Mulheres negras na frente? Ou mulheres negras carregam o peso?
6faeb157-9e03-46ee-9ea7-14901e97bd78

Mulheres negras na frente? Ou mulheres negras carregam o peso?

Semear, cultivar, regar, deixar crescer, permitir que dê frutos sem você — e depois colher — são lições que as pretas-velhas transmitem a todo momento

Egbomy Ana Laura Oliveira 17 out 2025, 17:55

Primeiro, é importante entender que mulheres negras não apenas dirigem — elas semeiam.

Isso mesmo, semeiam. Marxistas, preparem-se.

A arte de cultivar é uma prática milenar, construída nas eras mesopotâmicas, que exigia uma inteligência — para alguns, incomum — que, segundo a visão patriarcal, vinha de qualquer lugar, menos da mente das mulheres.

Já parou pra pensar por que, nas antigas histórias, raramente vemos mulheres contando os relatos, mas encontramos muitos desenhos femininos sempre realizando tarefas de cultivo?

Semear, cultivar, regar, deixar crescer, permitir que dê frutos sem você — e depois colher — são lições que as pretas-velhas transmitem a todo momento.

No entanto, pouco se escuta o que realmente está sendo dito nessas palavras.

Mulheres negras são líderes em lutas diárias, mas também em batalhas decisivas ao longo da história.

A reflexão que me vem à mente é que mulheres negras não foram feitas para utilizar ferramentas endurecidas.

A direção que elas seguem ao semear, plantar e colher é delicada — mas o termo “dirigir” se enrijeceu tanto que já não se encaixa em corpos que suportam o peso do sistema racista.

Corpos que sustentam estruturas, filhos, casas…

Sustentar é um verbo que não deveria ser associado a lideranças negras.

Elas não estão aqui para sustentar; estão aqui para levar adiante, para estar à frente, para ser quem elas já são.

Qual é a diferença entre levar adiante e qualquer outro termo de direção? Talvez nenhuma.

Mas perceba: mulheres negras estão sempre à frente, mesmo que não sejam reconhecidas como líderes formais.

Já reparou nisso?

Observe quem segura as bandeiras, quem cuida das crianças, quem cozinha para a comunidade.

Ir à frente precisa ser sinônimo de ser dirigente!

Agora que você compreendeu que uma mulher negra não está aqui pra sustentar suas crises, podemos debater política, construção, ação e revolução.

Esta revolução será negra ou não será. Será dos povos oprimidos ou não será. Será?

Há uma disputa pelo caminho a seguir.

Hoje, vemos produtos de cabelo afro, mulheres negras empreendedoras, trancistas e mulheres negras na política.

Mas chegamos ao poder?

Você se sente realmente representada por uma mulher negra?

Ou está apenas constrangido, já que agora é “moda”, porque a mídia capitalista não suportou a pressão dos movimentos sociais e teve que se render, colocando mulheres negras como protagonistas em novelas?

Um avanço importante, mas que não basta!

Isso, de certa forma, esvaziou o sentido de “negras à frente”, pois, infelizmente, a estética muitas vezes vale mais do que perceber a concretude de estar à frente.

Não basta estar à frente; é preciso semear de forma coerente, semear água — e água, na luta, é algo raro.

Ser verdadeira consigo mesma, coerente com o objetivo estratégico e transparente.

Ser leve sem perder a capacidade de furar as pedras.

Em resumo, usar a presença de mulheres negras à frente de maneira superficial prejudica a revolução.

É uma excelente estratégia da elite pra acalmar as massas.

Quem tem poder quer que estejamos vazios de sentido — ou tão preocupados com quem tem o protagonismo que não percebemos a importância de regarmos juntas pra fortalecer a ferramenta que pode destruir o sistema.

As teias têm centro, mas isso não significa que não possam ser circulares.

Dentro do terreiro, aprendemos sobre hierarquia.

Mulheres negras são as melhores professoras — e aquelas que são respeitadas.

Na verdade, a Yá não é apenas a Yá: ela é a mãe, a senhora a quem pedimos a bênção, a mais velha ou a mais nova — sempre com o respeito em primeiro lugar.

