As terras raras e a ilusão do desenvolvimentismo em tempos de colapso
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As terras raras e a ilusão do desenvolvimentismo em tempos de colapso

Uma resposta ao recente artigo do Profº Diógenes Breda sobre a exploração das terras raras brasileiras

Marino Mondek 5 set 2025, 10:23

1. Uma resposta a ilusão

Em sua coluna “Uma estratégia nacional para as terras raras brasileiras”, o Prof. Diógenes Moura Breda defende a exploração estatal das terras raras como caminho para a soberania nacional. Embora partamos do princípio de que os recursos nacionais devem servir ao povo brasileiro e não aos interesses geopolíticos dos EUA ou da China, é imperativo fazer uma crítica radical às premissas que sustentam seu argumento. Do ponto de vista de uma ecologia marxista, a questão central não é quem deve controlar a exploração, mas sim a constatação material de que a própria exploração é um caminho de destruição. Em um contexto de colapso climático acelerado, a verdadeira soberania não se conquista com a exploração, mas com a preservação radical desses recursos e dos territórios que os abrigam. A defesa da não-exploração não é uma negociação; é uma imposição da luta de classes contra o capital extrativista.

Em seu texto, o professor Diógenes parece assumir uma perspectiva desenvolvimentista que, mesmo em sua vertente mais “progressista”, permanece cativa de uma visão produtivista que entende o ‘desenvolvimento’ como um processo de dominação e transformação da natureza em valor de troca. Esta perspectiva trata a natureza não como base material e metabólica insubstituível da vida e de toda produção, mas sim como um obstáculo externo a ser superado, um estoque de ‘recursos’ passíveis de apropriação. Essa lógica naturaliza a ruptura metabólica entre sociedade e natureza, um processo que Marx, ao analisar o esgotamento do solo pela agricultura industrial, já identificava como inerente à lógica de espoliação do capitalismo, que, como já disse Marx, “só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social, esgotando ao mesmo tempo as duas fontes das quais brota toda a riqueza: a terra e o trabalhador”.

Ao não questionar os fins e os meios do ‘desenvolvimento’, este modelo simplesmente propõe que o Estado nacional ocupe o lugar do capital estrangeiro na pilhagem, sem alterar a equação fundamental que opõe a acumulação de capital à integridade dos ecossistemas. Desta forma, a ‘soberania’ defendida não é a soberania dos povos sobre seus territórios e seus destinos, mas a soberania do Estado para administrar o mesmo processo de mercantilização e espoliação, agora sob uma bandeira nacional. A verdadeira pergunta não é quem deve explorar, mas se devemos explorar, e a que custo para a humanidade e para o planeta.

2. O Mito do “Desenvolvimento” e a Realidade do Extrativismo:

O artigo opera dentro do paradigma clássico do desenvolvimento, onde a extração de recursos naturais é sinônimo de progresso e riqueza. No entanto, um olhar materialista sobre a mineração de terras raras revela uma realidade brutal de exploração e destruição.

Um estudo do próprio Serviço Geológico Brasileiro não deixa margem para dúvidas: os maiores depósitos de terras raras do país situam-se no coração da Amazônia, sobrepostos ou adjacentes a Terras Indígenas e Unidades de Conservação, como a Província de Maicuru (PA) e o Morro dos Seis Lagos (AM). A exploração desses depósitos, majoritariamente lateríticos, demandaria um consumo hídrico da ordem de trilhões de litros; cálculos conservadores apontam que, só na Província de Maicuru, o volume de água consumido poderia equivaler a dez Sistemas Cantareira. Isso sem falar no deslocamento de bilhões de toneladas de biomassa e solo, que converteriam floresta primária em crateras de mineração a céu aberto e montanhas de rejeito tóxico. Serão dezenas de projetos como este, cada um representando um epicentro de devastação, esgotamento hídrico e violação de direitos territoriais.

(Imagem: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

Esta não é uma abstração. Projetos em discussão, como os que ameaçam o Quilombo Kalunga em Mimoso (GO), a maior comunidade quilombola do país, são a face concreta dessa proposta de soberania. O que significa desenvolvimento se seu preço for o deslocamento de comunidades tradicionais, a devastação de milhões de hectares de biomas críticos e a poluição de bacias hidrográficas essenciais? Este modelo produz um desenvolvimento altamente desigual; gera acumulação por espoliação, onde a riqueza é construída sobre a destruição dos meios de vida de diversas comunidades. Portanto, a pergunta não é “como explorar de forma soberana?”, mas “soberania para quem?”. A resposta do desenvolvimento é: para o capital. A nossa resposta deve ser: para os povos do território.

(Imagem: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

3. A Falsa Dicotomia e a Armadilha da “Transição Verde”:

O texto nos coloca diante de uma escolha supostamente inevitável: ou exploramos nossas terras raras, ou os Estados Unidos o farão. Esta é uma falsa dicotomia que ignora a terceira e mais urgente opção: a não-exploração. A disputa geopolítica pura não pode ser o farol que guia nossas decisões nacionais, sobretudo enquanto o planeta colapsa. O capitalismo, seja ele “nacional” ou “estrangeiro”, é inerentemente energívoro e ecocida.

Aceitar a premissa da exploração como inevitável é render-se à mesma lógica destrutiva que nos levou ao colapso. A verdadeira soberania reside no poder de dizer NÃO. De dizer que nossas florestas, nossa água e nossas comunidades valem mais do que a participação em uma cadeia global de commodities.

