COP-30: da resignação ao colapso
Declaração frente à COP-30 de Centelhas, Insurgência-Reconstrução Democrática, Movimento Esquerda Socialista e Rebelião Ecossocialista, correntes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Brasil
Foto: Participantes da Cúpula dos Povos chegam a Belém durante a COP-30. (Priscila Ramos/BdF)
1. A 30ª Conferência das Partes do Acordo do Clima da ONU, a COP-30, realiza-se num contexto alarmante: as emissões de gases do efeito estufa jamais foram tão grandes. O ano de 2023 registrou uma temperatura média global 1,48°C acima do nível pré-industrial e o ano de 2024, o mais quente já registrado, teve uma temperatura média 1,6°C acima do nível pré-industrial. Os dez últimos anos foram os mais quentes já observados e o cenário previsto é de temperaturas entre 2,5°C e 3°C na segunda metade desse século.
2. Dos nove indicadores de sustentabilidade ecológica, sete já foram ultrapassados: clima, biodiversidade, ciclos de nitrogênio e fósforo, água doce, uso da terra, poluição química e mais recentemente, a acidificação dos oceanos. Ultrapassar essas fronteiras climáticas significa conviver com consequências devastadoras. Para a humanidade: fome, sede, guerras por água e alimentos, bilhões de refugiados climáticos. A mudança climática – agora uma Emergência – é o aspecto mais perigoso e dramático da crise ecológica. Uma ameaça sem precedentes na história. É contra ela que estamos lutando. Afirmamos o projeto ecossocialista como uma alternativa ao Ecocídio e à barbárie. Em defesa de um clima o mais seguro ainda possível. Em defesa da vida, da humanidade e do planeta.
3. Nosso objetivo em Belém é somar esforços para avançar em uma alternativa à destruição ambiental, pondo um fim ao verdadeiro responsável por ela, o sistema capitalista. É papel dos ecossocialistas durante a COP 30, construir uma coalizão de movimentos e atores que afirmam que é necessário “mudar o sistema, não o clima”. Movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais, guardiãs e guardiões dos nossos biomas, mares e áreas verdes urbanas estarão reunidos na Cúpula dos Povos, paralela à Conferência oficial, para afirmar que as verdadeiras soluções vêm dos territórios, das práticas agroecológicas e da organização popular.
4. A extrema direita tem uma agenda autoritária, ultraliberal e negacionista, e com seu projeto de morte. Num contexto de guerras militares e comerciais, ela segue como força polarizadora no Brasil e no mundo. Esvazia os mecanismos multilaterais e se opõe a qualquer acordo internacional sobre o clima e a biodiversidade. A ausência do governo Trump na COP-30, após ter retirado o país do Acordo de Paris, enfraquece os mecanismos multilaterais, demonstra seu desprezo pela agenda climática e a boicota.
5. A COP pouco avançará no compromisso da redução de emissão global de carbono, seja pela ausência de grandes responsáveis pelas emissões globais de carbono, como os EUA, seja pelas limitações colocadas nas negociações que se anunciam. Encabeçadas pelo Brasil, elas abandonaram os objetivos firmados no Acordo de Paris, em 2015. Segundo o presidente da Conferência, André Correa do Lago, essa deve ser a COP da adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Isso significa que o esforço principal não estará mais concentrado em impedir a elevação da temperatura, mas em minimizar os danos que continuarão escalando à medida que o calor aumenta. A adaptação é necessária nas políticas ambientais, mas não deve ser feita em detrimento da redução das emissões de carbono. Como afirma Michael Löwy, “dar prioridade à ‘adaptação’ em vez da ‘prevenção’ é uma forma indireta de se resignar à inevitabilidade das mudanças climáticas”.COP de frustração em frustração.
6. As COPs não têm sido capazes de costurar acordos palpáveis de redução de emissões CO2, graças ao lobby do complexo fóssil-mineral-agrário e seus governos subalternos. Os países ricos recusam-se a assumir sua responsabilidade histórica pelas emissões acumuladas e pressionam os países do Sul Global a “fazer sua parte”. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (para redução das emissões de cada país, ou NDCs) são voluntárias, e não obrigatórias.
7. Sendo assim, a União Europeia está recuando de seus planos climáticos, argumentando que tem que priorizar os gastos com sua indústria armamentista. A China, hoje maior responsável global pela emissão de CO2, segue com metas tímidas de redução. É a ilusão do progresso incremental. O cenário que estas NDCs apontam é para temperaturas entre 2,5°C e 3°C acima da média pré-industrial na segunda metade desse século.
