Irlanda: Esquerda vence eleição presidencial
Pela primeira vez, a esquerda irlandesa conquista a maioria dos votos em uma eleição nacional, resultando na eleição presidencial de Catherine Connolly
Apresentamos ao público brasileiro duas notas importantes sobre a recente vitória eleitoral da esquerda irlandesa. Colocamos aqui algumas informações:
No dia 24 de outubro, uma sexta-feira do outono europeu, ocorreram as eleições presidenciais na Irlanda. Três candidatos concorreram ao cargo: dois representantes de tradicionais partidos de direita – Heather Humpreys e Jim Gavin, respectivamente do Fine Gael e Fianna Fáil – e a candidata independente de Esquerda, Catherine Connolly. Connolly foi apoiada por uma coalizão que envolveu desde setores mais à centro-esquerda, como o Sinn Féin, o Labour irlandês e o Partido Social Democrata até partidos da esquerda socialista como o People Before Profit (PBP), além de ter desencadeado um amplo movimento pela base com milhares de ativistas e movimentos sociais. Foi uma campanha de unidade da esquerda, sob um programa e perfil de negação da ordem atual e apontando para transformações radicais na sociedade.
Apesar de cotidianos ataques da grande imprensa por suas posições políticas – principalmente em defesa da tradicional neutralidade militar irlandesa (contra o engajamento com a OTAN), programa anti austeridade e denúncia do genocídio do povo palestino por parte de Israel, Connolly não somente ganhou a eleição como foi a maior “lavada” da história das eleições presidenciais irlandesas: mais de 63% dos votos, contra menos de 30% da segunda colocada.
A Irlanda é um país que adota o regime parlamentarista, ou seja, o governo efetivo do país é exercido pelo Dáli (Parlamento), e o Chefe de Governo é o Taoiseach (Primeiro Ministro). Atualmente, o país é governado pelos partidos de direita tradicional, com o Fianna Fáil à frente.
A Presidência da República é um cargo mais simbólico e cerimonial do que executivo, mas pode cumprir um importante papel na luta política irlandesa. A grande vitória de Connolly foi um voto de oposição de esquerda ao governo da Irlanda, contra as guerras imperialistas e o genocídio do povo palestino.
A disputa com a Extrema-Direita
Nos últimos meses, a Irlanda vem aparecendo nos noticiários por violentas manifestações racistas e xenófobas, convocadas e dirigidas por grupos de extrema-direita. Assim como acontece em outras partes do mundo, a extrema-direita busca capitalizar o esgarçamento do tecido social promovido por décadas de austeridade neo-liberal, canalizando o descontentamento de massas empobrecidas contra imigrantes, minorias ou outros grupos oprimidos da sociedade. E também, como em outros países, vêm encontrando sucesso em se apresentar para setores da classe trabalhadora e do povo mais pobre como a alternativa “anti-sistema” que responde a essas frustrações.
Na Irlanda, a principal liderança de extrema-direita é o ex-lutador do UFC Conor McGregor, bastante identificado com outras figuras da extrema-direita internacional como Trump, Elon Musk e Tommy Robinson, dentre outros. McGregor chegou a tentar se inscrever como candidato a essas eleições, mas não conseguiu o número mínimo de indicações por membros do parlamento e, com isso, viabilizar sua candidatura. Com essa derrota, muitos de seus apoiadores decidiram boicotar a eleição, e outros acabaram apoiando as candidaturas da direita tradicional, principalmente após a chuva de ataques da imprensa a Connolly por suas posições mais à esquerda. Houveram casos de ameaças e mesmo ataques físicos à campanha de Connolly, inclusive até dias antes da eleição – mas isso não diminuiu o embalo e a dinâmica dos ativistas e da campanha.
A campanha de Connolly conseguiu reabrir o diálogo com importantes setores das massas populares e da classe trabalhadora que, sem conseguirem enxergar outra alternativa de oposição real ao establishment no país, acabam atraídas pela propaganda da extrema-direita.
Para disputar o espaço, a esquerda precisa mostrar sua cara. É um grave erro afirmar que o espaço “anti-sistema” já está ocupado pela extrema direita, e com isso concluir que o papel da esquerda socialista seria o de defender a decadente e anti popular ordem atual. É o que fazem alguns setores, defendendo governos e coalizões de colaboração de classes que aplicam políticas de conteúdo neoliberal (ou social-liberal).
Um exemplo disso é o que acontece na Grã Bretanha, onde o governo do Partido Trabalhista é um verdadeiro desastre, e o Primeiro Ministro Keir Starmer bate recordes negativos de popularidade e o tradicional Partido Conservador está em frangalhos – abrindo ainda mais o espaço para o crescimento da extrema direita no país.
