Câmara ignora povo e aprova concessão do Dmae em Porto Alegre
Mesmo com rejeição popular, maioria governista entrega parte do serviço de água e saneamento à iniciativa privada; Roberto Robaina (PSOL) diz que recorrerá ao BNDES para impedir privatização
Foto: Fernando Antunes/CMPA
Em uma noite marcada por protestos e resistência popular, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, nesta quinta-feira (23), por 21 votos a 14, o Projeto de Lei do Executivo 28/25, que autoriza a concessão parcial do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) à iniciativa privada. A medida, considerada um primeiro passo para a privatização do serviço, foi imposta pela base do prefeito Sebastião Melo (MDB) mesmo diante da clara rejeição da população.
A oposição, composta por parlamentares do PSOL, PT, PCdoB e PDT, lutou até o fim para barrar a proposta. Um substitutivo que preservava o caráter público do Dmae chegou a ser apresentado, mas foi derrotado pela maioria governista. Como denunciou o vereador Roberto Robaina (PSOL):
“É um grave erro, um prejuízo para Porto Alegre, mas ainda em que ter o processo de privatização. Nós vamos cobrar que o BNDES não autorize essa privatização. Nisso tem importância o governo federal. Não vamos aceitar essa entrega.”
O vereador Robaina já havia alertado que “há um interesse econômico em ocupar esse mercado que é um mercado altamente lucrativo” e que esse interesse está movendo a base do prefeito Sebastião Melo.
A voz das ruas silenciada
Desde as primeiras horas do dia, servidores do Dmae, municipários, sindicalistas e movimentos sociais ocuparam o entorno e as galerias da Câmara. Do lado de fora, o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) instalou um telão para transmitir a sessão, enquanto os gritos de “água é um direito, não mercadoria” ecoavam sem trégua.
O plebiscito popular e as 17 audiências públicas realizadas sobre o tema já haviam mostrado a vontade da cidade: a maioria absoluta da população se manifestou contra a entrega do Dmae. Ainda assim, a base do governo escolheu ignorar a voz das ruas.
“O que se aprovou hoje é um ataque direto ao direito à água pública, de qualidade e com tarifa justa”, afirmou o Simpa, em nota conjunta com o Cores Dmae.
Cenas de truculência que chocaram a cidade
Na sessão de 15 de outubro, quando o projeto estava em pauta, ocorreram graves atos de violência por parte da Guarda Municipal de Porto Alegre (GMP) contra vereadores de oposição e manifestantes. Foi registrado o uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta.
A nota da oposição afirmou: “Durante a sessão … manifestantes foram impedidos de acessar o plenário para acompanhar o debate público.” Entre os feridos, quatro vereadores.
A ação foi ordenada por agentes da ROMU, subordinados à Secretaria Municipal de Segurança, por determinação da presidente da Câmara, Comandante Nádia (PL).
O episódio constrangeu a institucionalidade democrática de Porto Alegre: o prefeito Melo determinou abertura de inquérito, mas a oposição exige punição, responsabilização política e renúncia da presidência da casa.
Um futuro mais caro e excludente
Para os críticos da concessão, trata-se de uma entrega que vai encarecer tarifas e reduzir o controle social sobre o serviço de água – um direito humano essencial. Como alertou Robaina, faltou debate qualificado com funcionários e técnicos do Dmae, para quem o órgão ainda pode operar de forma pública e com qualidade.
A experiência em outras cidades indica que, após privatizações ou concessões deste tipo, o resultado costuma ser aumento de custo à população e queda na qualidade do serviço. O sindicalismo local – por meio do Simpa – reforça que “autorização ao governo Melo para realizar a concessão/privatização do DMAE é um ataque direto ao direito à água pública, de qualidade e com tarifa justa”.
Próximos passos e resistência
Apesar da aprovação, a batalha está longe de terminar. A oposição reafirmou que vai cobrar que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não autorize a privatização, conforme o próprio Robaina advertiu. Para além disso, servidores e movimentos sociais prometem mobilizações, greves e ações judiciais para impedir ou frear a execução da concessão, em defesa de um Dmae 100% público, transparente e democrático.
“Essa luta não acaba aqui. Há oito anos resistimos à entrega do Dmae, e vamos continuar resistindo”, reforçou o Simpa.
A votação desta quinta-feira deixa claro que o governo municipal – com sua maioria parlamentar e estrutura administrativa – preferiu seguir a lógica do mercado do que escutar a população e o funcionalismo. O que se desenha é um padrão de tomada de decisões que vulnera os princípios da democracia participativa e entrega o patrimônio público às mãos de interesses privados, e expõe, mais uma vez, o caráter antipopular do governo.
Se haverá aumento de tarifa ou piora na prestação, só o tempo dirá – mas a alternativa, a de manter o serviço público, forte, técnico e a serviço das pessoas, foi deliberadamente descartada.