STF desafia Congresso a taxar grandes fortunas
Após décadas sem regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), a maioria do Supremo Tribunal Federal declara a omissão do Parlamento
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Na sessão de quinta-feira (6), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para reconhecer que o Congresso Nacional está em estado de omissão ao não regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, previsto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal.
A ação, protocolada pelo PSOL em 2019 – a ADO 55 – acusa o Legislativo de negligenciar o cumprimento de um mandamento constitucional essencial à redistribuição da riqueza.
O que foi debatido no Congresso
No âmbito do Congresso, o debate sobre o IGF tem sido marcado por décadas de atraso e retrocesso, ainda que existam vários projetos de lei em tramitação. Segundo o STF, o Congresso afirma “não haver omissão”, pois “há diversos projetos de lei que tratam do tema” em andamento. Contudo, a crítica é de que a mera tramitação não basta se não há deliberação concreta ou regulamentação de fato. No julgamento da ADO 55, o relator original, o ministro Marco Aurélio Mello (hoje aposentado), votou pelo reconhecimento da omissão legislativa.
Durante a sessão, o ministro Flávio Dino divergiu parcialmente ao defender que fosse fixado prazo de 24 meses para que o Congresso aprovasse a lei complementar. Já o ministro Luiz Fux foi o único a discordar integralmente, por entender que “o Parlamento tem se debruçado sobre o tema” e que não há omissão inconstitucional. A Corte, porém, não fixou prazo para aprovação; esse foi o entendimento da maioria, que optou por “assinalar a mora” sem inserir cronograma.
Nos autos, o Congresso – por meio da Câmara e do Senado – destacou que um projeto de 2008 já estaria apto para ir ao Plenário, o que complica o argumento de inércia absoluta. Mas para observadores, isso não invalida o fato de que 37 anos após a promulgação da Constituição ainda não há regulamentação do IGF.
Por que taxar os super-ricos: benefícios para a economia brasileira
A cobrança efetiva do imposto sobre grandes fortunas representaria uma virada estratégica no enfrentamento do caráter regressivo do sistema tributário brasileiro e no combate à concentração de riqueza.
Um estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda indica que “é fundamental que a isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês seja acompanhada da cobrança mínima dos super-ricos” para que a distribuição de renda efetivamente melhore.
Outra estimativa aponta que, se implementado com alíquotas entre 1,7 % e 3,5 %, o imposto sobre grandes fortunas poderia gerar cerca de R$ 260 bilhões por ano para a arrecadação do Brasil.
Estudos acadêmicos ainda apontam que a tributação do patrimônio elevado tem “potencial redistributivo” importante: atua sobre “os dois extremos do acúmulo da riqueza” e “há melhora da progressividade do sistema tributário nacional mediante o aumento da carga tributária sobre as famílias mais abastadas e o incremento da renda dos mais pobres, por meio da destinação da arrecadação a políticas públicas focalizadas” .
Do ponto de vista da justiça fiscal, a taxação reforça o princípio da capacidade contributiva: quem mais tem, mais pode contribuir mais – o que abre espaço para reduzir tributos que incidem sobre consumo ou trabalho – e assim aliviar as camadas mais vulneráveis.
Na economia, a melhoria da mobilidade social e a ampliação do poder de consumo das classes médias e populares favorecem o crescimento interno, o estímulo à demanda agregada, e a redução de distorções estruturais da desigualdade que limitam o desenvolvimento econômico mais equilibrado.
O mais justo
A decisão do STF abre um momento histórico para que o Brasil avance em direção a um sistema tributário mais justo e redistributivo – condição essencial ao país romper com o modelo da extrema direita, que privilegia a elite e perpetua a concentração de riqueza. A omissão legislativa mantida por décadas configura, em palavras da ministra Cármen Lúcia, “um sistema capenga em relação a uma parcela da sociedade”.
Cabe ao Congresso agora corresponder à chamada feita pela Corte e apresentar – com urgência – um projeto de lei complementar que defina quem são as “grandes fortunas”, quais serão as alíquotas, como será a base de cálculo, e qual será a destinação da arrecadação. Sem isso, o reconhecimento da omissão ficará apenas no simbólico, sem avanços reais para a justiça social.