IR de até R$ 5 mil: benefício popular ou moeda de troca do Centrão?
Proposta de isenção promete alívio para milhões, mas oposição denuncia chantagem para emplacar anistia a golpistas do 8 de Janeiro
Foto: Agência Cãmara
A Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta-feira (1º) o projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para contribuintes com salários de até R$ 5 mil. A medida, promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode beneficiar cerca de 10 milhões de brasileiros. No entanto, os bastidores em Brasília revelam que o tema, em vez de avançar como conquista social, vem sendo manipulado por setores do Centrão e do PL como instrumento de barganha política – especialmente em meio às discussões da chamada PEC da Anistia, que busca reduzir penas dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), apressou-se em negar qualquer relação:
“Já anunciamos a pauta para a próxima quarta-feira, independentemente de qualquer outra matéria aqui da Casa. Não há vinculação da matéria do Imposto de Renda com nenhuma outra matéria. Essa foi uma associação feita de maneira incorreta”, disse.
Mas a oposição insiste que a manobra é clara. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou ao UOL:
“O que virou o Imposto de Renda? Moeda de chantagem, como o Centrão faz sempre e como o Lira é especialista”.
O imbróglio cresceu após o Senado enterrar, por unanimidade, a chamada PEC da Blindagem, que garantia privilégios a parlamentares investigados. A derrota criou atrito entre Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Para reagir, senadores aprovaram em tempo recorde uma proposta semelhante de isenção do IR, pressionando a Câmara a dar andamento à pauta.
Enquanto isso, deputados ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pressionam para que a votação da isenção seja atrelada ao avanço da anistia aos golpistas. O relator da proposta, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), tenta costurar apoio inclusive com setores da esquerda, mas reconhece que o texto ainda não está pronto. Segundo a Folha de S.Paulo, Bolsonaro teria sinalizado que aceitaria a versão atual, desde que garantida sua permanência em prisão domiciliar.
A ofensiva levanta suspeitas de que o benefício popular esteja sendo sequestrado por interesses eleitorais e corporativos. O Planalto, por sua vez, insiste que a prioridade é atender os trabalhadores e sustentar a promessa de Lula de corrigir a tabela do IR, sem ceder às pressões bolsonaristas. Ainda assim, a votação traz riscos de alterações que podem favorecer bancos e grandes empresas – ou, no limite, travar novamente a tramitação.
Um parlamentar ouvido pelo UOL afirma que há quem veja na ampliação da faixa de isenção uma chance de “revanche” contra o governo, tentando elevar o teto para até R$ 10 mil e criar constrangimentos fiscais para Lula. O próprio Arthur Lira (PP-AL), relator do projeto, reconheceu que as emendas podem gerar impacto de até R$ 100 bilhões anuais:
“Muitas vezes, a vontade não condiz com a realidade”, disse.
No fim, o que deveria ser um avanço para milhões de brasileiros segue nas mãos de um Congresso dominado por interesses de curto prazo. O risco é que a conquista popular da isenção do IR seja usada como trunfo político em negociações que buscam, na prática, aliviar a barra de golpistas e blindar velhos privilégios.