8. Em 2023, a COP-28 terminou com uma declaração de que o mundo teria que fazer uma transição para se distanciar do uso de combustíveis fósseis, mas não estabeleceu metas para que isso acontecesse. A transição energética é um dos temas que será discutido na COP-30, mas não há um mandato oficial para que a conferência determine metas ou prazos para que essa transição ocorra. Denunciamos a farsa da “transição energética”, na verdade uma “transação energética”. Patrocinados por empresas do setor de energia, inclusive as vinculadas a grandes petroleiras, fundos de investimento e governos que lhes dão largos incentivos fiscais, projetos de energia eólica e fotovoltaica sacrificam territórios e seus modos de vida, mantendo o mesmo padrão de pobreza energética das comunidades, para “descarbonizar” a Europa.
9. As energias renováveis não substituem as fontes fósseis, mas se somam a elas. Assim, as emissões seguem aumentando mesmo com o crescimento das fontes alternativas. Fontes alternativas são um caminho; mas, sem mudar o modelo em que os mais pobres e as comunidades seguem pagando a conta dos prejuízos que foram causados por quem lucra com esse mesmo modelo, essas alternativas ficam em xeque. Defendemos uma transição energética justa e inclusiva, sem levar a dinâmicas de destruição e desarticulação de ecossistemas marinhos e costeiros e com a escuta de quem verdadeiramente tem cuidado e preservado os territórios.
10. Outro aspecto preocupante é o da comercialização das florestas tropicais. A aposta do Brasil na COP-30 passou a ser a de negociar um novo instrumento financeiro) o TFFF). Por ele, os países que preservam as florestas tropicais serão recompensados por meio de um fundo de investimento global, o que é, em tese, positivo. No entanto, o modelo transforma o cuidado da natureza em mercadoria e o atrela ao sistema financeiro, o que traz riscos às soberanias nacionais, à medida que grandes corporações passam a ter relações econômicas diretas com territórios e biomas, e compromete autonomia dos movimentos que lutam pela salvaguarda das florestas e demais territórios. Como afirma a Assembleia Mundial pela Amazônia, “o TFFF considera, de forma equivocada e enganosa, que o desmatamento é uma falha de mercado que será resolvida atribuindo um preço aos serviços ecossistêmicos das florestas tropicais para atrair investimentos privados. O colapso ecológico provocado pelo capitalismo não será resolvido com mais capitalismo! O TFFF não reconhece as florestas como sistemas vivos que têm direito à vida, à preservação de seus ciclos vitais, à manutenção de sua capacidade de regeneração, a não serem contaminadas, a conservar sua integridade e a exigir reparação e restauração oportunas”.
11. Na mesma perspectiva de submissão ao mercado, o mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Floresta) permite que poluidores continuem poluindo. É um mecanismo de compensação, não de redução real. Mas a ciência é clara ao afirmar que não há como compensar emissões fósseis com florestas. O carbono fóssil, uma vez liberado, fica na atmosfera por séculos. As florestas podem queimar, secar, ser desmatadas. É uma falsa equivalência.
12. A Inteligência Artificial (IA), por sua vez, emerge como uma nova ameaça, como uma nova fronteira da destruição ecológica. Ela demanda enormes quantidades de água e energia para manterem seus centros de armazenamento de dados. Data centers e mineração de criptomoedas já consomem quase 2% da eletricidade mundial. Com a expansão da IA generativa (como ChatGPT, Gemini, etc.), esse consumo aumentará drasticamente. A IA reforça o racismo sistêmico (algoritmos treinados com dados enviesados), acelera a disseminação de desinformação e monopoliza a atenção humana, corroendo o tempo livre e as conexões sociais. Ela precisa ser socializada e democraticamente controlada. Brasil perde oportunidade de ser liderança global pelo Clima.
13. Apesar da grande esperança despertada pela realização da COP-30 em Belém, no coração da Amazônia brasileira, sob o governo Lula, a contradição está evidente. O governo anuncia a menor taxa de desmatamento na Amazônia desde 2017 e Lula, em seu discurso na Plenária Geral dos Líderes da Cúpula do Clima, reconhece a Amazônia como “símbolo maior da causa ambiental”, onde “correm milhares de rios e igarapés” e onde “habitam milhares de espécies de plantas e animais que compõem o bioma mais diverso da Terra”. Mas o mesmo presidente impulsiona a exploração de petróleo na foz do Amazonas, sob a justificativa de utilizar o do petróleo para o país “ser livre do combustível fóssil”, contrariando cientistas e ambientalistas que alertam sobre os riscos e impactos sobre comunidades e biomas. Uma falácia.