Na sociedade, vemos mulheres negras sendo assassinadas a todo momento, e isso nem parece abalar muitos.

Isso não te abala? A mim, abala a todo instante.

Me dá ansiedade.

Penso que posso morrer amanhã só porque sou negra.

Você sente isso?

Estar à frente também significa superar, avançar — mas não é possível avançar sozinha, escalar pirâmides sozinha.

Por isso, é necessário construir coletivamente escadas.

Ser a ponta de lança, sem ter quem te mantenha afiada ou quem segure o cabo, te torna uma lança sem movimento — apenas ali, pra ser mostrada, mas sem ação.

Uma ponta de lança sem boas mãos de sustentação, ou sem uma boa lâmina, se desgasta.

E de forma tão rápida que, antes mesmo de perceber, perdemos mulheres negras pra outros caminhos que não o de continuar à frente.

São todas as mulheres negras que conseguem estar à frente? Não!

É importante respeitar isso.

A luta antirracista de verdade está em compreender que nem todas as pessoas negras querem — ou terão condições — de estar na linha de frente.

Também é parte do racismo achar que mulheres negras são obrigadas a permanecer na dianteira.

Muitas vezes, isso acontece quando há diversas pessoas brancas em um grupo que, por culpa histórica, tentam colocar a pessoa negra em seu “lugar de fala”.

Respeitar a fala e o lugar de fala é entender que, antes, é necessário fazer um espaço de escuta.

E perceber que é constrangedor, muitas vezes:

“Oi, mulher negra, fale como é ser mulher negra.

Fale sobre suas dores.

Fale sobre a morte dos seus filhos.

Fale sobre o que você sofre na favela.

Fale sobre sua falta de educação.

Fale por que você não teve estudo.”

Ou: “Mulher negra, faça! Faça! Faça!”

E, de novo, estamos sendo moldadas a ordens.

E a sentir que só temos aquilo a dizer ou a fazer, porque só tem você ‘capaz’ de fazer.

Obrigação vem da palavra obrigado.

Agora, por que obrigado é um agradecimento no Brasil?

“Fiz e obrigado.”

Obrigado por nada…

Por nada o quê? Eu não fiz nada — e você foi obrigado.

Percebe que até as mínimas coisas, ao longo dos anos, são permeadas por uma lógica de diminuição e exploração do outro?

Nós temos que viver sob essa lógica?

Não.

Nós temos que ser nós — de novelo — e, ao mesmo tempo, ser rede de uma teia tão firme que é impossível quebrar.

Temos que nos olhar e fazer de um corpo inteiro uma grande lança.

Reagir juntas e não deixar que nos dividam ainda mais.

Buscar o programa de queimar a casa-grande, ao mesmo tempo em que construímos quilombos.

Mas não como lugar de refúgio — e sim como um modelo que rompa com tudo o que nos oprime.


TV Movimento

Encontro Nacional do MES-PSOL

Ato de Abertura do Encontro Nacional do MES-PSOL, realizado no último dia 19/09 em São Paulo

Global Sumud Flotilla: Por que tentamos chegar a Gaza

Importante mensagem de três integrantes brasileiros da Global Sumud Flotilla! Mariana Conti é vereadora de Campinas, uma das maiores cidades do Brasil. Gabi Tolotti é presidente do PSOL no estado brasileiro do Rio Grande do Sul e chefe de gabinete da deputada estadual Luciana Genro. E Nicolas Calabrese é professor de Educação Física e militante da Rede Emancipa. Estamos unindo esforços no mundo inteiro para abrir um corredor humanitário e furar o cerco a Gaza!

Contradições entre soberania nacional e arcabouço fiscal – Bianca Valoski no Programa 20 Minutos

A especialista em políticas públicas Bianca Valoski foi convidada por Breno Altman para discutir as profundas contradições entre a soberania nacional e o arcabouço fiscal. Confira!
Editorial
Israel Dutra | 17 out 2025

Trump, tire as mãos da Venezuela!

É o momento de unidade em defesa da soberania da Venezuela contra a ameaça imperialista
Trump, tire as mãos da Venezuela!
Publicações
Capa da última edição da Revista Movimento
A ascensão da extrema direita e o freio de emergência
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!

Autores