Vietnã: um colonialismo após o outro
Um olhar sobre os trinta anos de guerra no Vietnã
Foto: Fuga na embaixada americana durante a queda de Saigon. (LAM/Reprodução)
A Indochina teve de suportar duas guerras imperialistas sucessivas e devastadoras, primeiro francesa e depois americana. Washington mobilizou todos os meios à sua disposição para esmagar a revolução vietnamita, certo de que venceria – e foi derrotado. A imagem ficou para a história: o pessoal da embaixada dos Estados Unidos em Saigon foi retirado de helicóptero a 30 de abril de 1975. Abaixo um olhar sobre os trinta anos de guerra no Vietnã, por Pierre Rousset.
Após a derrota da França e a vitória em Dien Bien Phu (1954), as grandes potências impuseram ao Vietnã os Acordos de Genebra (1954), que lhe eram muito desfavoráveis, dividindo temporariamente o país em duas zonas de reagrupamento militar.
Os Acordos de Genebra deveriam ser seguidos de eleições a nível nacional, que teriam permitido o triunfo do governo de Ho Chi Minh. Estas eleições não se realizaram e o regime sul-vietnamita aproveitou a retirada das forças armadas revolucionárias para lançar uma campanha de eliminação dos quadros do movimento de libertação no Sul. Por seu lado, a França passou o bastão aos Estados Unidos.
Travar a dinâmica revolucionária no Sudeste Asiático
O que estava em jogo ia para além da península da Indochina. Washington queria travar a dinâmica revolucionária no Sudeste Asiático. Visava a China a oeste, que já tinha sido ameaçada a leste durante a Guerra da Coreia (1950-1953), e procurava consolidar a supremacia mundial do imperialismo americano. A segunda guerra do Vietnã pretendia exemplificar a onipotência dos Estados Unidos. O confronto no Vietnã tornou-se assim o ponto nodal da situação mundial em que se desenhava o equilíbrio de forças entre a revolução e a contrarrevolução e entre o bloco ocidental e o bloco oriental (China e URSS).
Embora beneficiando de uma base social assegurada, nomeadamente, pelos católicos vindos do Norte, o regime (corrupto e ditatorial) de Saigon não correspondeu as expectativas de Washington, que se viu obrigado a envolver-se cada vez mais no conflito, ao ponto de desencadear uma guerra total, em todas as frentes, a uma escala sem precedentes: envio de centenas de milhares de soldados (os “GIs”), bombardeamento da República Democrática do Vietnã, contrarreforma agrária no Sul, pulverização maciça de desfolhantes (o tóxico Agente Laranja) nas zonas arborizadas, desenvolvimento de tecnologias militares para localizar combatentes escondidos em túneis ou detectar movimentos noturnos das tropas…
Da ofensiva do Têt de 1968 à queda de Saigon
O conflito assume uma dimensão internacional importante, um campo de ação em que o movimento de libertação nacional estará fortemente envolvido, tanto no plano diplomático como no plano da solidariedade militante. No caso das revoluções russa e chinesa, o apoio tornou-se plenamente relevante após a vitória. Para as revoluções vietnamita (e argelina), foi um elemento-chave de uma estratégia em constante adaptação que conduziu à vitória. Alguns concluíram que foi o movimento antiguerra que derrotou Washington. Um anacronismo enganador. Durante muito tempo, a burguesia dos Estados Unidos da América apoiou o esforço de guerra, tal como a maioria dos cientistas, investigadores e engenheiros empregados pelo exército. Para que o protesto mudasse em termos qualitativos, era preciso que as perdas militares se tornassem demasiado pesadas, que o custo econômico do conflito fosse demasiado elevado e que a “legitimidade” do imperialismo americano no mundo fosse demasiado prejudicada.
Para forçar conversações que abrissem uma janela política de oportunidade de vitória, após a ofensiva do Tet em 1968, o movimento de libertação vietnamita impôs negociações bilaterais: a RDVN (República Democrática do Vietname) e o GRP (Governo Revolucionário Provisório) no Sul de um lado, os Estados Unidos e o regime de Saigon do outro, desta vez excluindo a presença das grandes potências “amigas” (Moscou, Pequim). Lançou então a ofensiva final em 1975.
Três décadas de guerra
Uma vitória histórica de grande significado, mas pela qual o povo vietnamita e as forças de libertação pagaram um preço terrível e pesado. Três décadas de guerra esgotaram a sociedade, esmagaram o pluralismo político, dizimaram os quadros do Sul e deixaram marcas profundas nas organizações que sobreviveram à prova (a começar pelo Partido Comunista do Vietnã, PCV). Washington isolou o Vietnã durante uma década, desta vez com o apoio da China. A ajuda sino-soviética (interessada) foi de grande importância para o esforço de guerra vietnamita, mas a independência de Hanói foi pouco apreciada por Pequim, que se aproximava de Washington, contra Moscou. O Vietnã foi vítima de conflitos interburocráticos quando os EUA e a China apoiaram conjuntamente os Khmers Vermelhos (!) numa nova guerra da Indochina.
O Vietnã foi libertado e a revolução prevaleceu, mas sob um regime autoritário. Por falta de apoio suficiente em tempo útil em 1945, 1954, 1968… “… Como “soldados da linha da frente”1, o povo vietnamita travou uma luta de que as lutas populares de todo o mundo – as da minha geração – beneficiaram enormemente. Pagaram um preço elevado. Hoje merecem o nosso apoio, mesmo quando são reprimidos pelo seu próprio governo.
Nota
- Nas manifestações de solidariedade nos anos 70 na França tínhamos o jogral “Salve a todos vôs, irmãos vietnamitas, soldados da linha da frente, nas trincheiras do proletariado mundial” ↩︎