Capitalismo e racismo: a contribuição do Marxismo Negro
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Capitalismo e racismo: a contribuição do Marxismo Negro

A tradição marxista negra demonstra por que o racismo é parte central – e não secundária – do funcionamento do capitalismo

Danilo Serafim 9 dez 2025, 16:37

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A tradição do pensamento marxista negro – que inclui W.E.B. Du Bois ( 1868-1963), C.L.R James ( 1901-1989) e Frantz Fanon (1925-1961), entre outros – enfatiza tanto a importância histórica do capitalismo na opressão racial quanto as consequências destrutivas dessa opressão para os trabalhadores negros e a classe trabalhadora como um todo.

Os marxistas são frequentemente acusados de ignorar ou minimizar o  racismo, mesmo “reduzi-lo” à classe social. Mas tal crítica obscurece uma rica tradição  marxista sobre a opressão racial, conhecida como marxismo negro.

O termo marxismo negro se refere a escritores, organizadores e revolucionários africanos, afro-americanos afro-brasileiros e afro-caribenhos  que se basearam na teoria marxista – e, melhor ainda, destruir – tanto a opressão racial quanto a exploração de classe, incluindo o colonialismo. Trata-se, portanto, de uma tendência teórica e política dentro do marxismo. É análogo ao feminismo, que também se baseia na teoria marxista  para analisar a opressão das mulheres.

Às vezes, diz-se que o marxismo tem um “ problema racial”, o que implica que os marxistas não levam a questão racial a sério. De fato nenhuma outra tradição teórica política – seja o liberalismo, o nacionalismo negro ou a teoria crítica da raça – que ofereça mais insights sobre a opressão racial do que o marxismo. E isso se deve em grande parte à tradição marxista negra. É claro que a oposição à opressão  racial e ao neocolonialismo também pode ser encontrado nos escritos de marxistas clássicos como Rosa Luxemburgo, Leon Trotsky, Vladimir Lenin, bem como no próprio Karl Marx.

De acordo com Jeff Goodwin, professor da Universidade de Nova York e estudioso de revoluções e movimentos sociais, que escreveu sobre Du Bois e a tradição marxista negra,  o marxismo negro não é homogêneo, mas sua ideia central é que o capitalismo tem sido historicamente o pilar da opressão racial na era moderna. Por opressão racial, entende-se a dominação ou o controle político, legal e social dos povos africanos e negros.

Ainda como questiona Goodwin, o que  significa dizer que o capitalismo é o principal pilar ou  fundamentação da opressão racial? Os marxistas negros destacam duas características fundamentais:

  1. A busca incessante por mão de obra e recursos baratos pelos capitalistas;
  2. Concorrência entre trabalhadores para obter emprego.

Essas duas dinâmicas são, segundo eles, as causas básicas da opressão racial. A opressão racial não é o mesmo que exploração de classe, mas facilita: permite a exploração do trabalho negro e, por extensão, de todos os trabalhadores.

Ao afirmar que o racismo, em sua forma moderna, é um produto do capitalismo, não minimiza suas terríveis consequências. Muito pelo contrário. Os marxistas negros enfatizam que os povos negros na era moderna enfrentam a dominação política e social, bem como as formas extremas de exploração econômica ,   que essa dominação tornou possível. A opressão política dos povos negros é uma injustiça em si mesma, mas também possibilita formas particularmente brutais de exploração do trabalho. 

Para ser mais uma das características inerentes ao capitalismo é a busca incessante dos capitalistas por mão de obra e recursos baratos. Essa busca decorre do fato que os capitalistas competem entre si e, portanto, buscam constantemente reduzir seus custos de produção. Uma maneira de manter uma força de trabalho barata e dócil é oprimi-la politicamente – isto é, dominá-la e controlá-la de modo a impedi-la de se organizar e resistir efetivamente. Os capitalistas preferiram oprimir todos os trabalhadores, mas uma alternativa é exercer maior dominação sobre um segmento significativo da classe trabalhadora – sejam mulheres, imigrantes e negros.

Conforme observa Jeff Goodwin, os marxistas negros afirmam que os negros têm sido submetidos a uma terrível opressão nas mãos dos capitalistas,  do Estado e da polícia, não como um fim em si mesmo ou por pura malícia racial. Onde existem formas massivas de dominação e desigualdade racial, o objetivo geralmente é facilitar a exploração e o controle da mão de obra negra – pense na escravidão nas plantações, na parceria agrícola ou no emprego precário e de baixa remuneração nos Estados Unidos.  Em muitos casos, a dominação racial também se baseia na desapropriação de terras e recursos controlados por grupos raciais específicos. O colonialismo, é claro, se encaixa nessa lógica: envolve essa desapropriação e é alimentado pela busca incessante dos capitalistas por recursos e mão de obra barata.