Um dia antes da eleição presidencial na Irlanda, ocorreu uma eleição suplementar (eleição fora de calendário para um único assento parlamentar) para o Senedd (Parlamento do País de Gales) no distrito de Caerphilly (arredores da capital galesa Cardiff). Caerphilly é um bastião histórico do Partido Trabalhista (Labour), e nas últimas eleições para o mesmo assento este partido obteve uma vitória com ampla margem sobre os concorrentes. Com o desastre que é o governo Starmer, o partido de extrema-direita Reform UK jogou peso na campanha – e sua potencial vitória era vista como uma demonstração inequívoca de que nada pode deter a chegada desse partido ao governo britânico. Mas ao final, o grande vencedor das eleições foi o partido nacionalista galês de centro-esquerda Plaid Cymru (que está à esquerda do governo Trabalhista – o que, convenhamos, não é muito difícil nos dias atuais).
Junto a isso, começa a acelerar a reorganização da esquerda britânica. Está marcado para os dias 29 e 30 de novembro, em Liverpool, o congresso de fundação do Your Party (o nome é provisório) – partido fundado por Jeremy Corbyn, Zarah Sultana e outras figuras expulsas ou que saíram do Partido Trabalhista desde o giro à direita do partido e do governo, sobretudo em temas a Palestina e as políticas neoliberais e de austeridade fiscal implementadas pelo governo de Keir Starmer. O partido, que contou com mais de 800 mil assinaturas em seu pré-lançamento, andou enfrentando problemas políticos e de organização nos últimos meses, mas já conta com mais de 20 mil filiados formais, antes mesmo de seu lançamento oficial. Correndo por fora estão os Greens (Verdes), que deram uma acentuada guinada política à esquerda com a escolha de seu novo líder Zack Polanski – e mais do que dobrou de tamanho desde então, contando atualmente com mais de 120 mil membros.
Vale muito acompanhar de perto a situação.
Márcio Musse (é da Comissão Internacional do MES e residente no Reino Unido) e Israel Dutra (é sociólogo, Secretário de Movimentos Sociais do PSOL, membro da Direção Nacional do partido e do Movimento Esquerda Socialista – MES/PSOL)
Vitória de Catherine Connolly eleita Presidente da Irlanda: Uma vitória histórica para a esquerda
Por Paul Murphy – deputado do partido irlandês People Before Profit (Pessoas Antes do Lucro)
Publicado originalmente em https://rupture.ie/articles/catherine-connolly-wins-an-historic-victory-for-the-left
A vitória categórica de Catherine Connolly na eleição presidencial da Irlanda é um divisor de águas. É a primeira vez que a esquerda irlandesa conquista a maioria dos votos em uma eleição nacional. Esta também não foi uma vitória apertada; Catherine obteve o maior percentual e o maior número total de votos entre todos os candidatos presidenciais da história do país.
As forças do establishment político e midiático irlandês, em conjunto, fizeram tudo o que podiam contra Connolly para tentar conter o ímpeto por trás de sua campanha. “Difamá-la até a morte”, como sugeriu Ivan Yates, foi a estratégia empregada. Sua viagem à Síria, sua contratação de um republicano condenado por um crime com arma de fogo, seus comentários em oposição aos imperialismos americano, francês e britânico, bem como seu trabalho anterior como advogada, foram todos incansavelmente escrutinados e revirados.
O fio condutor da maioria das difamações foi o fato de ela não estar ligada ao establishment político e midiático, em sua defesa da neutralidade e sua oposição a um alinhamento cada vez mais público com a OTAN. Enquanto Heather Humphreys, do Fine Gael, se recusou terminantemente a criticar o que chamou de “nossos aliados” e sua participação no genocídio, Catherine Connolly criticou abertamente o financiamento americano dos crimes de guerra israelenses e a iniciativa de rearmamento na Europa, o que levou horror à maioria dos comentaristas políticos irlandeses.
Apesar disso, sua campanha, apoiada por todos os partidos de “esquerda” e por um movimento construído pela base, continuou a ganhar apoio em sucessivas pesquisas eleitorais e derrotou facilmente às candidaturas do establishment. Alguns tentam minimizar a extensão da vitória, apontando para as calamidades que atingiram os partidos do establishment – desde a desistência da candidata preferida do Fine Gael, Mairead McGuinness, por questões de saúde, e a dramática retirada da candidata do Fianna Fáil em meio à disputa, até as atuações pouco convincentes de Heather Humphreys na mídia. Mas esses fiascos foram, em grande parte, uma expressão do declínio das bases sociais do Fianna Fáil e do Fine Gael.