A chamada “transição energética” capitalista, da qual as terras raras são insumo vital, é uma armadilha. Ela não propõe a superação do modelo de consumo insustentável, mas sim a sua perpetuação através de novos ciclos de extração. É a maquiagem que se diz como transição de um sistema ecocida para o mesmo sistema, obviamente igualmente ecocida, só que pintado de verde. Defender que o Brasil se torne o fornecedor de matérias primas para esta pretensa “transição” é assinar um pacto ecocida. A verdadeira posição soberana é denunciar esta falácia e negar-se a fornecer os recursos que só servirão para aprofundar o colapso.

4. A Ilusão da Soberania Tecnológica: Lições do Lítio Boliviano e a Armadilha das Cadeias Globais

Ainda que se ignore o colapso socioambiental, a ideia desenvolvimentista desaba ante uma análise materialista das cadeias produtivas globais. A experiência da Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) pode nos servir de exemplo: a curva de investimento para exploração é tão longa e custosa que, quando a produção finalmente avança, a tecnologia global já mudou, deixando o país periférico com um material subvalorizado, acompanhado, como no caso da YLB, de pesados investimentos iniciais que não garantem a almejada soberania industrial, mas sim uma reinserção subordinada nas cadeias globais. Imagina-se construir uma empresa estatal para controlar a extração, mas sem um parque industrial integrado e sem dominar a tecnologia de ponta para agregar valor ao produto final. O resultado inevitável é a reinserção subordinada nas cadeias de acumulação planetárias, comandadas por fundos de investimento e conglomerados tecnológicos dos polos hegemônicos, sejam dos EUA ou da China.

Mesmo no hipotético cenário de uma parceria tecnológica com a China, cujo projeto de desenvolvimento capitalista, programado com eficiência pelo Partido Comunista Chinês, prevê a externalização de segmentos menos rentáveis e com maiores riscos de suas cadeias produtivas, a ideia de soberania é uma ilusão. Tratar-se-ia de receber tecnologia de ponta, mas encapsulada em um enclave exportador que não conversa com o resto da economia nacional. Como peças de um grande quebra-cabeça, mas que só se encaixam no modelo das cadeias globais, continuaríamos subordinados à lógica da industrialização dependente, assim como nos anos 70 e 80, mas agora com roupagem high-tech e verde. O controle soberano da cadeia, do minério ao produto final de alto valor, exigiria um desenvolvimento orgânico e autônomo das forças produtivas em escala equivalente à dos EUA e da China, uma perspectiva ilusória até mesmo para os mais otimistas, dentro do nosso modelo capitalista e, em especial, dependente.”

Podemos citar também a experiência do Parque Nacional Yasuní, no Equador, onde a força popular derrotou esse modelo extrativista e desmascarou a falsa dicotomia entre desenvolvimento e conservação, especialmente no que diz respeito à exploração de recursos em áreas protegidas.

Podemos citar também a experiência do e a derrota, com a força popular, deste modelo extrativista e dessa falsa dicotomia sobre a exploração de recursos, em especial em áreas protegidas.

5. O que devemos defender? Um Programa de Não-Exploração e Anticolonialismo Ecológico:

Um programa verdadeiramente soberano não pode se furtar a esta discussão. Ele deve ter como horizonte a superação do capitalismo, parte da análise concreta de que a exploração é incompatível com a vida. Reivindicando o pensamento de Álvaro Vieira Pinto: o verdadeiro desenvolvimento não se mede pela imitação subalterna de padrões tecnológicos estrangeiros (desenvolvimento inautêntico), mas pela capacidade de uma nação de criar e dominar tecnologias que respondam às suas necessidades concretas e à sua realidade singular. A pergunta que se impõe, portanto, não é como nos integrarmos subordinadamente a cadeias globais de matérias-primas, mas que tipo de desenvolvimento tecnológico queremos: um que sirva à manutenção dos atuais processos de desenvolvimento ou a um ‘desenvolvimento autêntico’, voltado para o bem-estar dos povos e a integridade dos territórios?

Dito isso, nossa reivindicação deve ser:

1 – O reconhecimento de que a preservação desses territórios é uma frente de luta anticapitalista. A defesa dos quilombos e terras indígenas contra a mineração é a linha de frente da luta de classes e da luta ecológica no século XXI.

2 – Reconhecer que a “transição energética” capitalista é uma armadilha se for baseada na mesma lógica extrativista. A solução não é trocar a energia fóssil por uma mineração verde mitológica, mas reduzir drasticamente o consumo energético global, repensando o consumo e a forma de produção e reprodução da vida.

3 – Investir em um desenvolvimento tecnológico soberano, que emerja das reais necessidades do povo brasileiro e dos limites ecossistêmicos do território, e não das demandas do mercado global. Trata-se de inverter a lógica pregada pelo desenvolvimentismo: em vez de forçar o território a se adaptar à tecnologia destrutiva do capital, desenvolver tecnologia que se adapte à preservação da vida no território.

6. O Imperativo Civilizatório:

A defesa de um extrativismo estatal “soberano” é uma miragem perigosa. Ela nos oferece uma riqueza fictícia, medida em PIB, em troca de uma devastação real e irreparável. A verdadeira soberania reside no poder de resistir à chantagem geopolítica e colonial que nos diz para cavar nossa própria cova. Como marxistas, nosso lugar não é ao lado do extrativismo estatal, mas ao lado das comunidades que resistem a ele, nosso dever é desvelar as contradições de classe por trás desse projeto. A escolha não é entre o extrativismo nacional e o estrangeiro, mas entre o ecocídio capitalista e a defesa intransigente da vida. O futuro não será construído cavando buracos maiores, mas sim na capacidade de organizarmos e construirmos uma sociedade radicalmente nova, que viva em harmonia com a natureza, superando a lógica do lucro e da espoliação.


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