Retrospectiva 2025: as mulheres ocuparam as ruas
Contra as ameaças ao aborto legal e pelo fim dos feminícidios mulheres protestaram para garantir o direito de viver e reger seus direitos reprodutivos
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ano de 2025 foi marcado por mulheres nas ruas, mobilizadas contra a violência, o feminicídio e os ataques aos seus direitos. Em todo o país, atos denunciaram o avanço conservador e a tentativa do Congresso de controlar corpos e vidas femininas.
O estopim foi a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 03/2025, que susta a Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro, direito previsto na legislação brasileira desde 1940. A medida atinge sobretudo meninas pobres e negras, ao derrubar protocolos de atendimento humanizado no SUS.
A votação escancarou o peso da bancada conservadora e da extrema direita, que comemorou o resultado: foram 317 votos a favor do PDL, contra 111 contrários. Parlamentares progressistas denunciaram o caráter cruel da medida.
“Com essa revogação, meninas estarão mais expostas à negligência, violência institucional e impedimento de acesso aos seus direitos, como o aborto legal”, afirmou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Para ela, trata-se de mais uma expressão do que chamou de “Congresso inimigo do povo”. “Seguiremos lutando para barrar este absurdo no Senado. Criança não é mãe!”, reforçou.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) também criticou duramente a ofensiva.
“Estes que votaram a favor da revogação não defendem crianças, não defendem a vida. São sádicos que querem perpetuar ciclos de violência às custas da vida de meninas”, disse.
A aprovação do PDL não é um fato isolado. Ela integra uma cruzada parlamentar que busca minar o aborto mesmo nas hipóteses já permitidas em lei – estupro, risco de vida da gestante e anencefalia fetal. Nos últimos anos, projetos tentaram equiparar o aborto a homicídio, ampliar penas e impor obstáculos administrativos e médicos que, na prática, inviabilizam o atendimento no SUS. O resultado atinge sobretudo meninas negras e pobres, que enfrentam demora, recusa médica e violência institucional.
Os dados revelam a dimensão da tragédia: entre 2011 e 2021, mais de 107 mil meninas entre 10 e 14 anos deram à luz no Brasil – faixa etária em que qualquer gravidez é, por lei, resultado de estupro de vulnerável. São, em média, 26 crianças parindo por dia. Para movimentos feministas, negar o aborto legal nessas condições é impor maternidade forçada e aprofundar desigualdades.
Diante do avanço conservador no Congresso, a resposta veio das ruas. Organizações feministas convocaram manifestações nacionais contra o chamado “PDL da pedofilia”, pressionando o Senado a barrar a proposta.
“Vamos pra rua pressionar o Senado contra a aprovação desse PDL que ataca os direitos das meninas brasileiras”, afirmou o Coletivo Juntas. O recado ecoou em diversas cidades.
Onda de feminicídios
Essa mobilização se somou a uma onda ainda maior de protestos contra a escalada dos feminicídios no país. Em um fim de semana marcado pela indignação, mulheres de 25 estados e do Distrito Federal ocuparam ruas e praças para exigir que a violência de gênero seja tratada como prioridade de Estado. Segundo o Ministério da Justiça, 1.075 mulheres foram vítimas de feminicídio entre janeiro e setembro, e, em 2024, o país registrou 1.450 assassinatos, média de quatro por dia.
Na Avenida Paulista, cerca de 9,2 mil pessoas se reuniram ao grito de “mulheres vivas”. Em Brasília, cartazes denunciavam a violência estrutural. No Recife, Porto Alegre, Florianópolis, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e diversas capitais do Norte e Nordeste, atos homenagearam vítimas e cobraram políticas públicas efetivas.
Uma das vozes nacionais das mobilizações, Sâmia Bomfim resumiu o sentimento coletivo: “Nós vamos tomar as ruas para dizer um basta à violência contra as mulheres. Nós não suportamos mais”.
As pautas se cruzam. Para os movimentos, negar direitos reprodutivos e tolerar a violência de gênero fazem parte da mesma lógica de controle dos corpos femininos. Enquanto o Congresso tenta impor maternidade forçada a meninas estupradas, mulheres seguem sendo assassinadas todos os dias. Por isso, o lema que unifica parlamento e ruas ganha força: criança não é mãe, estuprador não é pai – e mulheres exigem viver, com direitos, dignidade e autonomia.