O fato de o Fianna Fáil, historicamente o maior partido da Irlanda, não ter conseguido encontrar um candidato confiável dentro de suas próprias fileiras e sua direção ter se sentido compelida a escolher uma celebridade para impedir que o corrupto ex-Taoiseach, Bertie Ahern, fosse indicado, é por si só instrutivo. O fato de Jim Gavin ter sido desmontado por um escândalo por ter roubado dinheiro de um de seus inquilinos foi uma justiça poética para o Fianna Fáil.
Da mesma forma, o fato de Heather Humphreys ter se mostrado uma candidata tão fraca exemplifica o quão profundamente desconectado o Fine Gael está da maioria das pessoas. Eles estavam convencidos de que Humphreys se provaria uma figura popular com um estilo “pé no chão”. Na prática, ela parecia desconfortável com qualquer questionamento que fosse além de frases de efeito. Apesar de seu cargo anterior como ministra, ela nunca havia enfrentado questionamentos muito desafiadores. Será que Mairead McGuinness teria sido uma candidata melhor para o Fine Gael? Ela se sairia melhor nos debates, sem dúvida. Mas, nesse caso, o debate teria se concentrado mais na direção da União Europeia e em sua estreita relação com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que apoia Israel. A maioria ainda está com Connolly.
Por que ela venceu?
Não devemos esquecer que os jornalistas tradicionais “perderam o bonde” completamente. Eles estavam ocupados nos dizendo a todo tempo como esta eleição presidencial foi “morna” e “pouco inspiradora”, enquanto um movimento se desenvolvia rapidamente em apoio a Connolly. Para aqueles que pensam que a política de verdade só acontece entre as quatro paredes da Leinster House, esta foi uma campanha entediante. Mas, no mundo real, Catherine estava motivando 1.500 jovens a comparecer a um evento de arrecadação de fundos na Vicar Street, que esgotou em menos de uma hora, e comícios e plenárias em todo o país que lotaram em todas as ocasiões.
Muita tinta será gasta agora por eles para evitar a conclusão mais básica e simples: Connolly venceu porque a maioria das pessoas concorda com seus valores, os valores da esquerda, e não com os do Fianna Fáil e do Fine Gael. Uma grande maioria apoia a neutralidade, apoia o direito à moradia e aspira a uma sociedade mais igualitária e justa. Estão horrorizados com o genocídio em Gaza e querem um presidente que seja claro e direto quanto à questão da liberdade palestina. A mensagem de Connolly de um movimento trabalhando para construir o que ela chamou de “uma nova República” repercutiu profundamente.
A juventude foi a energia e a vitalidade da campanha. Na pesquisa final do instituto Red C, ela obteve 57% entre os jovens de 18 a 34 anos, em comparação com 17% de Humphreys. Entre as pessoas de 35 a 54 anos, ela obteve 49% e, entre os com mais de 55 anos, 43%. O jornal Irish Times entrevistou 35 eleitores de primeira viagem: 29 votaram em Connolly, cinco estavam anulando seu voto e apenas um votou em Humphreys! Ela também obteve maior aprovação entre as mulheres do que entre os homens, e isso ficou evidente na prática. Muitos na campanha comentaram as semelhanças com a campanha contra restrições no Direito ao Aborto (2018) – que teve mulheres jovens como força motriz. Os jovens disseram não aos partidos conservadores e votaram em alguém que oferecia esperança e uma alternativa.
A campanha de difamação foi totalmente ineficaz e, em última análise, contraproducente para Fine Gael por uma série de razões. Uma delas é que Connolly nunca vacilou diante dos ataques. Ela não cedeu um centímetro e não se desculpou por suas críticas ao rearmamento europeu, nem por contratar uma pessoa que havia sido condenada. A ideia de que sua franqueza a prejudicaria não fazia sentido, considerando que nosso atual e muito amado presidente, Michael D. Higgins, também é um crítico do imperialismo estadunidense e da política governamental dos EUA. A própria natureza da Presidência também criou um terreno mais favorável à esquerda. A falta de poder real da presidente significava que as pessoas tinham liberdade para votar nos valores progressistas aos quais aspiravam, sem que o establishment pudesse ameaçar com implicações econômicas terríveis.
