O dia que a Itália parou por Gaza

O dia que a Itália parou por Gaza

Entrevista da Esquerda em Movimento e o The Call, com militantes italianos sobre a greve geral italiana

Em 23 de setembro de 2025, diversos sindicatos de base e estudantes em toda a Itália organizaram com sucesso uma greve geral em um intervalo de vinte e quatro horas. Os organizadores mobilizaram trabalhadores portuários italianos em torno de remessas vindas de Israel para coincidir com a passagem da Flotilha Global Sumud. A flotilha constitui um grupo de barcos com ativistas de todo o mundo, do Brasil ao Reino Unido e além, com a esperança de chegar a Gaza e foi uma das iniciativas mais importantes de solidariedade internacional e ativista em defesa da Palestina e de Gaza

Esta entrevista é um esforço em conjunto da Esquerda em Movimento, e do The Call, portal impulsionado pelo Bread and Roses, tendência política interna do Democratic Socialists of America (DSA), a maior organização política socialista dos Estados Unidos da América. Para ler a versão em inglês, resumida desta entrevista, acesse: https://socialistcall.com/2025/10/30/people-see-what-is-happening-italys-general-strike-for-palestine/

Glossário de Termos

Collettivi Autorganizzati Universitari

A USB (Unione Sindacale di Base) nasceu no início da década de 2010, e o Potere al Popolo! foi fundado em 2018.

Victor Gorman:
 Meu nome é Victor. Sou estudante de serviço social na Universidade de Brasília. Também sou militante do Juntos, uma organização de juventude ecossocialista, e do Movimento Esquerda Socialista, corrente interna do PSOL, e conhecemos o CAU através da nossa luta com a coalizão da flotilha. É muito importante para as pessoas no Brasil e nos Estados Unidos verem o que está acontecendo por Gaza na Itália. Toda a solidariedade e as lutas que estão ocorrendo nesses países são muito mais importantes e urgentes agora porque sabemos o que Israel, Netanyahu, e seu governo estão tentando fazer com os palestinos e camaradas ao redor do mundo.

Andrew:
 Meu nome é Andrew. Estou em Boston, Massachusetts. Também sou estudante de serviço social. Sou membro do DSA, e pertenço a uma corrente chamada Bread and Roses. Estou aqui porque queria saber mais sobre como essa greve geral foi organizada, e como a esquerda italiana conseguiu conquistar uma vitória tão massiva para o Movimento de Solidariedade à Palestina.

Enrico:
 Sou Enrico do CAU, uma organização coletiva de estudantes militantes italianos. Nós nascemos em 2008 graças à reforma universitária italiana, que fazia parte do movimento maior do nosso país em direção à privatização e industrialização das universidades, o que refletia onde o mundo havia chegado em seus estágios mais recentes do capitalismo. O capítulo da nossa cidade se consolidou em 2016, quando um grupo de militantes ocupou o que é hoje o ex-OPG “Je so pazzo”, uma parte do bairro de Materdei. Não quero me estender muito sobre isso, mas é uma evidência concreta de como é a luta em nossa cidade. Outros capítulos do CAU também surgiram pela Itália, como o CAU Padula, de onde vem a Anna. Nossa luta, é claro, se relaciona tanto com o que está dentro quanto fora de nossas universidades, nossas cidades e outras lutas regionais. Organizamos tanto atividades universitárias corriqueiras quanto campanhas maiores contra a privatização, militarização e industrialização das universidades, e por lutas globais, como a da Palestina. Estamos no centro de todas as lutas das nossas cidades pela Palestina desde 7 de outubro. Também organizamos acampamentos em nossas universidades, em Turim (Torino), Pádua (Padova) e aqui em Nápoles. Agora, claro, nasceu uma nova fase na luta palestina, e estamos tentando estar na linha de frente dela na Itália.

Anna:
 Prazer em conhecê-los a todos. Sou Anna do CAU. Também sou doutoranda em sociologia. Acompanho a parte internacional do nosso trabalho político. Fazemos parte da International People’s Assembly e de outras redes de organizações de juventude na Europa pela Palestina. Estamos felizes por encontrá-los aqui hoje, e agradecemos por esta oportunidade.

