O que significa a “revolta da geração Z” pelo mundo?
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O que significa a “revolta da geração Z” pelo mundo?

E qual nosso papel nessas lutas?

Theo Louzada Lobato 14 out 2025, 10:37

Foto: Protesto da juventude em Bangladesh. (Rayhan Ahmed/Wikimedia Commons) 

Três anos após o golpe de estado que levou Dina Boluarte ao poder no Peru, a presidente com maior índice de rejeição da América Latina foi destituída de forma unânime pelo congresso nacional por “incapacidade moral” de se manter no cargo. Com 93% da população contrária a seu governo, Dina teve, entre os fatores decisivos para ser obrigada a deixar o cargo, a onda de protestos que a juventude peruana vinha articulando contra ela e sua reforma previdenciária. As manifestações foram chamadas de “a marcha da geração Z”, em referência a um processo global de revoltas e mobilizações puxadas de forma ampla pela juventude.

Essa marca de “marchas” ou “revoltas” da geração Z tem sido assumida por mobilizações massivas em diversos países do mundo. Construindo uma identidade a partir das manifestações de agosto na Indonésia, esse movimento teve maior grau de radicalidade na revolta do Nepal e, a partir daí, alcançou diversas partes do globo, como Marrocos, Madagascar, Filipinas e Quênia. A bandeira do popular anime “One Piece” se tornou um símbolo entre manifestantes, na tentativa de construir uma imagem comum entre as diversas revoltas iniciadas por motivos diferentes entre si.

Ao mesmo tempo, outro movimento de massas tem ido um papel importante da juventude: a luta pela causa palestina. A interceptação da Global Summud Flotilha foi uma faísca importante para mobilizações massivas, em especial na Europa e mundo árabe. Em alguns lugares, como a França, os símbolos de ambos processos, de alguma forma, já se encontraram no meio das manifestações contra Macron e em defesa do povo palestino. Em meio a um novo processo da luta de classes é preciso então se perguntar: o que são essas mobilizações da juventude pelo mundo e quais desafios que podemos nos colocar perante a elas?

As lutas

A juventude foi liderança já vinha sendo liderança de importantes lutas no ano passado, em especial na revolta estudantil do Bangladesh e na mobilização anti-autoritária da Coreia do Sul. Esse ano, porém, a amplitude e conexão dos atos foi construindo uma marca comum entre essas diversas mobilizações protagonizada pelos jovens. Já em junho, no Quênia, a morte do blogueiro Albert Ojwang enquanto estava detido por difamar o vice-chefe de polícia do país, abriu espaço para fortes manifestações no país entre junho e julho, sendo as primeiras manifestações massivas de juventude do ano. O movimento foi duramente reprimido, com mais de 1500 pessoas presas e pelo menos 65 mortos.

Os símbolos que tem marcado esses atos globalmente, porém, começaram a melhor se definir na Indonésia. Desde fevereiro, o movimento estudantil do país vinha organizando manifestações sobre diversas pautas, como o aumento de gastos com a polícia e casos de corrupção de políticos importantes. Porém, em agosto, as manifestações começam a se nacionalizar, pautando contra o aumento do auxílio-moradia de parlamentares para o valor equivalente a 10 vezes o salário mínimo do país. A morte de um entregador de comida que não estava participando das manifestações pela repressão policial em um ato faz com que o movimento estoure: em um país onde se ampliava o subemprego e a descrença com o governo, esse assassinato levou centenas de milhares de pessoas às ruas em uma crítica generalizada ao governo, seu sistema político e a repressão.

Nos meses seguintes, diversos países tiveram levantes e mobilizações massivas de juventude. O caso mais repercutido, também pela sua radicalidade, foi possivelmente o Nepal. Em um país que tem sua juventude com 22% de desemprego, a juventude entrou em uma revolta generalizada após a proibição do governo do uso de redes sociais. Mas as pautas foram além, numa crítica às condições de vida, ao subemprego, ao nepotismo e ao sistema político, levando inclusive à derrubada do primeiro-ministro do país. A forma com que os manifestantes tomaram as principais cidades do país se organizando por meios digitais, repercutiu pelo mundo inteiro pelas redes sociais.

Isso fortaleceu um sentido comum em diversas mobilizações que se ampliaram desde então entre as juventudes. No Marrocos, as mobilizações foram iniciadas pela crítica aos gastos feitos para a Copa de 2030, nas Filipinas por casos de corrupção no governo, no Madagascar os protestos começaram contra cortes de energia e água. As demandas são diversas e muitas vezes difusas e, em boa parte dos casos, as lutas foram se tornando revoltas mais generalizadas contra os próprios sistemas políticos. Um sentimento comum, porém, foi possível de se construir nessa dispersão e isso não é por acaso: está ligado diretamente à crise multifacetada do capitalismo global.

Os motivos

Não existe uma resposta única para o porquê dessas mobilizações estarem acontecendo. Mas para entender essa dinâmica só é possível analisando o momento em que vive o capitalismo e a geopolítica global. O interregno – o momento descrito por Gramsci onde aqueles que estão no poder não conseguem mais governar normalmente, mas que não existe ainda possibilidade da tomada de poder de seu grupo social competidor – segue sendo uma realidade de nossos tempos.

A crise econômica iniciada em 2008 nunca fechou por completo seu ciclo, demonstrando que há uma dificuldade estrutural do capital em se reproduzir. A aposta dos capitalistas foi a de salvar bancos com dinheiro público e ampliar o capital especulativo, fortalecendo uma crise permanente: recessões regionais, setores em crise, demissões em massa, governos corruptos e de baixa popularidade são as regras gerais das últimas décadas. Esse cenário gerou também uma crise de perspectiva sobre o próprio sistema, o que serviu como base de revoltas massivas como a primavera árabe e outras mobilizações globais, que no Brasil se expressaram em Junho de 2013.