As qualidades pessoais de Catherine também se destacaram na campanha. “Autêntica” foi a palavra que muitas pessoas comuns usaram para descrevê-la. Todos os vídeos dela brincando com crianças e adultos, desde os “embaixadinhas” e “dribles” com uma bola de basquete, até clipes dela dançando uma céilí (dança tradicional gaélica) e tocando piano, revelaram um lado humano dela que as pessoas acharam imensamente atraente.
Outra razão pela qual Catherine venceu por uma margem tão ampla é que um movimento foi energizado em torno dela. Não há precedentes na história recente de uma campanha presidencial que se tornasse um movimento dessa forma. Embora Michael D. Higgins tenha se mostrado um presidente eficaz, sua campanha de 2018 foi, na verdade, apoiada pelo Fianna Fáil e pelo Fine Gael, enquanto ele venceu em 2011 devido à queda do apoio a Sean Gallagher após o debate final. A vitória mais próxima é a de Mary Robinson em 1990, apoiada por uma coalizão do Partido Trabalhista, do Partido dos Trabalhadores e dos Verdes.
Esta foi uma campanha insurgente e de oposição, organizada por ativistas aguerridos da esquerda independente e partidária. Mais de 15.000 pessoas se voluntariaram – a grande maioria das quais não era filiada a nenhum partido político. Mais da metade delas contribuiu financeiramente ou se tornou ativa na campanha. Essa energia, combinada com uma organização digital inteligente e mensagens nas mídias sociais, significou que a campanha de Connolly foi muito mais eficaz do que a campanha do Fine Gael em reunir e discutir com os eleitores. Em todos os círculos eleitorais, houve uma quantidade significativa de campanhas organizadas, em um nível que certamente não se via há décadas para uma eleição presidencial no país.
Anular o voto?
Com a direita católica ultraconservadora falhando por pouco em obter indicações suficientes de deputados ou senadores para entrar na cédula eleitoral, a extrema-direita lançou uma campanha ativa de “Estragar o Voto“. Esta é novamente uma novidade na política irlandesa.
Os mais de 12% que obtiveram em “votos estragados” são outro alerta: a extrema-direita tem suas garras e influência em comunidades da classe trabalhadora. No entanto, a experiência de campanha em áreas mais pressionadas da classe trabalhadora prova que esta não é uma batalha perdida, mas sim uma batalha que deve ser enfrentada. A maioria dos que consideraram anular o voto estavam abertos a se convencer de que o melhor protesto era derrotar o establishment político. Uma organização comunitária profunda e a tentativa de mobilizar as pessoas para a ação em questões como a crise do custo de vida serão essenciais para não entregar essas comunidades à extrema-direita.
Embora a extrema direita não estivesse diretamente na disputa eleitoral, sua ascensão e o aumento dos ataques racistas e do sentimento reacionário foram, sem dúvida, um fator determinante na campanha. Muitos, com razão, viram o apoio a Connolly como uma forma de se opor à guinada política à direita, à qual o Fine Gael e o Fianna Fáil se inclinaram. Sua vitória faz parte de uma contracorrente à ascensão da extrema direita.
Connolly também se destacou como uma militante de longa data pelo investimento na Gaeltacht (região da Irlanda onde o gaélico é falado com predominância) e pelo apoio à língua irlandesa. O fato de ter aprendido a falar irlandês fluentemente depois dos 40 anos reforçou seu compromisso com a língua e as comunidades Gaeltacht. Portanto, devemos ver sua campanha como parte de um novo renascimento da língua irlandesa, evidenciado pela popularidade do conjunto de rap Kneecap e outros artistas. Isso faz parte da formação de uma identidade progressista do que é ser irlandês hoje, em relação à nossa história anticolonial e em oposição ao nacionalismo branco e restrito da extrema direita, que faz mau uso da bandeira tricolor da República.
Esquerda socialista – um pilar fundamental da campanha
A esquerda socialista, em particular People Before Profit e os ativistas independentes de esquerda, foram uma parte crucial da campanha de Connolly. Muitos dos principais ativistas que desempenharam papéis centrais em nível nacional eram veteranos de campanhas anteriores bem-sucedidas lideradas pela esquerda.
A decisão de People Before Profit em se jogar com tudo nesta campanha, apesar das limitações do papel da Presidência, foi justificada pelo dinamismo da campanha, pelo resultado e pelas oportunidades que se abrem agora. Embora o nível de ativismo na prática tenha sido menor do que o que seria possível com uma campanha mais longa, representa, ainda assim, uma vitória crucial após uma eleição geral desafiadora e abre novas oportunidades.
Ativistas independentes que antes eram céticos em relação ao PBP notaram a abordagem construtiva e não sectária adotada pelo partido. Eles poderiam considerar se juntar ao PBP para trabalharmos juntos na construção de um partido pluralista e ecossocialista de massas.