Andrew:
 Como tudo isso começou? Quando foi tomada a decisão de tentar organizar uma greve geral? Quais foram os eventos que levaram a tudo isso antes de terça-feira?

Anna:
 Então, essa grande mobilização é o resultado do trabalho que temos feito em nossas universidades nos últimos dois anos. Em novembro e dezembro de 2023, começamos a ocupar nossas universidades. Organizamos ocupações durante o movimento “Globalize the Intifada” na primavera passada, e continuamos organizando desde então. Organizamos mobilizações exigindo boicotes acadêmicos dentro de nossas administrações universitárias, e em torno de outras formas de conivência com nosso governo. Essa luta se cruzou com a campanha de rearmamento na Europa em março passado, quando a União Europeia propôs uma remilitarização no valor de 800 bilhões de euros. Sabemos, claro, que essa campanha contribui diretamente para o genocídio que está ocorrendo em Gaza. Devemos combater isso especialmente como italianos, porque a Itália é atualmente o terceiro maior exportador de armas para Israel. Tentamos pressionar por ações e demandas nesses últimos anos, o que foi importante para construir nossa capacidade de mobilizar uma greve geral em tão pouco tempo e responder a ataques contra a flotilha. Tivemos contatos com a Freedom Flotilla (a flotilha anterior que tentou navegar para Gaza). Encontramo-nos com Rima Hassan, uma parlamentar palestina no Parlamento Europeu pelo La France Insoumise (LFI), que está a bordo da flotilha. Então, temos uma relação próxima com a Flotilha Global Sumud, e estamos em contato direto com eles.

Enrico:
 Dando continuidade a isso, só quero sublinhar o caminho que percorremos. Pode ser dividido em três fases. A primeira foi logo após 7 de outubro, quando todos nós lutamos até mesmo para mencionar “genocídio”. Nossas mobilizações eram principalmente humanitárias depois de ver a brutalidade e barbárie súbitas de Israel. Nessa fase, fomos pressionados a condenar o Hamas. A pressão nos fez analisar a Palestina e deliberar sobre nossa visão da colonialidade. Depois, uma segunda fase iniciou quando conseguimos elaborar mais nossa posição sobre a Palestina. Nossos contrários focaram mais em antissemitismo e neutralidade nas universidades, mesmo que elas não sejam neutras. Conseguimos avançar um pouco em nossa posição. Agora, em nossa terceira fase, vemos que as pessoas do mundo estão furiosas. O termo “genocídio” foi nomeado pelas Nações Unidas, mas não pela União Europeia ainda. A greve se tornou uma mobilização maior, e testemunhamos os resultados dela no dia 22.

Andrew:
 Pelo que entendo, havia cinco “sindicatos de base” que foram cruciais na organização dessa greve geral ao lado do movimento estudantil. A esquerda dos EUA não está tão familiarizada com essa estrutura de sindicatos de base, então tínhamos curiosidade sobre como eles funcionam. Como esses sindicatos de base funcionam, e qual é sua estrutura? Quais estratégias e táticas foram usadas para organizar a greve geral?

Enrico:
 Eu não sou da USB, então infelizmente não posso ser tão específico. Contudo, quero falar sobre o que levou à greve geral e nossas estratégias. Todos os movimentos de massa são produtos de fatores objetivos e subjetivos. Os fatores objetivos aqui abrangem a percepção italiana da luta palestina. As pessoas estão fartos. Em Nápoles, vimos famílias nas ruas, com quase cinquenta por cento da mobilização constituída por estudantes do ensino médio. Há também elementos subjetivos. Com isso queremos dizer que havia uma organização militante por trás dessa mobilização. A CGIL, o centro e a esquerda liberal queriam nos fazer acreditar que essa não era uma mobilização objetiva e que teria surgido do nada. Não, isso foi organizado. O elemento subjetivo é, portanto, a capacidade de algumas organizações organizadas de baixo para cima, não de cima para baixo, de produzir indignação. Nossos panfletos, ocupações, assembleias etc. não colidiram com os poderes institucionais e produziram uma “força de ruptura”, capaz de romper com o centro-esquerda. Sabemos que a CGIL não teria sido capaz de organizar essa mobilização. A CGIL convocou uma greve no dia 19 para desviar a atenção do dia 22, e foi um fracasso total. Nem todo protestante tinha um cartão sindical da USB, mas novamente, isso não significa que organizações como a CGIL possam trazer uma mobilização real que esteja no centro desta greve.

