A maior crise da história nas relações entre Brasil e Estados Unidos
A guerra tarifária de Trump desmascara a extrema direita brasileira em um cenário ainda incerto
O Itamaraty não deixou lugar a dúvidas ao definir como a maior crise de nossa história no que tange as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Trump oficializou ontem o decreto do tarifaço, para entrar em vigor em 6 de agosto. Aproveitou e conforme já se tinha noticiado, utilizou o mecanismo conhecido como Lei Magnitsky para retaliar Alexandre de Moraes e o STF.
A nova versão do tarifaço chega desidratada, motivando a linha do governo de seguir com altivez nos embates, buscando o isolamento da extrema direita nacional como traidores dos interesses do Brasil. A entrevista de Lula no New York Times e a declaração oficial do governo brasileiro enfatizou como “inegociável” a soberania nacional.
Os senadores brasileiros alertaram para novas restrições podem entrar em vigor- em noventa dias – como parte das retaliações aos Brics. Trump já ameaçou a Índia nos mesmos termos.
Moraes respondeu não se dobrando a Trump e tomando as sanções como elas são: mais um ataque frontal ao Brasil. E com Zambelli presa na Itália, o cerco fecha aos detratores que atentam contra a soberania brasileira.
Nessa maré convulsiva, é preciso entender e agir para defender os interesses do Brasil e do seu povo trabalhador.
A desidratação do tarifaço
Trump bradou e ameaçou abertamente, sem esconder o que queria quando elevou a linha do clã Bolsonaro à política de estado. Fez do caso brasileiro um capítulo especial da guerra tarifária que leva adiante no mundo inteiro. A Guerra é a política por outros meios, já disse o estrategista alemão Clausewitz. Ainda que não seja uma guerra militar, com armadas, exércitos e bombas, é uma guerra no sentido de escalar os conflitos de interesses opostos. Não é uma guerra militar, mas é tarifária.
Trump logrou acordos importantes, sobretudo com Japão e União Europeia – o que custou uma reclamação por parte de Macron. Os efeitos sobre o Brasil, com o decreto de 50% são graves, com empresas em pânico e algumas cogitando fechar plantas ou decretar férias coletivas. A queda de braço chegou num nível máximo, nunca visto.
Trump postergou em alguns dias a entrada em vigor do tarifaço, agora datado de 6 de agosto e abriu quase 700 casos de exceção. Entre os 694 itens estão pesos pesados da economia brasileira, como a indústria de aeronaves civis, a do suco de laranja, papel e celulose, castanhas-do-Pará, carvão, gás natural, petróleo e seus derivados, entre outros. O alívio, ainda que incerto, representa cerca de 45% das vendas brasileiras aos americanos, retirando da lista importantes empresas de ponta como o caso da Embraer.
De outra parte, seguem na “guilhotina” do tarifaço setores estratégicos, sobretudo ligados ao agro, como café, frutas, também carnes e pescados. E na espreita do processo todo, como questões transversais, o problema das bigtechs e dos minerais em terras raras. A disputa seguirá e não há uma definição no horizonte.
Trump não conseguiu impor totalmente o que queria e agora se dividem setores chave da economia nacional, fortalecendo os negociadores do governo, tanto entre a “frente institucional” quanto na opinião pública. A imprensa liberal atribuiu ao clã Bolsonaro e a intransigência de Trump a crise instalada. Moraes sai fortalecido. As pressões por uma “capitulação aberta” oriundas de alguma parte da burguesia, por agora diminuíram.
A volta da questão antiimperialista tomou a cena nacional. Um nível que há muito não se via de “coesão social” repôs a agenda política, tirou o governo da defensiva e gerou uma desorganização nas hostes da extrema direita.
A prisão de Zambelli colocou máxima pressão, uma semana depois de Bolsonaro ter sido, segundo as próprias palavras, humilhado ao ser obrigado a usar tornozeleira.
É possível vencer a chantagem
Algumas certezas já ficam evidentes na reação dos analistas políticos: o Brasil se saiu bem diante da pressão do 1 de agosto; Trump se converte cada vez mais num alvo dos povos do mundo, com sua prática opressora, como no símbolo de Gaza; a ação de Bolsonaro, ao menos em curto prazo, foi um verdadeiro tiro que saiu pela culatra.
Apenas 19% da população brasileira viu com “bons olhos” as medidas de Trump. O governo cresce quando afirma a soberania nacional.
O imperialismo, ao recuar em parte do decreto, mostra que é forte, mas pode ser parado. A questão dos Brics e do reconhecimento do Estado Palestino – que já teve eco na França, na Inglaterra e agora no Canadá – vai abrindo um novo caminho.
A “outra metade” do tarifaço aponta com toda força para o agro. O que farão esses setores, divididos, com uma parte que é base de apoio de Bolsonaro e do golpismo, mas que tem na China seu principal parceiro comercial, a grande responsável pela reprimarização da economia brasileira nas últimas décadas.
A crise vai seguir, mas o recuo de Trump indica que é possível vencer a chantagem, com duas condições: isolar e desmoralizar a extrema direita, com as prisões chegando ao Clã Bolsonaro e manter a coesão da sociedade, mobilizada nas ruas e nas redes. O ato convocado para 1 de agosto é um exemplo, ir às ruas pela soberania nacional unifica um amplo setor da população. O movimento estudantil está correto em tomar a dianteira dessa luta. Os atos não podem ser apenas convocados, mas construídos, de forma a se preparar para terem um verdadeiro sentido de pronunciamento unitário e comum, capaz de moverem dezenas de milhares em todo país.
Fortalecer a nossa agenda
Por isso, defendemos a unidade de ação, unidade dos movimentos sociais, as ações que o MST vem construindo. Trump é imprevisível, novas crises estão no horizonte, como a que antevê um novo colapso nas bolhas de IA.
É hora de fortalecer a nossa agenda, ao redor de tarefas concretas, que unem o PSOL e a esquerda como um todo: o plebiscito contra a escala 6×1, a defesa da taxação dos bilionários, a luta para que Lula vete todo o “PL da Devastação”, e a centralidade da agenda de soberania nacional, com mudanças na política econômica, com aprovação da regulação das bigtechs e a quebra das patentes americanas.
Junto a isso, por óbvio, é preciso prender os golpistas do 8 de janeiro, colocar Bolsonaro na prisão, e desbaratar a rede de apoio, financiamento e articulação política e comunicacional que atenta contra os interesses do Brasil.
As batalhas que virão exigiram tenacidade e combate do ativismo, que está se temperando e fazendo importantes experiências com a linha da extrema direita no mundo. Defender a soberania do Brasil e o reconhecimento do Estado Palestino é parte indissociável de luta que recém começa.