Espero que os setores da esquerda socialista que apoiaram Catherine com relutância, enquanto criticavam o envolvimento do PBP na campanha, reflitam sobre o que aconteceu e do que eles acabaram se afastando. Uma polarização esquerda-direita ocorreu, e a esquerda venceu. Milhares de novos ativistas foram mobilizados pela primeira vez e ganharam experiência política e organizativa. O ímpeto que havia se deslocado para a direita foi recuperado pela esquerda.
Outros partidos no campo de Connolly
A campanha de Connolly também teve uma dinâmica dentro dos outros partidos que a apoiaram. Os sociais-democratas apoiaram Catherine Connolly desde o início. Eles ajudaram a criar um ímpeto na esquerda, o que efetivamente deixou o Partido Trabalhista e os Verdes com a escolha entre apoiar Connolly ou não ter nenhum candidato. Os membros do Partido Social-Democrata se engajaram com entusiasmo em nível local e nacional.
O Sinn Féin ingressou na campanha relativamente tarde, após considerar lançar seu próprio candidato. Contribuiu qualitativamente para a campanha em nível central e local, trabalhando de forma construtiva, ao mesmo tempo em que aproveitou a oportunidade para repopularizar Mary Lou McDonald como uma futura opção para Taoiseach (Primeira Ministra). Esta foi a primeira tentativa séria de implementar a estratégia de um “bloco republicano de esquerda progressista que respeita a independência e a autonomia dos partidos políticos cooperantes”, proposta pela primeira vez após as últimas eleições gerais pelo presidente nacional do Sinn Féin, Declan Kearney.
Sob qualquer aspecto foi um sucesso, não apenas com a vitória de Catherine Connolly, mas com um aumento de 5% nas pesquisas para o Sinn Féin. Trabalhar com outros partidos provou ser eficaz para aumentar o apoio ao SF. Para os membros do Sinn Féin e sua direção, a questão-chave é se eles estão agora dispostos a descartar uma coalizão com o Fianna Fáil e o Fine Gael e concentrar toda a sua energia em uma campanha por um governo de esquerda.
Para o Partido Trabalhista e os Verdes, a campanha de Connolly foi polarizadora. Expôs e enfraqueceu seus setores mais à direita. O ex-líder trabalhista Alan Kelly era convocado quase semanalmente pela mídia para declarar sua oposição a Catherine Connolly e seu apoio ao Fine Gael. A mídia relatou uma inquietação mais ampla entre os parlamentares, embora isso não tenha se materializado publicamente. Com a vitória tão decisiva de Connolly, a posição de Kelly está agora enfraquecida.
O mesmo aconteceu no Partido Verde, com o ex-deputado democrata Brian Leddin renunciando ao partido em oposição ao apoio a Catherine Connolly, principalmente, ao que parece, devido à sua oposição à guerra e ao imperialismo. Alguns outros o seguiram.
A derrota da oposição à cooperação de esquerda no Partido Trabalhista e nos Verdes deve facilitar para suas direções prosseguirem com essa iniciativa, se assim o desejarem. Um grande obstáculo, porém, é que, até agora, a aliança progressista proposta tanto pelo Partido Trabalhista quanto pelos Verdes (predominantemente direcionada aos sociais-democratas) tem sido maximizar a influência de negociação desses partidos em uma futura coalizão com o Fianna Fáil ou o Fine Gael. Não é isso que os envolvidos na campanha de Connolly buscam – eles querem, com razão, colocar para fora o Fianna Fáil e o Fine Gael.
O que vem pela frente?
Para os milhares de pessoas que se engajaram ativamente na campanha de Catherine Connolly e para muitas outras que a apoiaram passivamente, a grande questão é: o que vem a seguir? Ninguém acredita que vencer a Presidência seja suficiente para mudar o país, dados os poderes muito limitados a esse cargo associados. Catherine Connolly representará bem nossos valores na Presidência e se mostrará uma pedra no sapato do establishment político. Sem dúvida, as colunas de comentaristas reclamando sobre a extrapolação dos limites do cargo pelo Presidente, que se tornaram tão comuns no governo de Michael D. Higgins, vão continuar.
Mas as pessoas entendem que, para efetuar a mudança que precisamos, precisamos vencer muito mais do que a Presidência. A grande lição é que, se a esquerda se unir e buscar mobilizar as pessoas, ela pode vencer. A dinâmica da unidade pode gerar confiança e entusiasmar outros a se envolverem. A questão de um governo de esquerda volta a ganhar cada vez mais destaque.
