COP 30 no Brasil: entre o discurso ecológico e a realidade destrutiva
Às vésperas da COP 30, em Belém, o Brasil se apresenta como anfitrião de um espetáculo de contradições: enquanto posa de liderança ambiental, segue aprofundando alianças com o agro, o petróleo e o capital, em meio a um planeta em colapso climático
Foto: Roni Moreira/Ag Pará
A COP 30, em Belém (2025), ocorrerá em um cenário de colapso climático: emissões e temperaturas batem recordes, e eventos extremos se intensificam. No entanto, a trajetória das COPs anteriores é de fracasso, reduzindo-se a promessas vazias, acordos frágeis e a perpetuação de um sistema que mercantiliza a própria destruição que gera.
De Berlim (1995) a Baku (2024), a história se repete: tratados insuficientes, recusas de nações ricas em assumir responsabilidades e mecanismos de financiamento inefetivos. Três décadas de negociações resultaram em mais emissões, mais aquecimento e mais desigualdade, provando que o processo opera dentro dos limites impostos pelo capital. Um dos primeiros e mais famosos é o Protocolo de Kyoto (1997), que estabelecia critérios quanto à redução das emissões de gases do efeito estufa, já o Acordo de Paris (2015), visava manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2°C, procurando limitar o aumento da temperatura até 1,5ºC.
O Brasil chegará à COP 30 como anfitrião de contradições gritantes:
Para um governo que assume seu terceiro mandato repleto de representações indígenas importantes, mas que em seu terceiro ano de regência, apenas 16 Terras Indígenas foram homologadas. É necessário destacar que, mesmo com representações importantes que possuem consciência voltada à proteção às nossas florestas e às comunidades tradicionais e originárias, como o caso de Sônia Guajajara (Ministério dos Povos Indígenas) e Marina Silva (Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas), estas mulheres pouco conseguem colocar sua experiência e vontade de ação em prática. Diante de um governo que tenta conciliar pautas ambientais com a expansão do agronegócio e a abertura de novos caminhos para a indústria petroleira, torna-se impossível tratar das questões ambientais com seriedade dentro deste paradoxo neoliberal.
Com uma transição energética questionável, o Brasil insiste em soluções como hidrelétricas na Amazônia, biocombustíveis do agronegócio e exploração de energias não fósseis de forma predatória (eólicas e solares) ignorando os impactos sobre povos tradicionais e a biodiversidade.
No Rio Grande do Sul, a enchente de maio de 2024 foi uma catástrofe anunciada que devastou todo o estado, deixando milhares de desabrigados e centenas de mortos. Com impactos sentidos até hoje, a tragédia mobilizou o Brasil e escancarou a negligência dos governos estadual e municipal, marcada por uma gestão ambiental desastrosa e pela falta de políticas preventivas diante da crise climática.
Esse desastre ambiental também evidenciou o racismo ambiental: as populações mais pobres, negras e periféricas foram as mais atingidas, vivendo em áreas de maior risco e com menor acesso a infraestrutura, socorro e reconstrução, enquanto regiões mais ricas receberam resposta e recursos de forma muito mais rápida e eficaz.
Desmatamento e agronegócio
Apesar da queda recente nas taxas de desmatamento, a pressão sobre a Amazônia e o Cerrado segue forte, impulsionada por setores ruralistas e mineradores. O governo Lula, mesmo com discurso ambientalista, mantém alianças com esses grupos e apoia projetos como a rodovia bioceânica, pavimentação da BR-319 (no coração da Amazônia), Ferrogrão e a exploração de petróleo na margem equatorial. Mantém a política bilionária de financiamento recorde ao agronegócio através do Plano Safra e da Lei Kandir.
Um exemplo claro da ausência de política séria de preservação ambiental e transição energética é o projeto do governo de explorar petróleo na Foz do Amazonas, na chamada linha equatorial — do Amapá ao Rio Grande do Norte. A ciência, o IBAMA e até o próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, por meio da ministra Marina Silva, já se posicionaram contra.
Explorar petróleo nessa região é insistir no passado fóssil, ignorando o futuro que precisamos construir. Ainda assim, Lula insiste em levar adiante, num gesto negacionista semelhante ao de Trump, que defende “Perfurem, baby, perfurem!”, priorizando interesses econômicos e acionistas da Petrobras, hoje distante de seu caráter estatal.
A região abriga uma biodiversidade única, comunidades ribeirinhas, pesqueiras e povos indígenas, que serão os primeiros a sofrer em caso de desastre, como um vazamento de petróleo. Os impactos, porém, não seriam apenas ambientais: afetariam profundamente a economia local, a cultura e o modo de vida dessas populações, sem que o governo sequer dialogasse com quem mais será atingido.
Em plena emergência climática, tudo está interligado: a destruição da Amazônia influencia diretamente fenômenos como as secas extremas e as enchentes históricas no Rio Grande do Sul, como as de maio de 2024.
PL da Devastação: um retrocesso histórico no licenciamento ambiental
Ao passo que o Brasil tenta se colocar no centro do debate da sustentabilidade, da resiliência climática e na vanguarda da defesa de políticas voltadas à preservação ambiental, o congresso brasileiro aprova, com ampla maioria, tanto no senado como na câmara dos deputados o PL 2159/2021 mais conhecido como o PL da Devastação. Esse projeto tem como objetivo flexibilizar as leis ambientais do país, como por exemplo: permitindo o auto-licenciamento para construção de vias, rodovias, hidrelétricas, pecuária e mineração. O auto licenciamento consiste que não será necessário estudos de impacto ambiental, apenas o envio de “comprovações” via formulário online de que o empreendimento não afetará o meio ambiente e as comunidades que vivem nessas áreas, em sua maioria, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais.