Anna:
 Temos dois tipos de sindicatos: confederados e de base. Os confederados, como a CGIL, são maiores e ligados ao que chamamos de “falsa oposição” ao nosso governo. É guiado pelo Partido Social-Democrata de centro-esquerda, que não apoiou nossas lutas contra o genocídio em Gaza. Eles não protestaram até este junho, o que é uma vergonha para eles. Comparativamente, temos os sindicatos de base. A USB é uma das principais entidades mobilizando a favor da flotilha. Os sindicatos de base vêm mobilizando trabalhadores pela Palestina há dois anos. A USB efetivamente contatou trabalhadores, os organizou e desempenhou um papel central por sua ligação com os trabalhadores portuários de Gênova. Os trabalhadores portuários de Gênova são organizados através do CALP — Collettivo Autonomo dei Lavoratori Portuali. Anteriormente, eles haviam se mobilizado para bloquear embarques de armas do porto de Gênova destinados à Palestina e ao Iêmen. O governo os puniu por isso, mas eles estavam prontos quando a flotilha começou. Alguns deles estão na flotilha agora, e os outros iniciaram esta mobilização.

Houve um grande protesto que bloqueou a cidade inteira. Cinquenta mil pessoas marcharam na cidade. Um dos estivadores viralizou dizendo: “se perdermos o contato com nossos barcos, com nossos camaradas, mesmo que por apenas vinte minutos, vamos bloquear toda a Europa.” Esse simples slogan se provou eficaz, que várias organizações por toda a Itália usaram para organizar-se dias antes da greve geral.

Tudo começou com o CALP, que faz parte da USB. A estrutura nacional da USB expandiu-se. Nossos slogans espalharam nossas estratégias de mobilização por todo o país. Criamos redes nacionais em todas as nossas cidades ativas, o que ajudou a preparar a greve geral. Como estudantes, fizemos nossa parte. Trabalhamos com a USB por meio do Potere al Popolo (Power to the People), o que nos permitiu coordenar ações em cada etapa da construção da greve geral. Então esse foi nosso papel. Mantivemos contato em cada fase da mobilização. Como estudantes, mobilizamos nossa universidade, pegamos o slogan lançado pelos camaradas em Gênova e o traduzimos para a universidade. Então para nós, se algo acontecer com a flotilha, bloquearemos tudo, significando que vamos bloquear as universidades.

Victor Gorman:
 Vimos que o movimento estudantil foi capaz de mudar a opinião majoritária em relação à Palestina nos EUA no ano passado. Outros países, como a Itália, tiveram um processo semelhante. O que vocês acham que o papel do movimento estudantil pode significar em sua mobilização pela Palestina em aliança com a classe trabalhadora? O que vocês pensam sobre essa coalizão com os trabalhadores, e qual é a importância do movimento estudantil se juntar a essa luta?