A opressão racial também é frequentemente apoiada e implementada por trabalhadores brancos. É aqui que entra outra característica fundamental do capitalismo: a competição entre trabalhadores por empregos. Mas é importante enfatizar que, para os marxistas negros, sistemas de opressão racial e desigualdade em  larga escala geralmente são projetos executados por classes dominantes poderosas – ligadas aos Estados que controlam ou influenciam – e que essas classes têm um interesse material em desvalorizar e explorar a mão de obra dos povos africanos e negros, ou em se apropriar de seus recursos. A opressão racial é ainda mais brutal e duradoura quando essas classes dominantes dos Estados têm interesse econômico direto dela.

De acordo com Jeff Goodwin, é claro que as motivações por trás de atos individuais de racismo são complexas e nem sempre podem ser explicadas apenas nesses termos. Mas o marxismo negro não busca analisar comportamentos individuais: seu objetivo é identificar as forças motrizes por trás de instituições de dominação racial em larga escala. E sua premissa central é que a exploração do trabalho- exploração de classe – geralmente constitui essa força motriz. Portanto, é essencial distinguir o racismo institucionalizado do racismo interpessoal.

Jeff Goodwin, lembra que W.E.B. Du Bois, escreve em algum lugar – em “Cor e Democracia”-, acredito que os povos colonizados têm histórias, culturas e características físicas extremamente variadas. O que os une não é a raça ou a cor da pele, mas a pobreza resultante da exploração capitalista. Sua raça, explica Du Bois, é a justificativa ostensiva para sua exploração, mas a verdadeira razão é a busca por lucros por meio de mão de obra barata, seja negra ou branca. Ele também enfatiza que a opressão dos trabalhadores negros também teve o efeito de reduzir o custo da mão de obra branca.

Como a ideologia racista se encaixa nesse contexto?

Como afirma Goodwin, a  ideologia  racista, ou ideologia supremacista branca – isto é, o racismo como construção cultural – é tipicamente desenvolvida, disseminada e institucionalizada pelas classes dominantes e instituições estatais para justificar e racionalizar a opressão e a desigualdade racial.  A animosidade ou o ódio racial em si não são a motivação primária para a opressão racial; o elemento central são a riqueza e os lucros gerados pela a exploração da mão de obra negra. Mas o racismo legitima essa opressão e contribui para sua perpetuação.

Isso significa, contudo, que algumas ideias racistas e supremacistas não tenham precedido o capitalismo. Contudo, seu alcance e influência permaneceram limitados por muito tempo, até serem associados aos interesses materiais de capitalistas e Estados poderosos. A partir desse momento, foram sistematizadas, institucionalizadas e se tornaram um força material por si só.

Assim, a raça torna-se tanto um critério social, quanto uma justificativa moral para a opressão política e social, tornando a exploração da mão de obra negra mais fácil e mais intensiva do que poderia ser de outra forma. 

Mas há mais. Goodwin, menciona, os trabalhadores que não são diretamente oprimidos racialmente, ainda assim, veem seu próprio trabalho desvalorizado e seu poder coletivo diminuído pela divisão racial criada pela opressão dos trabalhadores negros. Para os marxistas negros, portanto, o racismo é uma questão fundamental, o que contradiz a ideia de que o marxismo tem um “problema racial”. De forma alguma os marxistas negros são “ reducionistas de classe”

Quando a dominação racial e a desigualdade são institucionalizadas em larga escala, elas geralmente visam facilitar a exploração e o controle da mão de obra negra.

Os pensadores e ativistas revolucionários negros têm se baseado extensivamente no marxismo para analisar e combater o racismo, o imperialismo e o colonialismo. Dois excelentes exemplos que podemos citar, W.E.B. Du Bois ( 1868-1963)  e  C.L.R James ( 1901- 1989 ) Eles são centrais para a tradição radical negra, assim como outros marxistas negros   .

O lançamento da colateral no Movimento Esquerda Socialista (MÊS), antirracista Maré Negra,   abre uma opção para a negritude anticapitalista se organizar e ter como referências a tradição radical negra que é anticapitalista e o marxismo negro. 

O surgimento da colateral  Maré Negra acontece de forma expressiva e pujante  num momento que emerge em vários países inclusive no Brasil, uma extrema direita que é abertamente racista, misógina, homofóbica e que defende a prática da necropolítica como método, principalmente contra as populações jovens, negras e periféricas, que se tornaram o alvo principal dessa política de morte!        

Danilo Serafim é professor de sociologia da rede pública do estado do Rio de Janeiro e da coordenação nacional da TLS/MES


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