Lula sancionou o chamado PL da Devastação, vetando apenas 63 trechos, menos de 20% do texto aprovado no Congresso. Na prática, a maior parte das mudanças que flexibilizam o licenciamento ambiental foi mantida, consolidando um grave retrocesso na política ambiental.
Entre os pontos barrados estão a tentativa de permitir a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio impacto; a retirada de proteções da Lei da Mata Atlântica e de unidades de conservação; a exclusão de quilombolas e povos indígenas das consultas obrigatórias; e a dispensa da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) como parte do processo de licenciamento.
No entanto, o que passou é ainda mais preocupante. O texto manteve o Licenciamento Ambiental Especial (LAE), um mecanismo que acelera e simplifica a autorização de grandes obras, mesmo quando possuem enorme potencial de destruição ambiental. Esse dispositivo abre caminho para projetos de alto impacto, como a pavimentação da BR-319, no coração da Amazônia; a construção da Ferrogrão, ligando áreas de produção de soja e milho à região Norte; e a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, ameaçando ecossistemas marinhos e costeiros únicos.
O risco não para por aí: muitos dos vetos aplicados podem ser derrubados pelo próprio Congresso, como já aconteceu com o chamado PL do Veneno (Lei 14.785/2023), que flexibiliza o registro e a fiscalização de agrotóxicos no Brasil. O resultado é um cenário de insegurança para as comunidades tradicionais, ameaça direta aos biomas brasileiros e um grave retrocesso na luta contra a crise climática.
O RS foi pioneiro em legalizar a falta de fiscalização com o desmonte da legislação ambiental promovida pelo governo Eduardo Leite (PSD), que alterou quase 500 itens no Código Ambiental Estadual. Estas alterações tiveram seus resultados nas enchentes de maio de 2024.
Falta de Radicalidade
A política ambiental brasileira ainda opera dentro da lógica do “capitalismo verde”, apostando em mercados de carbono e financiamentos internacionais, mecanismos que não desafiam o modelo extrativista mantendo seu histórico de fornecer commodities para os países ricos. A política ambiental brasileira tenta se equilibrar entre preservação e crescimento econômico, essa é a lógica de um governo neoliberal, de conciliação de classes, que precisa ao mesmo tempo cumprir a agenda para qual foi eleito, mas também agradar os setores corporativos e do agronegócio.
Sabemos que nesta disputa, quem tem mais peso na decisão não é o meio ambiente, mas sim quem tem dinheiro, ou seja: Os poderosos. É por isso que precisamos de radicalidade na defesa do meio ambiente, pois somente com uma política que coloque de fato a natureza e a biodiversidade no centro do debate é que vamos preservar o ambiente e o futuro da humanidade.
Precisamos inverter a lógica de que apenas teremos “progresso” se houver devastação dos nossos bens comuns. A resposta está na agroecologia, nas agroflorestas, nos galpões de reciclagem e entre outras alternativas que já se provaram rentáveis e sustentáveis para quem prática e com impactos positivos à comunidade. Ao contrário dos grandes latifundiários, pecuaristas, madeireiros que devastam muito e contribuem muito pouco. Porém, para que essas mudanças ocorram, é necessário que os governos apoiem essas iniciativas.
O Risco da “COP da Amazônia” Virar Lavagem Verde
O governo brasileiro tentará usar a COP 30 para vender uma imagem de “líder ambiental”, destacando:
- Projetos de Conservação: Como a criação de unidades de proteção ou repressão ao desmatamento ilegal — medidas importantes, mas incapazes de frear a lógica estrutural do capitalismo extrativista.
- Diálogo com Povos Originários: Haverá espaços formais para indígenas e quilombolas, mas sem garantia de que suas demandas por demarcação e veto a megaprojetos serão atendidas.
- Parcerias com Multinacionais: Grandes corporações (incluindo petrolíferas e agroexportadoras) financiarão eventos paralelos para maquiar sua responsabilidade na crise.
O cenário neoliberal de expansão predatória em prol de “mais recursos” para “mais produção” não se restringe ao Brasil, durante a Conferência das Partes, é necessário dar destaque ao genocídio palestino impulsionado pelas práticas imperialistas internacionais, executado pelo “Estado” de Israel e
financiado pelos Estados Unidos e seus apoiadores. É dever de todos os povos e movimentos que lutam por justiça social e ambiental se posicionar contra essa violência. Gaza representa, hoje, o encontro entre as lutas pelos direitos humanos e pela preservação da vida no planeta.
Trump, sob a justificativa de sancionar o Brasil por supostos desrespeitos aos Direitos Humanos, impôs tarifas absurdas sobre diversos produtos nacionais e, ao mesmo tempo, aumentou a pressão sobre nossas riquezas minerais, em especial as terras raras, estratégicas para a tecnologia mundial. Trata-se de uma tentativa de apropriação de recursos que aprofunda a dependência e a submissão do Brasil ao imperialismo.
A única possibilidade de avanço real virá de fora das salas oficiais: Por meio da mobilização popular, movimentos, sindicatos e organizações indígenas podem usar a COP 30 para pressionar por rupturas. Greves climáticas e protestos serão cruciais. É hora de expor como as “soluções” de mercado (como hidrogênio “verde” e carbono neutro) são cortinas de fumaça para manter o status quo.
A vitória do povo panamenho em 2023, que impediu nas ruas a mineração predatória da mineradora First Quantum, deve ser lembrada como exemplo de resistência popular em defesa do meio ambiente!
A COP 30 no Brasil pode ser um palco para desmascarar o sistema. Enquanto governos e corporações fingem agir, o colapso avança. A verdadeira resposta virá das ruas, das ocupações, das assembleias populares e da construção de um projeto pós-capitalista que coloque a vida acima do lucro.