No entanto, qualquer tentativa de desenvolver uma iniciativa focada apenas nas próximas eleições gerais está fadada ao fracasso, permitindo que toda essa energia e ativismo sejam dissipados. Desempenhar o papel de uma “oposição responsável”, esperando entre 2020 e 2024, provou ser calamitoso para o Sinn Féin.
As pessoas que sofrem com o impacto dos sucessivos aumentos nos preços da energia e dos alimentos não podem esperar. Aqueles que enfrentam despejos ou aumentos massivos de aluguel devido aos novos planos do governo não podem esperar. Aqueles que desejam ações significativas para a Palestina e a defesa de nossa neutralidade militar não podem esperar. Iniciativas conjuntas devem ser organizadas, juntamente com sindicatos e movimentos sociais – para defender o Triple Lock (mecanismo que garante a neutralidade militar irlandesa, mesmo como parte da UE); exigir a implementação integral do Projeto de Lei dos Territórios Ocupados (lei irlandesa que proíbe qualquer comércio com territórios ocupados, incluindo Israel) antes do Natal; acabar com a crise do custo de vida por meio do controle de preços e do fim da especulação; e implementar a proibição de despejos, juntamente com controles significativos de aluguel e construção de prédios públicos.
No entanto, lutas defensivas por si só são insuficientes. Precisamos elevar a expectativa do povo para a possibilidade de um governo de esquerda pela primeira vez na história do país. O People Before Profit propõe a outros partidos e indivíduos a organização de uma grande conferência da esquerda no Ano Novo para discutir como a cooperação da esquerda pode ser aprofundada, com vistas a apresentar uma escolha clara nas próximas eleições gerais: Fianna Fáil e Fine Gael, e seus aliados, versus um governo de esquerda.
Tudo isso levanta questões complexas para a esquerda socialista. Entendemos que o sistema capitalista, onde predomina o lucro, simplesmente não pode oferecer o que as pessoas exigem e precisam – o direito a um lar e a uma vida digna, um mundo sem guerra e opressão, o direito a um futuro sustentável e habitável para nossos filhos. Portanto, só entraremos em um governo que se comprometa com uma estratégia de poder popular, mobilizando a partir de baixo para superar a oposição da poderosa classe capitalista e promover uma mudança ecossocialista. Isso está longe do programa dos outros grandes partidos que apoiam Connolly.
No entanto, queremos ativamente o fim dos governos do Fianna Fáil e do Fine Gael. Queremos um governo de esquerda, mesmo com um programa muito mais limitado do que o ecossocialista que defendemos. Queremos que este governo e a abordagem de reforma do capitalismo sejam testados perante as massas. Estamos, portanto, abertos a participar desta dinâmica rumo a um governo de esquerda, incluindo o compromisso de votar para permitir a sua formação, apesar das limitações muito significativas do provável programa. A condição fundamental para nós é que mantenhamos o nosso direito à independência, que possamos apresentar a nossa própria posição ecossocialista e que continuemos a fortalecer as nossas ligações com as comunidades para mobilizar o poder das pessoas de baixo.
Em 1843, Karl Marx forneceu orientações úteis para socialistas que abordavam situações complicadas:
“Não confrontamos o mundo de forma doutrinária com um novo princípio: Aqui está a verdade, ajoelhe-se diante dela! Desenvolvemos novos princípios para o mundo a partir dos próprios princípios do mundo. Não dizemos ao mundo: Cessem suas lutas, elas são tolas; nós lhes daremos o verdadeiro slogan da luta. Apenas mostramos ao mundo aquilo pelo qual ele realmente luta, e a consciência é algo que ele precisa adquirir, mesmo que não queira.“
Um número significativo de pessoas está agora ansioso para dar os próximos passos após a campanha de Connolly para trabalhar para se livrar do Fianna Fáil e do Fine Gael e eleger um governo de esquerda. Deveríamos estar lá, ao lado deles, organizando-nos e tomando medidas em conjunto, aproveitando a oportunidade para convencer as pessoas do argumento apresentado por James Connolly em 1897:
“Se vocês retirarem o Exército Inglês amanhã e hastearem a bandeira verde sobre o Castelo de Dublin, a menos que se empenhem na organização da República Socialista, seus esforços serão em vão.“
Para conquistar uma República verdadeiramente nova, não bastará substituir o governo ou mesmo redigir uma nova Constituição. É necessária uma República socialista com os trabalhadores e os oprimidos no poder.
