Extrema direita bloqueia Congresso em chantagem por impunidade
Aliados de Jair Bolsonaro obstruem o funcionamento do Legislativo e tentam forçar anistia aos golpistas do 8 de janeiro, em mais um episódio de chantagem institucional para proteger seu líder preso e inelegível
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Naquele que seria o primeiro dia de trabalho na Câmara após recesso parlamentar, os deputados bolsonaristas abriram nova ofensiva contra as instituições democráticas. Nesta terça-feira (5), eles fizeram um verdadeiro motim no Congresso Nacional, em represália à prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. Com esparadrapos na boca – à guisa de um suposto silenciamento – eles tomaram a mesa, paralisando sessões e impedindo votações. A obstrução, liderada por deputados e senadores do PL e partidos aliados, é uma nova tentativa de forçar a inclusão do projeto de anistia aos golpistas de 8 de janeiro na pauta de votações — projeto que perdeu apoio até mesmo entre setores do centrão.
A chantagem explícita já foi classificada por parlamentares progressistas como um atentado ao regimento e ao funcionamento do Legislativo.
“Que eles não gostam de trabalhar, o Brasil já sabe. Mas a obstrução que estão promovendo é inaceitável. Quem dera fosse só uma “greve de silêncio”, isso até seria um presente. O problema é que estão barrando o funcionamento da Casa em protesto contra a prisão domiciliar de Bolsonaro. É o cúmulo do desrespeito com o país”, declarou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
A estratégia da oposição bolsonarista inclui ocupação permanente do plenário, com revezamento de parlamentares durante o dia e madrugada, em clara tentativa de sequestrar o Congresso até que as condições para livrar Bolsonaro e seus cúmplices da justiça sejam atendidas.Para além da anistia, o grupo exige também o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que determinou a prisão de Bolsonaro. O movimento, no entanto, não passa de mais uma tentativa desesperada de deslegitimar o Judiciário e salvar o ex-presidente da responsabilização por seus crimes – prática recorrente do bolsonarismo desde a redemocratização.
Um histórico de chantagens antidemocráticas
Essa não é a primeira vez que a extrema direita usa o Congresso como palco de chantagem e sabotagem. Em 2021, parlamentares bolsonaristas pressionaram pela aprovação do “voto impresso” – proposta considerada inconstitucional e derrotada, mas usada como pretexto por Bolsonaro para convocar atos golpistas em 7 de setembro. Ainda em 2023, ameaçaram não votar o orçamento caso não fossem destinados bilhões de reais em emendas do “orçamento secreto”.
Mais recentemente, bolsonaristas tentaram travar votações até que fossem suspensas investigações da Polícia Federal contra aliados próximos de Bolsonaro. Agora, com o cerco se fechando contra o ex-presidente – em prisão domiciliar e inelegível até 2030 – a escalada antidemocrática volta à cena com mais virulência.
Pressão sobre o centrão
Sem maioria, a extrema direita mira o Centrão, na tentativa de cooptar votos e impor sua agenda de retrocessos. A decisão sobre a inclusão ou não da anistia golpista na pauta depende das articulações com os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que já vinham sendo alvo de ataques dos bolsonaristas por se recusarem a ceder à pressão.
Flávio Bolsonaro, senador e filho do ex-presidente, chegou a afirmar que a aprovação da anistia seria um “gesto simbólico” para sensibilizar Donald Trump e evitar sanções comerciais contra o Brasil – revelando o grau de submissão e alinhamento da extrema direita brasileira ao trumpismo e aos interesses de outro país.
Tentativa de desmoralizar o Judiciário
Observadores alertam para a gravidade da situação. O historiador Yagoo Moura, da FGV, classificou o bloqueio como um “fato inédito” desde o fim da ditadura militar. Segundo ele, “não se trata de uma pauta legítima do Parlamento, mas de uma tentativa de interferir no funcionamento de outro poder, o Judiciário”, o que configura uma crise institucional.
“A obstrução poderia ser feita dentro dos mecanismos democráticos. O que vimos foi uma tentativa de intimidar os presidentes das Casas e paralisar o país em nome da impunidade de Bolsonaro”, afirmou o especialista ao portal UOL..
Congresso desacreditado pela população
O Datafolha, em pesquisa divulgada ontem, revela que 78% da população acredita que os parlamentares trabalham mais em benefício próprio do que em prol do povo. A obstrução promovida por bolsonaristas apenas reforça essa percepção. Enquanto o país aguarda votações importantes – como a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil – o Legislativo está refém de um grupo que age em defesa de interesses pessoais, antidemocráticos e golpistas.
Para conter os danos, Hugo Motta antecipou seu retorno de compromissos na Paraíba e corre para evitar que a pauta econômica continue paralisada. Mas, diante da radicalização da extrema direita, resta saber se o Congresso será capaz de preservar sua função legislativa ou continuará sendo usado como escudo para criminosos.