A Geração Z do Marrocos e o Vulcão Regional

A Geração Z do Marrocos e o Vulcão Regional

O movimento da juventude marroquina é apenas a mais recente manifestação da crise regional revelada pela Primavera Árabe de 2011

GIlbert Achcar 27 out 2025, 14:42

Apenas alguns anos se passam antes que novos acontecimentos surjam para reafirmar a tese de que o que começou na Tunísia em 17 de dezembro de 2010 — e culminou no ano seguinte em uma onda massiva de levantes populares que se espalhou por seis países da região e incluiu várias formas de mobilização de massa em outros —, a onda conhecida como “Primavera Árabe”, não foi um evento isolado ou acidental. Pelo contrário, marcou o início do que descrevi como um “processo revolucionário de longo prazo” (em The People Want: A Radical Exploration of the Arab Uprising, 2013; 2ª edição, 2022).

A base dessa avaliação estava na compreensão de que a explosão sociopolítica em toda a região de língua árabe era a manifestação de uma crise estrutural profundamente enraizada. Essa crise resultou do desmantelamento das políticas econômicas desenvolvimentistas e de sua substituição por políticas neoliberais ao longo do último quarto do século passado. Essas mudanças ocorreram em um sistema de Estados regionais fundamentalmente incompatíveis com o que é exigido pelo ideal do capitalismo de mercado sobre o qual se baseia o dogma neoliberal.

Como resultado, a região passou a sofrer com um crescimento econômico notavelmente baixo em comparação com outras partes do Sul Global, marcado por altas taxas de desemprego — especialmente entre os jovens. As taxas de desemprego juvenil na região atingiram recordes, particularmente entre os diplomados universitários. Essas realidades sociais alimentaram as revoltas regionais que, embora diversas em suas causas políticas locais, compartilhavam uma base socioeconômica comum. A implicação dessa análise era clara: enquanto a crise estrutural permanecesse sem solução, a turbulência sociopolítica continuaria, e novos levantes e movimentos populares seriam inevitáveis.

De fato, apesar da derrota da primeira onda revolucionária de 2011 — devido à repressão das monarquias do Golfo no Bahrein, ao golpe militar no Egito e à queda da Síria, Líbia e Iêmen em guerras civis —, uma segunda onda de levantes começou em 19 de dezembro de 2018, no Sudão, espalhando-se para a Argélia, o Iraque e o Líbano no ano seguinte. Essa segunda onda acabou sendo sufocada por uma combinação de repressão e pela pandemia de COVID-19. No entanto, ela persistiu no Sudão mesmo após o golpe militar de 25 de outubro de 2021, até que o país mergulhou, por sua vez, em guerra civil em 15 de abril de 2023, em consequência de um conflito entre duas facções das forças armadas.

Enquanto isso, o sistema democrático da Tunísia — o último sucesso remanescente dos levantes de 2011 — foi desmantelado em um golpe liderado pelo presidente Kais Saied, que, com o apoio dos serviços de segurança, suspendeu a constituição em 25 de julho de 2021. Somado à eclosão da guerra entre facções militares no Sudão e à guerra genocida sionista em Gaza seis meses depois — que enfraqueceu ainda mais as esperanças regionais —, parecia que a erupção social das revoltas árabes havia se extinguido.

No entanto, tais impressões são enganosas quando se trata de avaliar o verdadeiro estado das tensões sociais na região. Para isso, é preciso basear-se em dados sociais e econômicos concretos — em especial o desemprego juvenil, um indicador-chave. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Oriente Médio e o Norte da África continuam apresentando a mais alta taxa de desemprego entre jovens do mundo, com quase um quarto da população entre 15 e 24 anos sem trabalho.

O enorme movimento juvenil que começou no Marrocos em 27 de setembro — e que ainda não terminou, apesar de uma recente pausa — demonstra que o vulcão social da região continua ativo. Diante dos alarmantes dados de desemprego no país, não é surpresa que os jovens marroquinos tenham tomado as ruas. De acordo com o Alto Comissariado do Planejamento do Marrocos, a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos (grupo ao qual pertence a maioria da Geração Z) chegou a quase 36% neste ano, com quase metade dessa faixa etária (47%) desempregada nas áreas urbanas. Entre os de 25 a 34 anos, a taxa é de 22%, e 27,5% nas zonas urbanas. São índices muito altos, agravados pelo desemprego entre graduados, que chega a cerca de 20% do total. Além disso, quase um quinto das mulheres na força de trabalho está desempregado. Esses números ajudam a explicar a grande participação de estudantes e jovens mulheres no movimento da Geração Z marroquina.

Essa nova geração de ativistas também inaugura novas formas de organização, especialmente por meio da tecnologia e das redes sociais. Jovens instruídos, hábeis no uso das plataformas digitais, tornaram-se centrais nesses movimentos. Enquanto as duas primeiras ondas de levantes regionais dependiam fortemente do Facebook, o movimento da Geração Z marroquina adotou o Discord — uma plataforma que permite decisões democráticas mais rápidas e descentralizadas. Mais de 200 mil usuários no Discord votaram sobre a continuidade das manifestações, refletindo um nível mais avançado de organização de base, até mesmo em comparação com os “Comitês de Resistência” sudaneses, que já representaram um passo importante na auto-organização democrática do movimento juvenil revolucionário.

Entretanto, o que continua ausente em todas essas experiências é um movimento político radical, de alcance nacional, capaz de unir-se ao movimento juvenil democrático de base para oferecer uma alternativa credível ao status quo. Tal movimento precisaria incorporar as aspirações por liberdade, democracia e justiça social, além de possuir a capacidade política para substituir os regimes existentes. Sem o surgimento de uma alternativa viável, o sucesso de qualquer futura revolta na região permanecerá incerto. Embora o processo revolucionário regional inevitavelmente continue, a ausência de uma alternativa plausível pode levar a um perigoso impasse — em que regimes existentes se mantenham no poder pela força bruta, enquanto outros colapsam no caos da guerra civil.

Traduzido do original em árabe publicado em Al-Quds al-Arabi em 21 de outubro de 2025.


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