Uma Presidente para toda a Irlanda – A esquerda irlandesa finalmente se une
Por Joseph Healy (membro do Anti*Capitalist Resistance)
Por Joseph Healy, Membro da ACR – Anticapitalist Resistance, organização marxista revolucionária da Inglaterra e País de Gales
Publicado originalmente em https://anticapitalistresistance.org/a-president-for-all-of-ireland-the-irish-left-finally-unites/
Há algumas semanas, participei de uma chamada via Zoom organizada pelo RISE e pelo People Before Profit, um partido político de esquerda irlandês. Eu era o único na chamada que não estava na Irlanda, mas me apresentei como membro da grande diáspora irlandesa, muitos dos quais foram forçados a deixar o país nas últimas cinco décadas devido às ações do duopólio Fianna Fail-Fine Gael, que governou a Irlanda no último século. A reunião foi convocada para discutir a eleição presidencial irlandesa e o apoio de vários partidos de esquerda à candidata radical, Catherine Connolly.
Muito se falou sobre o fato de o presidente, embora chefe de Estado, não ter muito poder político, mas o fato é que o presidente que está de saída, o poeta de esquerda Michael D. Higgins (que é imensamente popular e cumpriu dois mandatos de sete anos), tornou-se um crítico ferrenho de Israel e uma voz crítica à desastrosa política habitacional do governo. Higgins foi atacado em diversas ocasiões pela imprensa aliada aos partidos do governo, provando ser uma verdadeira pedra no sapato deles. A reunião destacou que, para eles, a questão central era a neutralidade irlandesa, que está sendo intensamente debatida no momento, e que Connolly é a candidata pró-neutralidade. Isso se dá em vista dos esforços desesperados do governo para afastar a Irlanda de sua postura tradicional de neutralidade, aproximando-a da OTAN e de um possível envolvimento futuro na guerra na Ucrânia.
Na reunião, levantei a questão sobre o que aconteceria se o Sinn Féin (o maior partido de esquerda) apresentasse um candidato, dividindo assim o voto da esquerda. O deputado Paul Murphy, do partido People Before Profit, que coordenava a reunião, sugeriu que isso não representaria uma grande ameaça às chances de Connolly, visto que se tratava de uma eleição de PR e haveria transferências entre os dois partidos. Connolly havia sido apoiada pela maioria dos partidos de esquerda além de People Before Profit – os sociais-democratas, o Partido Trabalhista Irlandês e, posteriormente, os Verdes. O outro argumento principal na reunião foi que a vitória de Connolly na presidência seria uma grande vitória para a esquerda, um “cruzado no olho” nos direitistas Fianna Fail-Fine Gael e um trampolim para a vitória da esquerda nas próximas eleições gerais. Também levantei o fato de que muitos cidadãos irlandeses (aqueles que vivem na Irlanda do Norte e no exterior) estão excluídos do direito de voto nesta eleição e que o governo irlandês havia prometido, após a última eleição presidencial (há 7 anos), que esta seria a última eleição em que esses grupos seriam excluídos.
Candidatos do governo
Pouco depois disso, os dois partidos do governo selecionaram seus candidatos. O Fine Gael escolheu a experiente política e ex-ministra Heather Humphries, sobre quem falaremos mais adiante. O Fianna Fail optou pela escolha populista de Jim Gavin, ex-técnico do time de futebol gaélico de Dublin e alguém sem qualquer formação política. Ele já se mostrou fora de seu alcance no primeiro debate presidencial, mas, sem surpresa, está à frente nas pesquisas entre os homens mais velhos, muitos dos quais têm um interesse constante por futebol. Gavin também era oficial da força aérea e, portanto, traz consigo uma aura machista como figura esportiva e militar.
Humphreys é natural do condado fronteiriço de Monaghan e tem uma característica incomum: ser protestante. No entanto, dois presidentes irlandeses, incluindo o primeiro (Douglas Hyde), eram protestantes e isso nunca foi um problema. Muito mais problemático é o seu papel no governo anterior do Fine Gael, onde defendeu uma política muito severa de benefícios para pessoas com deficiência, o que se tornou bastante controverso.
As propostas do Green Paper (reforma da política de pensões a pessoas com deficiência do governo irlandês) incluíam um subsídio escalonado que vincularia o valor dos pagamentos a uma determinação da capacidade de trabalho e da natureza da deficiência. Ativistas da área da deficiência disseram que os planos eram um julgamento de valor “degradante e humilhante” que daria a impressão de que algumas pessoas estavam falsificando a extensão de sua deficiência ou doença. O Green Paper de Humphreys sobre benefícios por incapacidade foi descrito como um “copiar e colar” de uma “medida de austeridade muito desacreditada” no Reino Unido, chamada avaliação de capacidade no local de trabalho.