14. A queima do petróleo do óleo da Margem Equatorial, que será basicamente exportado, pode liberar mais de 11 bilhões de toneladas de CO2, 5% do orçamento de carbono que restaria se fosse mantido o objetivo de limitar o aquecimento a 1,5°C. A iniciativa do governo terá impacto global negativo, em flagrante contradição com a agenda de transição anunciada pelo próprio presidente. Organizações ambientalistas, povos e comunidades tradicionais atingidas denunciam um licenciamento atropelado, que põe em risco a biodiversidade, bem como os impactos climáticos do projeto. Não existe justiça quando povos e territórios são sacrificados. Não é possível conceber essa exploração como “desenvolvimento”. O mesmo modelo predatório, em outro momento da história, violentou povos originários em nome da “colonização”. A anulação da licença concedida pelo IBAMA é urgente e uma luta sem tréguas a ser travada ao longo desta COP. A força que vem dos territórios: por justiça ambiental e climática!
15. Se as soluções para a crise climática não vêm dos mercados de carbono, dos governos cúmplices do capital ou das corporações que lucram com a destruição, de onde elas vêm? A resposta é clara e ressoa por todo o mundo: elas vêm dos territórios.Daí a importância da Cúpula dos Povos de Belém, que se reunirá paralelamente à COP-30. Entidades, redes e articulações brasileiras da sociedade civil, povos e comunidades organizadas, sem grandes expectativas com os interesses representados na Conferência oficial, e para desmascarar a farsa das grandes corporações, dos lobistas do petróleo e do agronegócio, dos governos pouco ou falsamente comprometidos com as transformações realmente necessárias, transmitirão uma mensagem poderosa para o mundo: “Justiça Climática: As Soluções Vêm dos Territórios”. Será essa força, a das mobilizações sociais, a única chance de arrancar medidas benéficas para o planeta.
16. Conclamamos trabalhadoras, trabalhadores e o povo brasileiros a se juntarem a nós na construção de uma rede de proteção e na luta por um modelo de desenvolvimento que respeite os territórios, a vida, os saberes e a dignidade de todos os povos. Acreditamos que juntos podemos questionar os governos e o capital, criar condições para a superação do capitalismo e garantir um futuro com justiça ambiental, social e climática para as atuais e futuras gerações. O Manifesto da Via Campesina para a COP-30 vai na mesma linha.
17. Mais do que nunca, é hora de fazer ecoar para todo o planeta, as vozes de resistência a este modelo predatório, fossilista e espoliador, que envenena os territórios e mata tudo que tem vida. É hora de somar forças com os povos da floresta, com quem há milênios cuida da Amazônia, com indígenas, ribeirinhos, pescadores e marisqueiras, com os que sustentam seus modos de vida provando que há alternativa para além do Capital. É hora de fortalecer uma grande aliança global em defesa de uma alternativa realmente comprometida com uma transformação radical e a luta antissistêmica, pelo fim dos combustíveis fósseis, pela conservação dos ecossistemas, pela justiça ambiental, pela proteção dos territórios e modos de vida de tantos povos que seguem resistindo há séculos ao genocídio, ao ecocídio e ao etnocídio.
18. O “Manifesto Por Uma Revolução Ecossocialista” da IV Internacional deu a medida da urgência e da amplitude da mudança necessária: é preciso interromper já a marcha destruidora do “crescimento” capitalista. Longe do objetivo sempre anunciado de manter este “crescimento”, os países mais ricos precisam começar a reduzir a produção material e o uso de energia, para que os países mais pobres, que precisam satisfazer necessidades até agora não atendidas, possam ainda, por algum tempo, ampliar a produção. Mas a reorientação de rumos da economia, com a redução do consumo esbanjador da elite econômica e a adoção de medidas de redução da emissão de carbono (sem, de modo algum, ampliar a exploração de petróleo, muito menos na foz do Amazonas), precisa ser adotada em todo o mundo. Só uma revolução pode interromper a catástrofe em curso e salvar a humanidade do risco da extinção. Um novo rumo é cada vez mais urgente. O mundo será ecossocialista ou não será!