O cenário global em 2025 não é o de superação da crise, pior que isso, de alguma forma ela avançou. A pandemia serviu como instrumento para ampliação de desigualdades, além disso, a extrema-direita se consolidou como fenômeno, se ampliando a partir de uma indignação difusa fruto da crise e se aproveitando da dificuldade da esquerda radical em construir sua própria alternativa. Esse mundo em disputa com o neofascismo, portanto, se tornou é um mundo de ainda mais crises e conflito: a ampliação das guerras no mundo, o genocídio em Gaza, a disputa tarifária. Todo esse cenário desmonta a mentira liberal da marcha do capitalismo rumo a um mundo estável, onde os confrontos podem ser resolvidos por meio das instituições.

É essa crise global, portanto, ainda sem uma alternativa real de solução, que se expressa das mais diferentes formas nos países. Corrupção, violência policial, falta de saneamento, retirada de direitos previdenciários: tudo pode ser uma faísca com governos já fragilizados e um sistema global instável. Os protestos da geração Z são um dos reflexos dessa conjuntura e da busca de uma juventude descrente em seus governos e instituições a uma alternativa que ainda não existe às condições objetivas que vive.


Os símbolos, métodos e significados

Os recentes protestos têm se desenvolvido com dois símbolos principais: a própria marca da Geração Z (no Marrocos, por exemplo, o movimento tem se chamado Gen 212, em referência ao código postal do país) e a bandeira dos chapéus de palha, do anime One Piece, que vem sendo adaptada a diversos símbolos e imagens locais, baseadas na bandeira pirata.

A reivindicação dos protestos enquanto “Geração Z” reforçam, além de um marco geracional, a tomada de protagonismo da própria juventude para lidar com a crise em que vivem e cresceram também a partir de seus próprios métodos, no qual a organização das lutas por meio de “novas” redes sociais como TikTok e Discord é parte da sua expressão. Mas essa identidade comum busca também construir um sentido de conexão internacional, de protestos que, mesmo com pautas diferentes, fazem parte de um movimento “maior” construído por essa geração.

Junto a isso, surge a bandeira dos chapéus de palha, iniciada como um protesto dos caminhoneiros da Indonésia, que foi criticado pelo governo por ser “antinacional”, a bandeira encontrou diversas adaptações em cada país, sendo usada como um símbolo de antiautoritarismo e revolta. O anime, marcada pela luta de seus protagonistas contra um governo mundial que mantém uma elite dominante ultra-privilegiada enquanto a maioria do povo é explorado, consegue se tornar um símbolo também pela ausência de representações e alternativas que essa juventude encontra no mundo real.

Ou seja, essas mobilizações vão encontrando símbolos que correspondam a sua atual dinâmica, expressando, ao mesmo tempo, a vontade da juventude de tomar para si o protagonismo de enfrentamento a um sistema que só são incluídos para serem explorados, sem, ao mesmo tempo, terem uma alternativa definida para conseguir levar essa disputa até o fim.

A disputa para um programa

Nos últimos meses, outro processo de lutas globais tomou o mundo: a defesa do povo palestino, em especial a partir da interceptação da Global Summud Flotilha. Milhões de pessoas de mundo tomaram as ruas de países como Alemanha, Tunísia, Países Baixos e Espanha. Na Itália, a luta foi ainda mais radicalizada, com greves gerais e um papel muito forte do movimento estudantil na ocupação de universidades. Os dias 2 e 3 de outubro construíram marchas globais que há muito tempo não se viam de forma unificada, com uma composição mais ampla, mas também com peso importante da juventude.

A resistência contra o genocídio construído pelo Estado de Israel e seus cúmplices, fez com que diversos países tivessem suas maiores manifestações em anos e foi fundamental para a decisão de diversos governos no reconhecimento da Palestina. Porém, essa bandeira também se mostrou como um marco de unidade, com peso de juventude, de diversos setores pelo mundo dispostos a se enfrentar contra a extrema-direita.

Em alguns países essa mobilização se somou às lutas contra suas próprias burguesias, como nas greves e mobilizações francesas contra Macron e seus ajustes neoliberais. Essa conexão mostra um desafio importante, de construir uma alternativa em meio à crise. A expressão de Zohran Mamdani em Nova Iorque mostra um espaço em aberto, com um autodeclarado socialista, em prol da causa Palestina, com maior probabilidade de se eleger prefeito da cidade.

Isso demonstra como é urgente a construção de uma alternativa anticapitalista para a crise, algo que não pode ser feito só reafirmando um programa máximo em abstrato. Compreender e disputar essas mobilizações globais da juventude é parte fundamental disso, visto que pela sua própria amplitude, serão certamente disputadas por diversos setores sociais e o resultado dessa dinâmica também depende de quem atua dentro dessas lutas e dá saídas a elas.

Ou seja, há um desafio triplo: compreender e atuar nessas revoltas da juventude pelo mundo, relacionar esse processo com o enfrentamento global à extrema-direita, como tem sido feito na prática a partir da luta contra o genocídio perpetuado por Israel e afirmar um polo anticapitalista por dentro dessa dinâmica.

Nesse sentido, a unidade construída em torno da luta Palestina, que na juventude teve uma das expressões na campanha organizada pela Flotilha, Waves To Gaza, foi um passo fundamental e ajudou a conectar setores em luta. Temos uma oportunidade futura, com a Conferência Antifascista em Porto Alegre, que pode ser um espaço também de encontro de importantes setores dessa juventude em mobilização. É necessário que a indignação encontre um programa, mas, para isso, é preciso fortalecer as lutas e construir pontes.


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