Câmara do DF aprova projeto de Fábio Felix que pune práticas de ‘cura gay’
Lei reforça caráter laico do Estado, confronta o avanço conservador e garante proteção contra violências que seguem sendo praticadas apesar de condenadas por órgãos de saúde
Foto: Alê Bastos/Ascom Fábio Felix
A Câmara Legislativa do Distrito Federal deu um passo decisivo na defesa dos direitos humanos. Em 4 de dezembro, aprovou, em dois turnos, o projeto de lei do deputado distrital Fábio Felix (PSOL) que estabelece punições para qualquer tentativa de conversão de orientação sexual ou identidade de gênero no DF. A iniciativa, que agora segue para a sanção do governador Ibaneis Rocha (MDB), representa uma vitória histórica dos movimentos LGBTQIA+ e de todas as pessoas que defendem um Estado verdadeiramente laico, plural e comprometido com a dignidade humana.
O texto deixa claro que qualquer ação que tente “promover, induzir ou impor” terapias de conversão – as práticas fraudulentas e cruéis popularmente conhecidas como “cura gay” – será considerada infração, ainda que receba outro nome para tentar mascarar seu caráter discriminatório. O projeto prevê multas, responsabilização profissional e outras sanções administrativas a pessoas físicas ou instituições que insistirem nesse tipo de violência travestida de tratamento.
A proposta fortalece orientações já apresentadas por conselhos profissionais, que classificam tais práticas como antiéticas e danosas à saúde mental e emocional, e alinha o DF a princípios internacionais de direitos humanos defendidos por entidades como a UNAIDS. Durante a votação, movimentos e coletivos LGBTQIA+ ocuparam as galerias e celebraram o avanço, que amplia as ferramentas legais para denunciar violações de direitos fundamentais.
A legislação brasileira não reconhece orientação sexual ou identidade de gênero como doença desde os anos 1990, mas, na prática, setores conservadores continuam promovendo abordagens abusivas que tentam enquadrar corpos e subjetividades às suas visões moralistas. A aprovação do projeto de Fábio Felix enfrenta diretamente esse retrocesso.
Um depoimento que escancara a urgência da lei
Durante a discussão do projeto, Fábio Felix compartilhou um relato pessoal sobre quando se assumiu gay na adolescência, expondo a violência simbólica que atravessa tantas vidas LGBTQIA+ desde cedo:
“Quando eu saí do armário para minha família, quando eu tinha 16 anos, deputados, meu pai e minha mãe, a primeira coisa que eles falaram para mim foi: Olha, você vai ter que estudar muito, mas você sabe que você não vai poder falar sobre isso onde você quiser. Você não vai poder ser o que você é. Você talvez não vai poder casar. Você não vai poder ter tua vida. (…) Nós não vamos voltar pro armário. Nós não vamos tolerar LGBTfobia. E nós queremos políticas públicas porque nós queremos as pessoas LGBTs com cidadania, respeitadas e vivas todos os dias.”
O discurso, reproduzido nas redes do parlamentar, sintetiza o impacto social e emocional dessas práticas e reforça por que o Estado precisa atuar de forma firme para proteger vidas.
“Um dia histórico”
No dia seguinte à aprovação, Fábio Felix reforçou publicamente o significado político da conquista:
“Hoje nós tivemos um dia histórico na Câmara Legislativa do DF. (…) Agora, profissionais e estabelecimentos que tentarem esse tipo de terapia no DF poderão sofrer punição e multa, porque agora é proibido no DF. A gente sabe o nível de violência e sofrimento que esse tipo de terapia ou tentativa de conversão causa nas pessoas. Isso é absurdo e inaceitável. (…) Então a gente dá um passo muito importante em tempos de extremismo, de fundamentalismo religioso.”
O deputado também celebrou a aprovação, no mesmo dia, da criação do Conselho LGBT do DF, destacando o papel dos movimentos sociais que ocuparam a galeria:
“Isso mostra a importância de a gente ter mais dos nossos nesses espaços políticos do Legislativo.”
O que vem agora
Para entrar em vigor, a lei depende da sanção do governador. Se aprovada, será publicada no Diário Oficial do DF e regulamentada pelo Executivo para definir a aplicação das penalidades. A discussão ocorre em meio a denúncias persistentes de práticas veladas de conversão em todo o país, apesar da ampla condenação por entidades de saúde e direitos humanos.
A aprovação do projeto evidencia que, mesmo diante do avanço da extrema direita e do fundamentalismo religioso no Brasil, há força política e social para defender a vida, a autonomia e a dignidade da população LGBTQIA+. É uma vitória construída dentro e fora do plenário – e que aponta para um DF mais justo, mais plural e mais humano.