora foi enviar um ofício que é assinado por 18 dos 21 vereadores. Então, a maioria. Só quem não assina só eu, o presidente da Câmara – porque o ofício é endereçado a ele – e um outro vereador que se recusou a assinar. Eles fizeram um ofício ao presidente, dizendo que acreditam que eu tenha faltado com o decoro em diversas sessões e quando eles assumem que eu falto com decoro, é quando eu defendo as nossas posições aqui dentro da casa, sem titubear, e exponho, às vezes, os absurdos que eles aprovam, como retiradas de direitos dos trabalhadores e votações ideológicas, vamos assim dizer. E aí pedem ao presidente que crie um dispositivo, uma comissão para apurar as minhas condutas aqui na Casa.
Mas há um caso específico que eles “denunciam” no ofício, não é?
Há uma sessão em específico, em que se votava a maior honraria da cidade, a concessão do título de Cidadão Sulcaetanense ao diretor de um colégio de Santo André, que em uma reunião de pais disse uma frase bastante racista, que falava que ciganos, homossexuais e criminosos do PCC queriam acabar com os valores da sociedade judaico-cristã. Então ele, além de comparar ciganos e homossexuais a criminosos, fala que essas pessoas querem acabar com os valores da sociedade. E aí, nós não só votamos contra, como colocamos que era um absurdo a Câmara aprovar uma distinção a alguém que, inclusive havia anteriormente sido réu na Justiça por violência de raça e discriminação a pessoas LGBTs. Ele só não foi condenado porque conseguiu fazer um acordo de não perseguição penal antes da condenação e acabou pagando indenização a entidades que atuam no trabalho LGBT. Na sessão, eu afirmei que era um absurdo a aprovação, e que a Câmara validava o racismo institucional. Os vereadores que tanto falam sobre combater o racismo nas escolas estavam validando o preconceito também nas escolas de São Caetano. Nisso, eles pegaram algumas frases dessa disputa e colocaram de que elas quebravam o decoro parlamentar, mesmo que não tenham nada demais. Eles estão procurando pelo em ovo. Só que todos eles assinam o ofício, como eu te disse. Então parece que a movimentação que está acontecendo agora, eu estou com pouquíssimas informações. As pessoas [na Câmara] têm se recusado, inclusive, a me dar informações sobre isso, mas parece que iam retirar o ofício. Quem me disse isso foi a mídia, inclusive. Para você ter noção que a própria mídia local está sabendo mais do processo do que eu. A ideia seria tirar o ofício e iam protocolar um pedido de comissão, de fato, que aí pode ser votado na próxima semana. Então o primeiro ofício pedia para o presidente fazer a comissão, mas parece que agora os próprios vereadores vão entrar com pedido de abertura de comissão.
Em seus dois mandatos, você já sofreu outros episódios de perseguição. Como é que a senhora avalia essa postura dos seus colegas parlamentares?
É, como você colocou, mais um caso de perseguição e que não à toa vem muito próximo de um momento em que ganhamos na Justiça a condenação de um vereador aqui da casa por violência política de gênero contra mim. É um vereador reeleito agora e que no outro mandato fez diversas violências contra mim. Nós acionamos a Justiça e a promotoria eleitoral acatou uma das denúncias e ele foi condenado. Então não é à toa que semanas depois eles dobrem a aposta da ameaça. O que nós compreendemos é que estamos diante de um cenário de uma condenação que os coloca em risco também, porque se um é condenado, outros também podem ser. E eles preferem dobrar a aposta de serem mais violentos do que antes para dizer que as coisas não vão ser assim e que quem vai ditar as regras do jogo, entre muitas aspas, não serei eu, ainda que nós nunca tenhamos ditado as regras do jogo. Quem dita as regras são eles. Mas fica evidente que eles querem causar um cenário de desconforto e de dificuldade para eu permanecer nesse espaço. Então eu avalio dessa forma, que é mais uma forma de perseguição de maneira a dificultar o trabalho de um mandato que se manteve combativo. O trabalho de um mandato que não baixou a política e seguiu sendo um mandato de oposição, que não se vendeu nem se rendeu. Eu acho que isso de fato incomoda muito a eles e por isso precisam partir para essas outras linguagens da violência para tentar impedir o nosso trabalho.