Anna:
 Acho que nosso papel nos leva de volta a quando começamos a mobilizar pela Palestina há mais de dois anos. Por muito tempo, o movimento estudantil esteve na vanguarda do movimento pró-Palestina aqui. Isso não foi apenas porque fomos os primeiros a começar a organizar, mas também porque fomos os primeiros a romper o silêncio no discurso público. Começando em nossas universidades, empregamos certas palavras-chave ligadas às nossas mobilizações que, como Enrico disse, nos permitiram oferecer uma lente política à luta palestina. Romper o silêncio no início foi difícil porque, no primeiro ano e meio, até dizer “genocídio” era difícil. Quando ocupamos uma universidade na primavera de 2024, tivemos uma entrevista na televisão nacional. A rede acabou nos censurando porque achavam que iríamos dizer “genocídio” na TV. Então isso foi difícil, mas continuamos, mesmo que fôssemos alvos. O governo e a administração universitária disseram que éramos antissemitas e nos atacaram. Sofremos repressão e criminalização, mas permanecemos firmes. Não retrocedemos porque aquelas eram nossas palavras. Aqueles eram nossos slogans, e os reivindicamos firmemente. Acho que isso foi importante para nossa mobilização, porque tornou essas posições mais mainstream. Ganhamos gradualmente mais espaço no discurso público, crescendo ao lado da aprovação gradual entre o restante da população, os trabalhadores, etc. Então, penso que nossa conquista prática de organizar protestos, mobilizações, nas universidades e nos centros das cidades permitiu que pessoas se juntassem a nós e influenciassem opiniões políticas e culturais. Tornar possível falar sobre genocídio, condenar Israel e a cumplicidade sionista de nossas instituições provocou um debate generalizado e permitiu que mais pessoas falassem livremente sobre a Palestina e se juntassem ao nosso movimento.

Enrico:
 Quero esclarecer duas coisas. Primeiro, a Itália tem um modelo universitário diferente em comparação aos EUA e ao Brasil. Coisas que funcionam nos EUA podem não funcionar na Itália, e vice-versa. Por exemplo, acampamentos podem funcionar em campi norte-americanos, mas não funcionam na Itália porque as universidades não têm espaço.

Então, como os estudantes universitários foram capazes de liderar mobilizações nacionais e internacionais? Não porque somos jovens e descolados, mas porque as universidades são instituições que refletem as estruturas econômicas da sociedade. Nossas escolas propagam competição e militarização. Ainda assim, há outra função vital da universidade, que é sua capacidade de colocar a democracia em prática. Isso é mais do que expor opiniões. É um centro onde pessoas no poder são forçadas a entrar em discussão, e que podem eventualmente ser derrubadas pelos estudantes de baixo para cima. É assim que podemos sobrescrever a “propaganda dominante”. Claro que esses processos levam tempo, mas nossas organizações ganharam a confiança da classe trabalhadora através do nosso trabalho.

Andrew:
 Essa greve geral foi organizada sob a administração de Giorgia Meloni. Antes, Meloni foi citada dizendo: “Se algo que não existe é reconhecido no papel, o problema pode parecer resolvido quando não está.” A polícia também enfrentou manifestantes em várias áreas do país. Agora, na esteira dessa greve, a Itália decidiu enviar um navio de guerra para proteger a flotilha. Então, que lutas vocês enfrentaram com essa administração, e que vitórias vocês conquistaram apesar delas?

Enrico:
 Primeiro, duas avaliações: o governo Meloni tem sido o governo mais à direita na Itália desde Mussolini. Em segundo lugar, a repressão sempre foi um elemento aqui. O povo italiano lembra dos protestos de 2008 e dos Anos de Chumbo, mas mais importante, nossa organização historicamente entende como enfrentar essas lutas. Dito isso, a repressão pode ser diretamente proporcional à magnitude de uma mobilização. Por quê? Simplesmente porque nós, o povo, somos quem define o limite que deve ser ultrapassado no tempo de mobilização. Isso significa que sempre temos que partir para a polícia e espancá-los? Claro que não, isso seria estúpido. Mas sabemos quando fazer, como fazer e de que maneiras. E sabemos que a repressão é forte. No ano passado, o governo Meloni aprovou o Dl Sicurezza, uma lei na beira do fascista que prejudicou nossa capacidade de protestar. Membros do CAU, Cambiare Rotta e Potere al Popolo! descobriram que cinco polícias haviam infiltrado cinco coletivos estudantis diferentes durante dez meses. Eles se apresentaram como entusiastas organizadores estudantis, mas algumas de suas práticas nos fizeram questionar se eram realmente policiais. Nós então descobrimos tudo por fontes abertas. Levamos nossas evidências ao Parlamento, mas inicialmente negaram. Foi-nos dito que esse sujeito estava lá porque gostava de uma garota do nosso coletivo, e depois nos disseram que ele estava lá porque era apenas um estudante, e não se envolvia com a polícia. Mas quando os outros infiltrados foram descobertos no território nacional, eles foram obrigados a realmente responder. A resposta foi geral, dizendo que era por prevenção, com medo de um possível retorno aos Anos de Chumbo. Tudo isso é besteira para distrair do fato de que esses homens infiltraram um partido político. A percepção disso era diferente da do povo, porque pedimos que nossas universidades respondessem a isso, mas a reação não demonstrou preocupação.

