Balas de borracha e autoritarismo na Câmara de Porto Alegre
Repressão a manifestantes contrários à privatização do DMAE termina com várioa feridos e abre crise na gestão de Comandante Nádia
Fotos: Ederson Nunes e Johan de Carvalho//CMPA
Uma sessão que deveria debater o futuro do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) e o novo Código de Limpeza Urbana terminou em violência e repressão nesta quarta-feira (15) na Câmara Municipal de Porto Alegre. A atuação truculenta da Guarda Municipal, sob ordens da presidente da Casa, Comandante Nádia (PL), deixou cinco vereadores e um deputado estadual feridos, além de dezenas de manifestantes atingidos por balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta.
Os episódios, denunciados amplamente por parlamentares e movimentos populares, marcam um novo capítulo do autoritarismo crescente no Legislativo porto-alegrense e motivaram o surgimento da campanha “Fora, Nádia”, que desde a noite de quarta-feira ganha força nas redes sociais. A mobilização exige a renúncia imediata da vereadora bolsonarista à presidência da Câmara e a responsabilização dos agentes envolvidos na violência.
Repressão e caos no Legislativo
O protesto reunia trabalhadores, estudantes, catadores e servidores contrários à privatização do DMAE e ao projeto que restringe a atuação dos catadores na capital gaúcha. Quando o grupo tentou acessar as galerias da Câmara, agentes da Ronda Ostensiva Municipal (ROMU) bloquearam os portões e restringiram o ingresso de manifestantes, alegando “protocolos de segurança”.
Com a Casa já lotada, os portões foram fechados, e a Guarda passou a reprimir quem tentava entrar no pátio do Legislativo. Foi nesse momento que começaram os disparos. Segundo relatos das assessorias, os vereadores Grazi Oliveira e Atena Roveda (ambas do PSOL) foram derrubadas e atingidas por spray de pimenta diretamente no rosto. Atena, que tem síndrome do pânico, desmaiou e precisou ser levada de ambulância ao Hospital de Pronto Socorro.
Os vereadores Giovani Culau e Erick Dênil (PCdoB) sofreram ferimentos nas pernas causados por balas de borracha, enquanto Natasha Ferreira (PT) foi atingida por gás lacrimogêneo. O deputado estadual Miguel Rossetto (PT) também foi alvejado enquanto tentava socorrer colegas.
“Fiquei quase uma hora sem enxergar”, relatou Grazi Oliveira, descrevendo a ação como “covarde” e “injustificável”.

Autoritarismo e despreparo
Mesmo diante das denúncias, a presidente da Casa, Comandante Nádia, ex-oficial da Brigada Militar e expoente do bolsonarismo gaúcho, afirmou que a intervenção foi “necessária para garantir a integridade das pessoas e a preservação da ordem”.
A resposta indignou parlamentares e movimentos sociais. Para os vereadores da oposição, a Câmara se transformou em um quartel, onde a divergência é tratada como ameaça e o diálogo dá lugar à coerção.
O vereador Roberto Robaina (PSOL) responsabilizou diretamente a presidente pela escalada da violência:
“O que se viu hoje na Câmara foi o resultado da gestão autoritária da Comandante Nádia, que acha que o Legislativo deve funcionar como um quartel. Ela é uma bolsonarista que não aceita a democracia nem a divergência. Depois de um dia como hoje, com violência contra vereadores, funcionários e manifestantes, ela deveria renunciar à presidência.”
Um plenário militarizado
A tensão foi agravada por episódios surreais, como o pedido do vereador Coronel Ustra para entrar armado no plenário, gesto que foi duramente criticado por outros parlamentares. “Que intenção pode ter um vereador armado na Câmara?”, questionaram nas redes. O fato reforça o clima de militarização e medo que tomou conta da Casa sob a gestão de Nádia.
Após horas de suspensão, a sessão foi retomada brevemente apenas para que a presidente anunciasse a retirada do projeto de concessão do DMAE da pauta. Mesmo assim, ela prometeu adotar “protocolos mais rígidos” para futuras sessões — o que, na prática, deve restringir ainda mais a presença popular nas galerias.
Campanha “Fora, Nádia” ganha as redes
A violência na Câmara teve rápida repercussão fora do plenário. Nas redes sociais, a hashtag #ForaNádia subiu entre os assuntos mais comentados de Porto Alegre e foi adotada por entidades sindicais, coletivos de catadores, parlamentares de esquerda e movimentos estudantis.
A campanha exige a renúncia da vereadora à presidência da Casa, a revogação dos protocolos de repressão e a garantia do direito de manifestação popular dentro do Legislativo.
Para muitos, o episódio desta quarta-feira escancara o projeto de poder da extrema direita local, que tenta impor à força sua agenda de privatizações e repressão aos movimentos sociais.
Enquanto a oposição promete recorrer ao Ministério Público e à Defensoria Pública para responsabilizar os envolvidos, uma certeza se consolida nas ruas e nas redes: Porto Alegre não aceita ser governada à base de balas e gás lacrimogêneo.