‘Estão com mais sede de me tirar daquele espaço’
Professora ânela

‘Estão com mais sede de me tirar daquele espaço’

Após audiência sobre política de drogas, Professora Angela (PSOL) é alvo de campanha difamatória e ameaça de cassação na Câmara de Curitiba. Campanha de solidariedade à vereadora cresce em todo o país

Tatiana Py Dutra 12 ago 2025, 06:20

Foto: Arquivo/CMC

A ofensiva da extrema-direita contra o debate democrático sobre política de drogas em Curitiba ganhou novo capítulo nesta segunda-feira (11), quando a Mesa Diretora da Câmara Municipal admitiu duas representações contra a vereadora Professora Angela (PSOL) por suposta quebra de decoro. 

As acusações, apresentadas pelos vereadores Da Costa (União) e Bruno Secco (PMB), estão ligadas à audiência pública realizada no último dia 5 – aprovada pelo próprio plenário – que discutiu segurança, saúde e política de drogas, e onde foi distribuído material informativo sobre a estratégia de Redução de Danos, reconhecida mundialmente como política de saúde pública. A decisão não avalia o mérito, mas abre caminho para que o caso seja investigado pela Corregedoria por meio de sindicância.

Foi Da Costa que acendeu o estopim de mais uma campanha persecutória contra parlamentares da esquerda no Brasil, ao protagonizar um escândalo durante a audiência pública. Com uma câmera na mão (para produzir um material sensacionalista para as redes sociais) e o fanzine informativo “Apologia ao Cuidado”, produzido pelo mandato de Ângela, ele passou a acusar o conteúdo de fazer “apologia às drogas”.  No dia seguinte, o parlamentar distribuiu cópias parciais do material aos demais vereadores, incitando discursos inflamados na tribuna e a ameaça de um pedido de cassação contra a vereadora.

Nesta entrevista, a Professora Angela fala sobre o significado da Redução de Danos, explica como esses ataques se inserem em uma estratégia mais ampla de perseguição política e reafirma seu compromisso com a construção de políticas públicas que salvem vidas e enfrentem as raízes estruturais da violência.

“A tentativa de criminalizar o debate, de distorcer a atuação, não é um ataque só ao meu mandato, mas de todos aqueles que acreditam em uma nova política de drogas – antirracista, antiproibicionista, baseada no cuidado, na autonomia. E eu acho que é isso que está em jogo agora”, pondera a vereadora. 

Assine o abaixo-assinado!

Professora, eu queria que você nos contasse sobre o dia do incidente. Como tudo aconteceu? 

O evento era uma audiência pública que tinha como tema segurança pública, saúde e política de drogas para a cidade de Curitiba. Para a audiência pública, realizada dentro da Câmara, foram convidadas várias autoridades, presidente da OAB Paraná, da FAS, superintendente da Guarda Municipal e comandante da Polícia Militar. Da [área de] segurança pública, ninguém foi. Mas a mesa foi composta por profissionais da saúde, da segurança, por indígenas e vários movimentos sociais estavam presentes, como a Marcha da Maconha. Foi uma audiência muito rica, com uma pluralidade de ideias, o debate era aberto e todos os vereadores foram convidados, inclusive. Eu fiz a abertura da audiência e, logo após a minha fala, começou  a de uma liderança indígena. Nisso, chegou. Um vereador de extrema direita, que pegou o material que a gente tinha confeccionado sobre redução de danos, e que estava disponível na entrada da audiência. Ele começou a filmar e a dizer que era absurdo aquele material, que nós estávamos fazendo apologia ao uso de drogas, que ele não ia admitir aquilo e tal. As pessoas que estavam mais próximas à porta começaram a se incomodar, a ver o que ele estava fazendo e pediram para ele sair dali. Isso gerou um certo tumulto. Eu saí da mesa, as outras pessoas também acabaram saindo, e nós fomos lá conversar com ele. Inclusive, eu tentei convencê-lo a fazer parte da mesa, disse que todas as ideias poderiam ser colocadas, que o ponto de vista dele também seria ouvido e tal. Ele se recusou e ficou filmando. E esse vereador tem uma base que vem das redes sociais; ele é muito ligado ao YouTube, tem um canal imenso né no YouTube, conta no Instagram e tudo. Então, ele se comporta dessa maneira porque tudo pode ser recorte para as redes sociais. Depois, ele se retirou e a audiência seguiu normalmente. 