Outra coisa: ontem descobrimos que o Ministério do Antissemitismo propôs um documento no dia 21 sobre as mobilizações, acerca de seu risco, quem as promoveu, seus seguidores no Instagram, seus likes, etc. Perguntamos como estávamos presentes em dois desses relatórios, pois a mobilização em Nápoles no dia 22 foi considerada um risco. Isso foi novamente para sublinhar como parte da repressão está sempre crescendo. Também ressaltamos quão contraditório é que um governo nacionalista permita que a inteligência de um país estrangeiro entre em nossas fronteiras.

Onde está o centro-esquerda em tudo isso? O centro-esquerda está tentando intervir em algumas lutas como a questão das infiltrações do ano passado. Mas o que aconteceu no dia 22, todos os componentes do centro-esquerda que estão no Parlamento condenaram a violência em Milão e outras manifestações, e disseram pouco sobre a força massiva subjacente que estava por trás dessas organizações. Por quê? Porque sabem que não podem trazer o mesmo radicalismo e o mesmo povo às ruas, e são incapazes de trazer uma força de ruptura com outras forças políticas na Itália. Nós, claro, somos contra a posição do centro-esquerda, e sempre lembramos do Black Panther Party ao abordar violência e não violência na luta.

Victor:
 Vi alguns vídeos online, quando motoristas eram entrevistados enquanto rodovias eram bloqueadas, e vários deles apoiavam a greve e a Palestina. Foi muito comovente ver isso. Isso nem sempre foi assim ou houve uma mudança recente? O apoio da maioria da sociedade à luta do povo palestino, em defesa de uma Palestina Livre. Houve uma mudança recente por causa do desenvolvimento do genocídio? O genocídio acontece há quase 70 anos. Sabemos disso, mas neste momento final, durante estes ataques, iniciados há dois anos. Qual é a diferença na opinião pública em torno da questão palestina? O que conseguiu mudar isso?

Anna:
 Vou terminar de responder à pergunta do Andrew primeiro. Então, como Enrico dizia, temos um governo de extrema-direita que está implementando políticas e novas leis para punir duramente a dissidência política. Esse processo começou com administrações anteriores, mas acelerou sob Meloni. Temos enfrentado repressão desde que começamos a mobilizar pela Palestina. Contudo, sabemos lidar com repressão, e ter uma organização de referência realmente nos ajuda a estar prontos quando vamos às ruas. Também sabemos como cuidar de nós mesmos e das outras pessoas que estão conosco para prevenir escaladas de violência policial, que acontecem frequentemente na Itália. Alguma violência policial também aconteceu no dia 22, mas o fato de haver milhares de pessoas nas ruas ajudou a limitar a violência policial potencial porque éramos muitos demais. Eles não puderam nos deter. Não temíamos canhões de água ou gás lacrimogêneo em alguns pontos em certas áreas, estações de trem, portos, rodovias, etc. Nós simplesmente conseguimos superar a polícia em número.

