Justiça barra votação contra Professora Ângela
Decisão do TJ-PR confirma ilegalidades em processo movido por parlamentares conservadores para silenciar uma voz progressista na Câmara de Curitiba
Foto: Felipe Roehrig/Divulgação
A tentativa da extrema direita curitibana de cassar o mandato da vereadora Professora Ângela (PSOL) sofreu pesado revés. Nesta segunda-feira (17), a juíza Diele Denardin Zydek, da 5ª Vara da Fazenda Pública, suspendeu a sessão extraordinária que a Câmara Municipal realizaria para votar a cassação por suposta quebra de decoro. A decisão judicial aponta indícios claros de ilegalidades no processo e reforça o argumento de que Ângela é alvo de uma perseguição política articulada pelos setores mais conservadores da Casa.
Segundo a magistrada, a Comissão Processante admitiu ter realizado reuniões prévias de cunho deliberativo sem a presença da defesa, violando garantias constitucionais básicas e transformando o procedimento – que deveria ser acusatório e transparente – em uma dinâmica inquisitória. A juíza estabeleceu a suspensão para assegurar “os direitos da defesa, conforme os artigos 5º da Constituição Federal e do Decreto-Lei n.º 201/1967”.
A irregularidade não é um detalhe técnico: trata-se de mais um episódio em que a Câmara de Curitiba tenta avançar sobre mandatos de parlamentares de esquerda, em especial mulheres, negros e figuras ligadas aos movimentos populares. O advogado Guilherme Gonçalves, que representa a vereadora, foi enfático sobre o caráter seletivo dessas investidas:
“A Câmara de Curitiba tenta insistir num procedimento, e não é à toa, que é sempre contra uma mulher, já tivemos essa circunstância com outra mulher e todos lembram do caso Renato Freitas, um vereador preto, e todos, não por coincidência, são no espectro da esquerda. […] Que a democracia seja feita com disputa no voto, e não utilizando subterfúgios para tentar calar aqueles que discordam de alguns parlamentares ou do grupo político dominante.”
A “cartilha da redução de danos”: pretexto para a perseguição
O processo ético-disciplinar (PED 1/2025-CP) foi aberto após os vereadores Da Costa (União) e Bruno Secco (PMB) acusarem a Professora Ângela de “apologia às drogas” pela distribuição de uma cartilha de Redução de Danos durante uma audiência pública no dia 5 de agosto.
A acusação, no entanto, não se sustenta. O material segue orientações da Organização Mundial da Saúde, da comunidade científica e de políticas públicas comprovadas internacionalmente – nenhuma relação com incentivo ao uso de drogas. Ainda assim, a extrema direita tentou transformar um debate técnico sobre saúde pública em palco para ataques morais, interrompendo a audiência com gritos e distorções, como fez o vereador Da Costa ao invadir a sessão acusando a vereadora sem qualquer fundamento.
A narrativa construída pelos denunciantes e acolhida pela Comissão Processante evidencia um projeto político: transformar um instrumento de saúde pública em arma para criminalizar uma parlamentar que atua com pautas sociais, feministas e antiproibicionistas.
Mulheres de esquerda sob ataque
A decisão judicial expõe mais um capítulo de uma sequência de perseguidores da extrema direita contra representantes progressistas na Câmara. A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) comparou o caso ao que historicamente ocorre com mulheres que confrontam estruturas políticas marcadas por misoginia:
“Queriam silenciar uma parlamentar que tem coragem de enfrentar o machismo que ainda estrutura grande parte da política, um machismo que não suporta ver uma mulher ocupando espaço, denunciando injustiças e defendendo os direitos do povo. Estamos juntas, camarada Ângela. Não nos calarão!”
O caso também remete ao ataque sistemático contra figuras como o ex-vereador Renato Freitas, cassado após um processo repleto de distorções, posteriormente revertido pela Justiça. A repetição de padrões – denúncias frágeis, processos acelerados, violações de defesa e forte mobilização da extrema direita local – reforça o entendimento de que se trata de uma estratégia política de silenciamento.
Vitória parcial, mas decisiva
Ao suspender a votação, o Tribunal de Justiça impede que a cassação avance pelas mãos de um processo contaminado por vícios, pressões e manobras regimentais. A decisão não encerra o caso, mas garante que ele não seja usado como ferramenta para eliminar da vida pública uma representante legitimamente eleita com quase 10 mil votos.
A disputa agora também se dá no plano político: setores conservadores insistem em criminalizar políticas de saúde, distorcer debates e perseguir adversários ideológicos. Já os movimentos sociais, especialistas em saúde e parlamentares progressistas enxergam na decisão judicial um freio necessário ao avanço antidemocrático que tenta transformar divergências políticas em cassações sumárias.
A luta segue – e a suspensão da sessão é, por ora, um recado claro: não haverá cassação construída à margem da legalidade, e não será a extrema direita quem decidirá quais vozes podem ou não ecoar na Câmara de Curitiba.