Além, evidentemente, do aspecto psicológico, de que forma essas ameaças impactam no seu trabalho?
Sim, tem um desdobramento prático. Primeiro porque leva tempo ter que lidar com esse tipo de situação. Então, seja por ter que me defender, ter que lidar com a comissão ou com a possibilidade de que ela exista. Essas coisas fazem com que a gente perca tempo ao invés de conseguir fazer nosso papel de fiscalização. É óbvio que isso faz parte de uma estratégia que também visa criar um cenário que dificulte. Hoje, qualquer propositura – e nem estou falando de projetos de lei, mas às vezes de requerimentos básicos – não seria aprovada de jeito nenhum, porque eles não querem permitir isso. Então, sem sombra de dúvidas, impacta no nosso trabalho, no nosso cotidiano, no nosso dia a dia, seja porque a gente precisa de recursos e tudo mais, ou seja porque a gente deixa de olhar para outras faltas importantíssimas da cidade, porque eles fazem isso estrategicamente para isso mesmo.
Diante disso, qual será a sua estratégia de defesa?
Nós entendemos que não é hora de recuar, é hora de dizer que não vamos aceitar, porque o que eles querem na verdade é que a gente aceite calado. E nós temos que mostrar que nosso mandato foi o mandato mais votado das últimas eleições. Eles podem ser maioria numericamente aqui, mas não são maioria na opinião pública, porque até mesmo as pessoas que discordam da política do PSOL, até mesmo as pessoas que discordam de muitas pautas que defendemos, concordam que é um absurdo tentar cassar o mandato da única vereadora mulher da casa. Essa é a contradição que vamos ter que mostrar para eles, que não vai ser fácil para eles fazerem o que querem, porque a gente não vai dar o braço a torcer.
A opinião pública está do seu lado e também tem outras lideranças políticas fora do seu município que estão se manifestando. Qual a importância de tamanha solidariedade nesse momento?
A solidariedade é essencial. Ter não só parlamentares de outros municípios, mas de outros estados se solidarizando, o partido como um todo também tomando frente, mais os movimentos sociais de defesa das mulheres na política… Eu acho que é o momento mesmo de contar com essa solidariedade. E gostaria de pedir para que as pessoas façam parte dessa solidariedade ativa. Não podemos deixar que seja confortável para eles criarem essa comissão, quanto mais levar à frente a possibilidade de alguma punição e de algum encaminhamento prático disso. É na solidariedade ativa que vamos nos apoiar nesse período. A ideia é mostrar para eles que de fato existem pessoas que nos defendem não só no município, mas fora dele, e que nós não estamos sozinhos. Eles acham que por eu ser a única vereadora, o único partido de esquerda aqui da Casa, a única cadeira progressista da Casa, eles podem criar esse cenário de isolamento. O que a gente quer mostrar é que podemos estar isolados aqui dentro, mas lá fora, não somos. Vamos nos apoiar nessa força popular.
Que mensagem você enviaria para quem está junto contigo nesta luta?
O que eu gostaria de dizer é que a gente conta muito com as pessoas nesse momento, com a solidariedade delas nas redes e nas ruas. Na próxima terça-feira, nós vamos fazer uma manifestação em defesa do mandato. E a mensagem que eu quero deixar é que nosso mandato hoje está em perigo por ser o que é, por incomodar da maneira que incomoda, por não ter medo de dizer o que precisa ser dito, de fiscalizar o que precisa ser fiscalizado e de disputar o que precisa ser disputado. A gente não vai perder a essência do que a gente é. Muitos dos que estão incomodados, inclusive, eram antigamente de oposição e acabaram se rendendo à base do governo, numa lógica política muito centralista daqui de São Caetano. Nós não vamos fazer esse caminho e eles sabem que não vamos nos render. É por isso que eles querem tornar esse espaço cada vez mais solitário e duro. E com certeza a gente se fortalece com as pessoas que estão ao nosso lado para que a gente possa defender esse mandato que nós consideramos tão importante para a nossa cidade e para criar uma nova cultura política, que não aceite, que não tolere tamanha perseguição dentro da Câmara. Para isso a gente conta com as pessoas.