A vitória de Mamdani e os reflexos para a esquerda brasileira
A vitória de Zohran Mamdani é um fato mundial que influencia e reflete os debates no presente
Zohram Mamdani confirmou o favoritismo de uma campanha mobilizada e se sagrou prefeito de Nova York, com mais de 1 milhão de votos, recolhendo 51% do total de votos.
A vitória foi um fato mundial, dado a importância da eleição de NY, uma das cidades mais importantes do Planeta; e dado o cenário internacional. A situação política está “mundializada”.
A vitória de Mamdani, jovem que será o primeiro prefeito de origem muçulmana e declaradamente socialista, trouxe entusiasmo e esperança para a esquerda em todo lado. Os ventos do norte sopram trazendo uma mensagem de espaço à esquerda, que influencia e reflete nos presentes debates.
E não é só o entusiasmo que conta, senão a política concreta diante da ofensiva de Trump contra os povos; e as reflexões acerca da “estratégia” de como dar conta da tarefa mais importante da nossa geração: derrotar a extrema direita e a catástrofe política-ambiental que nos cerca.
Do extraordinário ao cotidiano
Mamdani é um sopro de esperança porque rompe a lógica do “Mal menor” tão em voga nos círculos da esquerda. Não se pode explicar sua vitória senão alicerçada na mobilização concreta ao redor de problemas políticos como a questão do genocídio da Palestina, da perseguição aos imigrantes nos Estados Unidos e questões sensíveis quanto ao custo de vida dos trabalhadores de Nova York.
Numa cidade onde concentra 13% de sua população total de judeus, Mamdani optou por fazer uma defesa categórica da Palestina, vencendo as prévias democratas contra Cuomo – que se apresentou novamente como oponente, agora como “candidato independente”, unindo a maioria do status quo e mesmo da extrema direita, que optou pelo voto útil em Cuomo para derrotar a “ameaça socialista” de Mamdani. Musk e Trump declararam nas redes todo ódio contra Mamdani, chamando de “hater” dos judeus, entre outros impropérios bem ao gosto da extrema direita.
Nesse caldo, as escolhas de Mamdani foram certeiras: apresentar um programa concreto, tocando nos temas econômicos como o preço dos aluguéis e do transporte na cidade; mobilizar sua base eleitoral de forma militante, com participação e engajamento coletivos; afrontar com habilidade as questões polêmicas, não renunciando enfrentar contradições e apostando na linha de vencer com “maioria social”, sem desidratar as questões centrais do programa.
O discurso de vitória não deixou margens a respeito da postura quanto a Trump e seus planos:
“Para mostrar a um país traído por Donald Trump o melhor caminho para derrota-lo, nada melhor do que a cidade onde ele mesmo se fez. E se existe uma forma de aterrorizar alguém desesperado, essa forma é desmantelando as condições que permitiram ele acumular poder. (…) Vamos nos colocar ao lado dos sindicatos e expandir a proteção ao trabalho, porque sabemos, como Trump também sabe, que quando os trabalhadores têm direitos sólidos, os patrões que querem explorá-los tornam-se, na verdade, pequenos. NYC continuará sendo uma cidade de imigrantes, uma cidade contruída por imigrantes, empoderada por imigrantes e, a partir de agora, liderada por imigrantes. Portanto, ouça o que eu digo, presidente Trump: para pegar qualquer um de nós, você vai ter que enfrentar todos nós. Quando entrarmos na prefeitura, as expectativas serão altas, mas nós vamos honrá-las”
Na contramão da cartilha da esquerda majoritária no mundo, Mamdani não aceitou os “limites do viável”, buscando mobilizar e unir as demandas que apareciam distantes, ao redor de uma disposição combativa. Longe do “realismo capitalista” que os setores da social-democracia, que como Starmer, do Reino Unido, por exemplo, se desmoralizam como linha auxiliar da burguesia internacional em crise, Mamdani reabilitou a esperança, se conectando com o processo mais importante de solidariedade internacional, que se expressou nos Estados Unidos em ocupações nas universidades e forte polêmica nos meios de comunicação: a luta contra a destruição e o genocídio em Gaza.
DSA, PSOL e uma esquerda que se afirme diante da extrema direita
A vitória de Mamdani abre portas e ajuda a demonstrar espaço na situação política, marcada pela polarização. A extrema direita mostra suas garras e segue aproveitando a crise das democracias liberais, como indica a dianteira que os partidos trumpistas têm nas pesquisas dos quatro maiores países do continente europeu, com um crescimento resiliente; Por outro lado, as greves gerais na Itália, foram o ponto alto da solidariedade à Palestina que marca para milhões um exemplo internacionalista, visto na ação dos trabalhadores europeus, na Flotilha, em Greta Tumbergh, na denúncia do imperialismo de Gustavo Petro, entre outras expressões, como as rebeliões da geração Z.
A busca por uma esquerda renovada e sem hesitações é vista com o desenvolvimento do DSA, cuja ponta de lança é Mamdani em Nova York, mas é um processo muito mais amplo. Mas também na busca pelo novo Partido no Reino Unido, na vitória presidencial da Esquerda combativa na Irlanda, na remontada da ala radical do Die Link, nas saídas que conectam a necessidade de um programa de transição ambiental com uma esquerda capaz de enfrentar e derrotar o neofascismo.
No Brasil que também se polariza, com a extrema direita agitando a chacina de Castro como saída para endurecer o regime e ter dividendos eleitorais, entender a profundidade que está passando nos Estados Unidos é de suma importância. Às vésperas da COP-30, é importante retomar o debate estratégico, com marcações nítidas de enfrentamento à extrema direita, lutando por outro mundo, não apenas uma gestão das contradições do capitalismo.
O DSA é uma esperança, em que pese que estejamos atentos às pressões institucionais e os riscos que sofrerá a gestão de Mamdani. Por isso, desde o MES estamos acompanhando de perto, seja através do intercâmbio de quadros com os camaradas de “Pão e Rosas”, agrupamento interno socialista do DSA, seja através de iniciativas como a presença da Fundação Lauro Campos, como observadora permanente do processo. Com uma coluna semanal, destacando os elementos mais vivos da situação, conseguimos informar e formar o ativismo no Brasil sobre a centralidade da situação estadunidense. E com a participação da Mariana Riscali, representando a Fundação, junto a delegação do PSOL na convenção do DSA, contando pessoalmente com a participação de Mamdani.