Mas ele conseguiu polemizar bastante a respeito do material, não é?

Muito. O material era um fanzine, intitulado “Apologia ao Cuidado”, explicando a redução de danos com uma abordagem focada na saúde pública. Nós o fizemos na boa fé, para distribuir a pessoas que são usuárias ou que, enfim, estão convencidas a usar drogas. A intenção não foi fazer apologia ou ensinar alguém a usar, muito pelo contrário, era na tentativa de contribuir [para que compreendessem os riscos e os reduzissem]. O material foi tirado de contexto. Esse vereador pegou só a parte que fala sobre como usar, mas não mostrou a parte que explica que a redução de danos [tem eficácia] reconhecida mundialmente, por exemplo. Ele fez xerox só dessa parte específica e, no dia seguinte, distribuiu na bancada assim para todos os vereadores, que ficaram escandalizados, acharam um absurdo aquilo dentro da Câmara… Houve falas na tribuna repudiando cobrando da prefeitura, cobrando da Câmara sobre  com que dinheiro que foi feito aquilo, como foi permitida a audiência – sendo que a ela foi aprovada em plenária, mas eles alegaram que nós colocamos um nome que os  confundiu e que caso contrário, jamais teria passado. O nome da audiência era “Segurança Pública, Saúde e Políticas e Drogas para a Cidade de Curitiba”. Enfim, mas eles focaram muito mais na reprodução do material, tirado de contexto por má fé, dando espaço para a extrema direita aqui – que são em muitos, em Curitiba – fazer todo um sensacionalismo com esse tema. Eles começaram a repetir que eu estava fazendo apologia ao uso de drogas dentro da Câmara, na tentativa de criminalizar, falar de mim, da minha família, dos meus filhos, da minha profissão – sugerindo que eu era uma  professora que ensinava isso em sala de aula. Todo tipo de ofensas e, por fim, fizeram um vídeo dizendo que iriam pedir a minha cassação.

E que medidas seu mandato tomou?

Nós não distribuímos mais o material, o fanzine, mas passamos a distribuir a cartilha inteira sobre o tema, para eles verem que não se tratava de apologia. Mas eles desconsideram. Depois nós tomamos a decisão de parar de distribuí-la para não gerar mais polêmica, porque a gente entendeu que a extrema direita estava surfando nessa onda. Mas nós retrocedemos no sentido de acreditarmos que a redução de danos é correta, é uma política que já foi a mais usada pelo SUS, depois de 2019, com a nova política de drogas, ainda ser  utilizada e mundialmente reconhecida. Essa cartilha foi construída pela comunicação do meu mandato, com a orientação de advogados, de uma psicóloga que, inclusive, estava na mesa de debates da audiência; Nossa intenção sempre foi fazer uma discussão séria sobre drogas, porque entendemos ser caso de saúde pública, não como um caso de polícia, pensando em repressão, que é o que muitos fazem. Quisemos fazer uma discussão sem dogmas, baseada em ciência,em direitos humanos, baseada em quem vive a discriminação, a perseguição, até o racismo no dia a dia, porque a gente sabe que a guerra às drogas, na verdade, é uma guerra aos pobres, e que quem é mais afetado com essa guerra às drogas são os pretos, pobres, periféricos.

E é baseado nessa narrativa que ameaçam cassá-la? Eles já formalizaram o pedido?

Até ontem [quinta-feira, 7 de agosto], ainda não havia entrado o pedido de cassação oficialmente. Mas, provavelmente, virá porque o próprio presidente da Casa, o líder do governo, o corregedor da Câmara, todo mundo subiu na tribuna, todo mundo fez vídeo, falando que iam cobrar [responsabilização]. Inclusive tivemos de entrar com um pedido extrajudicial porque a Câmara fez uma nota que imputa ao meu mandato um crime, afirmando que eu estava fazendo apologia às drogas, no canal oficial da Casa. Mas cerca de 13 ou 16 vereadores fizeram um vídeo em conjunto com o folder na mão, afirmando que pediriam a minha cassação. Então sabemos que eles estão se organizando para isso.  