Então, sim, a repressão é um problema, e nosso governo, em relação à Palestina, sempre apoiou Israel. Não apenas o Primeiro-Ministro, mas também o Ministro da Universidade e Pesquisa. Quando começamos os acampamentos na primavera passada, reitores das universidades italianas, o Ministro da Universidade e Pesquisa e o Ministro do Interior, todos se reuniram para ver como poderiam reprimir nossos protestos. Agora, este governo está mudando em outra direção. Nosso Primeiro-Ministro disse que reconheceremos o Estado da Palestina, mas com certas condições, incluindo a desarticulação do Hamas, a libertação de todos os reféns, etc. Acho que há pelo menos dois navios de guerra italianos que irão juntar-se à flotilha. Não é para prevenir ataques de Israel, mas para salvar cidadãos italianos a bordo caso Israel ataque a flotilha novamente. Então, a ação de enviar navios de guerra não foi para prevenir ataques, mas para reagir a eles.

Em termos de apoio popular, houve uma mudança significativa. Desde maio ou junho passados, a opinião pública começou a pender de forma mais aberta a favor da Palestina. Acho que o que ajudou esse processo foi, claro, a presença constante de mobilizações pela Palestina e símbolos em espaços públicos, mas, além disso, a pressão colocada sobre políticos e a mídia que ajudou a alcançar partes mais amplas da população. Claro que a mídia italiana ainda é pró-Israel, mas as atrocidades cometidas são simplesmente evidentes demais para escondê-las. As pessoas veem o que está acontecendo e entendem que Israel é o único responsável. Então, é evidente que houve uma mudança importante de opinião nessa greve geral, o que é muito bom. Nosso trabalho político também é para garantir que esse apoio político continue ativamente nas próximas semanas, e até que esse genocídio termine.

Andrew:
 Pergunta final. O que essa greve geral faz pela Palestina e por Gaza? O que isso faz pela Itália? Como isso avança? E eu quero dizer, eu penso… novamente, essa flotilha está focada em Gaza, e em levar ajuda para Gaza através, você sabe, do bloqueio israelense. Acho que minha pergunta é: como isso? O que vocês esperam que isso faça pela Palestina e por Gaza em particular? O que, eu suponho, essa greve geral organizada demonstra sobre a Itália, a esquerda e o futuro?

Enrico:
 O dia 22 foi um dia histórico. Vocês viram que essa ação se propagou na Itália e por toda a Europa, incluindo estivadores em Barcelona assim como outros estudantes. Demonstrou que a Itália pode se organizar com outros camaradas europeus. Os italianos não são apenas como os manifestantes franceses que saem às ruas todo dia. Não, isso trouxe uma consciência coletiva que pretendia desestabilizar o poder constitucionalizado. Os manifestantes reconheceram que a flotilha Sumud não era apenas um projeto humanitário. Se fosse, a flotilha teria simplesmente aceitado as propostas do Ministro Crosetto e de Israel para partir para Shibro, depois Sabrus, e então permitir que Israel conduza ajuda humanitária. Não, eles sabem que ao romper o bloqueio, são capazes de sublinhar as contradições dentro das contradições internacionais e israelenses e fabricar mobilização. Estamos profundamente cientes de que o lançamento da flotilha Sumud nos inspirará por meses, Crosetto e Meloni cederam a nós porque sabem que, se pelo menos não enviassem um navio de guerra, teriam mais problemas. É uma vitória para nós. Contudo, precisamos lembrar que isto não é apenas um símbolo. A Itália só ajudará a flotilha Sumud em águas internacionais se forem atacados, mas não atacarão os navios israelenses. Isso é o mínimo.

Quanto aos próximos passos, a USB já propôs outra greve geral, desta vez sem aviso. Organizou manifestações por toda a Itália. Em Livorno, desde o dia 22, os estivadores estão presos no porto. Estivadores estão bloqueando as ruas em Padova e Torino. Se não me engano, houve outras mobilizações também. Estamos planejando ações em Nápoles e na Piazza Gassu. Então, claro, estaremos aqui novamente em breve.

Haverá outra grande manifestação nacional no dia 4 de outubro convocada por organizações locais pró-Palestina, e esperamos que seja enorme. Esperamos que saia o mesmo número de pessoas, e pensamos que isso demonstrará como somos capazes de fazer algo em nossas ruas, em nossas cidades, em nossos territórios, que somos diferentes das forças do centro-esquerda — o que Anna antes chamou de “falsa oposição”. Não temos medo da repressão, não temos medo de levar a linha do debate ainda mais adiante. A Sumud é apenas o começo.