Estes são os calibres dos candidatos que os partidos do governo estão apresentando contra Catherine Connolly.
Mudança radical
A situação mudou radicalmente na semana passada a favor de Connolly, quando o Sinn Fein anunciou que, ao invés de apresentar um candidato, como costuma fazer, daria total apoio a Connolly. Isso foi ainda mais reforçado no último fim de semana, quando ela compareceu a uma conferência do Sinn Fein, sob aplausos entusiasmados, e declarou que sempre apoiou uma Irlanda unificada. Assim, pela primeira vez em décadas, toda a esquerda irlandesa está unida em torno de um único candidato, e isso transformou a eleição. Isso também levou a um ataque feroz a Connolly por parte da imprensa aliada ao governo e de grande parte da mídia irlandesa, particularmente na questão da Palestina.
Connolly tem uma longa trajetória política, tendo sido originalmente deputada trabalhista por Galway, mas posteriormente se candidatando como independente. Por esse e vários outros motivos, ela é desprezada pela ala direita do Partido Trabalhista, que foi superada internamente em votos na definição do apoio do partido. Connolly ocupou o cargo de Leas Ceann Comhairle (Vice-Presidente) do Dáil (Parlamento irlandês), cargo que lhe rendeu muito respeito. Ela também é única por ser a única candidata que fala irlandês fluentemente. Isso pode se tornar significativo na campanha eleitoral, com um forte e crescente movimento de língua irlandesa e, como a historiadora irlandesa Diarmaid Ferriter apontou recentemente, espera-se que o presidente desempenhe algumas funções em irlandês, que é a primeira língua oficial do estado, e que tenha um bom conhecimento dela. Connolly usa isso a seu favor, muitas vezes começando e terminando seus discursos em irlandês, e o utilizou com eficácia no primeiro debate presidencial com os outros candidatos, que ficaram sem palavras!
O processo de nomeação de candidatos nas eleições presidenciais irlandesas é bastante bizantino e significa que um candidato deve ser indicado por um número definido de deputados ou por várias autoridades locais. Com os partidos do governo controlando a maioria das autoridades locais, provou-se impossível para qualquer candidato independente (além de Connolly) concorrer desta vez, e esta eleição tem o menor número de candidatos (três) em muitos anos de eleições presidenciais. A extrema direita esperava que Conor McGregor, o boxeador irlandês e dono de um pub vizinho a Trump, fosse seu candidato, mas ele não conseguiu a nomeação. Outro candidato ultraconservador também não conseguiu ser indicado.
Pesquisas de opinião
As pesquisas de opinião sugerem que, atualmente, Humphreys é o favorito, mas Connolly lidera entre os jovens e muitas mulheres. Há um sentimento de que os apoiadores da extrema direita podem se abster nesta eleição, embora representem um grupo demográfico relativamente pequeno. Os principais ataques contra Connolly até agora foram sobre Gaza e, em particular, suas críticas à visão de Starmer (PM do Reino Unido) de que o Hamas não pode desempenhar nenhum papel no governo de Gaza. Connolly, com razão, afirmou que não era direito de um primeiro-ministro britânico ou de qualquer outra pessoa dizer a um povo colonizado quem deveria ser seu governo. A mídia de direita e os partidos do governo, previsivelmente em tons de choque e horror, acusaram-na de ser uma apologista do Hamas, mas ela se manteve firme. Na Irlanda, onde a embaixada israelense fechou devido à postura pró-Palestina do povo irlandês e à identificação com um grupo que também é vítima do imperialismo britânico, isso pode muito bem ser favorável para Connolly.
Connolly já teve um bom desempenho no primeiro debate de TV, mas campos minados políticos ainda estão por vir, particularmente sua defesa da neutralidade irlandesa, onde a guerra na Ucrânia será usada contra ela e os candidatos ao governo provavelmente defenderão um maior engajamento com a OTAN. É particularmente provável que isso venha de Gavin, com sua formação militar. No entanto, com uma equipe jovem e entusiasmada de apoiadores e as forças combinadas do Sinn Fein, PBP e outros partidos, ela tem boas chances de virar o jogo e seguir os passos do poeta político Michael D. Higgins.
Uma vitória de Connolly seria um grande incentivo para os partidos de esquerda e as forças progressistas na Irlanda. Ela também provavelmente será a presidente irlandesa que defenderá com mais veemência o fim da partição e a reunificação da Irlanda, após um século de ocupação britânica.