Você atribui esse movimento à ignorância ou acha que é má-fé mesmo?

Tem muito de má-fe. Porque inclusive, antes de a audiência começar, passou pelo saguão uma vereadora, que é da Igreja Universal, que pegou o material e elogiou, perguntou onde havíamos feito. Eu achei que ela estava com segundas intenções e fui conversar com ela, explicar sobre a redução de danos. Ela então disse que conhecia a política, que a igreja fazia um trabalho com prostitutas em que esse tema era abordado e tal. Porém, no outro dia, ela foi uma das que foi para a tribuna falar sobre o “absurdo daquilo”. Então eu acho que que tem muito de má intenção mesmo, sabe, de querer se aproveitar e de querer me calar. Isso porque, no dia anterior, eu tinha sido a única vereadora a subir na tribuna para falar da prisão domiciliar do Bolsonaro, enquanto todos os outros foram defendê-lo e pedir o impeachment do Xandão.  Eles não querem essa voz na tribuna falando isso, né?

Parlamentares de esquerda, sobretudo do PSOL, têm sido recorrentemente perseguidos pela extrema direita. Essa não é a primeira vez que investem contra seu mandato. Mas qual a diferença entre essa e as demais vezes?

No primeiro dia do meu mandato, uma fala minha já me levou para a corregedoria, e já tinham pedido a minha cassação. Eles me chamaram de antissemita, porque eu fiz uma fala defendendo a Palestina e chamando o estado de Israel de assassino. Eu fui absolvida porque houve vários pedidos de cassação por parte da direita – inclusive eu também fiz um pedido de cassação por transfobia de um dos vereadores – e acho que o corregedor quis deixar tudo quieto. Mas sinto que não havia a gravidade que tem esse momento atual. Vejo a coisa num patamar muito diferente. Na primeira vez, sofri uma acusação que não se fundamentava, que não tinha como prosperar. Mas hoje vemos que tem uma vontade de muitos. E também se passaram sete meses. Eles viram a minha atuação no plenário e  acho que estão com mais sede de me tirar daquele espaço.

E quais são as ações que a senhora está tomando para mobilizar os seus eleitores, a opinião pública? 

Para esclarecer, que é o principal, a quem não viu o material, foi feito um manifesto que foi assinado por diversos artistas intelectuais, diversos parlamentares do Brasil.. Ele já conta com bastantes assinaturas, inclusive de organizações ligadas à redução de danos e à política de drogas. Esse foi o primeiro movimento que a gente fez, até mesmo pra ter um material pra mostrar pra nossa base, porque muitos vereadores da extrema direita têm redes sociais muito grandes,com 800 mil, 600 mil seguidores, enquanto as minhas redes têm 15 mil. Há uma desproporção de alcance. E também temos uma mídia totalmente parcial e desonesta. Muitos veículos noticiaram o caso e nem me ouviram. Vieram dois canais de televisão me entrevistar, mas a notícia saiu em diversos jornais, blogs e portais, só com a versão do vereador que “denuncia” a professora que fez apologia às drogas dentro da Câmara Municipal. Enquanto isso, a gente está fazendo um trabalho mais formiguinha mesmo. A gente fez a nota oficial, publicou a minha fala na tribuna, quando eu rebato o que ocorreu no dia da audiência, e vamos produzir um vídeo explicando a situação. Estamos falando com os nossos eleitores, com as pessoas do nosso campo, pedindo apoio, pedindo solidariedade. 

E qual o retorno que está tendo?

Eu nunca me vi, assim, tão próxima à cassação. Eu sei que ela é muito real e que eles querem muito. Mas por outro lado assim eu me sinto encorajada porque também tem muitas pessoas que veem o quanto é absurdo isso que também estão se somando com a gente para lutar por esse mandato. Então eu acho que tem duas forças aí que vão competir bravamente para que esse mandato seja mantido. 


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