Anna:
 O que a Itália e o Ocidente podem fazer pela Palestina, para apoiar ativamente a resistência palestina, é parar a cumplicidade de nossas instituições em todos os níveis. Nós projetamos essa entidade, então construir a greve geral para bloquear com sucesso a produção e o transporte de armas usadas nesse genocídio é um grande passo à frente. Precisamos bloquear a máquina de guerra, e também aumentar a pressão sobre nossos governos em nível local, nacional e europeu para cessar essa cumplicidade. Todo tipo de mobilização que coloca nossos governos em posição difícil contribui para nossa luta e para a luta palestina. Meloni disse, após o dia 22, que nossos protestos foram apenas instrumentais, e que protestávamos para atacar o governo. E sim, podemos dizer que ela tem razão. Concordamos com ela nisso. Nosso protesto não foi apenas contra Israel, mas também contra o governo italiano e sua cumplicidade com Israel. Nosso protesto também é contra a cumplicidade da União Europeia. Nosso protesto também é contra as políticas imperialistas da aliança da NATO. Os EUA estão usando várias bases da NATO no sul da Itália para vigiar as últimas missões da flotilha. Então, essa luta vai em muitas direções diferentes, com o objetivo principal de acabar com esse genocídio. Para fazer isso, precisamos desmontar a cumplicidade de nossos governos, não apenas diretamente com Israel, mas também com a máquina de guerra imperialista.

Essa greve não apenas nos move nessa direção, mas também está nos mostrando como fazer isso em termos práticos. Podemos bloquear um porto para impedir um barco carregado de armas para Israel. Podemos bloquear uma estação ferroviária para pressionar fortemente nossas instituições. Essa é uma lição vital que as pessoas passaram a entender. Nos dias que se seguiram à greve geral, as pessoas voltaram a bloquear a estação ferroviária e estão prontas também para bloquear algo em Padova. As pessoas estão prontas para se juntar a nós. É nosso dever manter esse movimento vivo, e continuar mobilizando nos próximos dias quando todo o movimento pró-Palestina estiver pronto para voltar às ruas. Estamos prontos para continuar a mobilizar para lutar contra Israel, nossos governos e outras instituições ocidentais para desmontar suas políticas imperialistas e capitalistas.

Andrew:
 Muito obrigado, Anna e Ernesto, por se juntarem a nós hoje.


TV Movimento

Encontro Nacional do MES-PSOL

Ato de Abertura do Encontro Nacional do MES-PSOL, realizado no último dia 19/09 em São Paulo

Global Sumud Flotilla: Por que tentamos chegar a Gaza

Importante mensagem de três integrantes brasileiros da Global Sumud Flotilla! Mariana Conti é vereadora de Campinas, uma das maiores cidades do Brasil. Gabi Tolotti é presidente do PSOL no estado brasileiro do Rio Grande do Sul e chefe de gabinete da deputada estadual Luciana Genro. E Nicolas Calabrese é professor de Educação Física e militante da Rede Emancipa. Estamos unindo esforços no mundo inteiro para abrir um corredor humanitário e furar o cerco a Gaza!

Contradições entre soberania nacional e arcabouço fiscal – Bianca Valoski no Programa 20 Minutos

A especialista em políticas públicas Bianca Valoski foi convidada por Breno Altman para discutir as profundas contradições entre a soberania nacional e o arcabouço fiscal. Confira!
Editorial
Israel Dutra | 30 out 2025

Castro realiza a maior chacina da história do Brasil

O criminoso Cláudio Castro tem que sair do Palácio Guanabara para a prisão, sob pena de vermos novas chacinas promovidas pelo Estado e envelopadas como política de segurança pública
Castro realiza a maior chacina da história do Brasil
Publicações
Capa da última edição da Revista Movimento
A ascensão da extrema direita e o freio de emergência
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!

Autores